Herdámos uma cultura, e dela somos um produto, que hesita entre a genialidade e a depressão.
Por:Francisco Moita Flores, Professor Universitário
Talvez não seja por acaso que o fatalismo fadista é uma marca portuguesa. Parimos uma das mais influentes Línguas, fomos capazes de cruzar os oceanos e entregar mais mundo ao mundo, somos a terra de Camões, de Fernando Pessoa e, apesar da pequenez, construímo-nos como o país mais antigo da Europa.
Construímos países, os nossos emigrantes foram, e são, mão-de-obra, inteligência que reforça a identidade de não sei quantos países. E, apesar de tudo isto, somos o tal povo que não se deixa governar e não se governa, cultivador de todos os vícios do Velho do Restelo. Passámos as piores crises, em que além da política medíocre éramos dizimados por epidemias e pela fome e pela guerra. Basta recordar 1918 com a pneumónica, com a Grande Guerra, com o racionamento, para percebermos que esta bancarrota nada é comparada com essa outra da qual conseguimos renascer. Herdámos, ainda, o culto marialva da ostentação.
Da necessária exibição de sinais exteriores de riqueza e poder, mesmo com a arca cheia de pão bolorento ou com o cartão de crédito para lá das nossas capacidades de pagamento. Se nos deixarem, trabalhamos muito. Se nos deixarem, somos os mais preguiçosos parasitas. Mas temos opinião. Criticamos a eito, insultamos a eito e para descansar, mesmo em tempo de crise mais aguda e de falta de dinheiro, tiramos férias e enchemos os voos para o Brasil, como é o caso destes dias de Páscoa. Nestes dias, em que a genialidade foi vencida pela preguiça, aquilo que a retórica canalha procura é saber quantas mentiras o ministro das Finanças ou o primeiro-ministro contaram, se Fernando Nobre vale ou não vale, se Passos Coelho dá tiros nos pés.
Estou em crer que há muito que lhe dão tiros nos pés e lambemo-nos de gozo por antecipar eleições feitas de empates e desempates. Falar é um dos nossos fortes. Um antigo professor diz: quem não sabe, teoriza! Ou protesta, ou em nome da sua moral rejeita e não escuta a narrativa dos outros. Enquanto roncamos protestos e passeamos, acendemos os augúrios dos bruxos e os fatalismos fadistas, o FMI está aí a tratar da nossa vidinha. Preocupados. E nós alegremente despreocupados. Vamos de férias endividadas e reclamamos direitos.
Somos assim. Doutores de canudo passado, desempregados, desenrascados. Frustrados. E pior do que tudo isto, incapazes de aprender as lições da história e da preguiça. Talvez a nossa genialidade endémica vença, mais uma vez, este Velho do Restelo que nos habita.
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