Muhamud Matsinhe, da AIM
Johanesburgo, 15 Jun (AIM) – Os líderes africanos voltaram a entoar, no Domingo último, a canção da colombiana Shakira, intitulada “This time for Africa”, mas não pelo mundial futebol, mas sim para reafirmar a sua determinação de embarcar no mega projecto para a criação do maior mercado livre do continente.
O desafio foi manifestado durante a cimeira tripartida realizada em Sandton, arredores de Joanesburgo, que tinha como agenda a criação de uma zona de mercado livre integrando a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), Mercado Comum da África Austral e Oriental (COMESA) e na Comunidade da África Oriental (EAC).
Trata-se de um projecto que prevê a abertura do mercado dos 26 países membros destes três blocos regionais, cujo Produto Interno Bruto (PIB) combinado está calculado em cerca de um trilião de dólares americanos e uma população de 600 milhões de consumidores, um número que corresponde a mais de metade da população do continente.
“A assinatura desta declaração é um motivo de celebração”, disse o Presidente sul-africano, Jacob Zuma, falando minutos após a assinatura da declaração que formaliza o lançamento das negociações para a materialização do projecto.
Com o projecto, os líderes das três comunidades pretendem alargar o comércio inter-regional, através da criação de um mercado mais amplo, melhorar o fluxo de investimentos, aumentar a concorrência e desenvolver infra-estruturas da região.
Na sua intervenção, durante a abertura desta cimeira tripartida, o vice-presidente da Comissão da União Africana, Erastus Mwencha, disse que a fusão dos três blocos regionais não só irá beneficiar os países membros, bem como todo o continente e, “mais importante ainda, as pessoas e sobretudo a comunidade empresarial”.
“Ao unir os 26 países, que colectivamente possuem vastos recursos naturais e, acima de tudo, pessoas empenhadas, e criando um corredor de comércio livre de Cabo ao Cairo e da República Democrática de Congo às Maurícias, estão a abrir caminho para uma maior prosperidade e mais rápida integração do continente”, disse Mwencha.
Efectivamente, a integração regional é considera como uma forma mais eficaz de acelerar o desenvolvimento do continente.
O relatório das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Económico de África 2009 indica que a criação de diversas instituições de integração económica do continente nas últimas duas décadas permitiu o aumento do comércio intra-continental de dois por cento nos princípios da década de 1980 para nove por cento do total das exportações em 2007.
Contrariamente ao caso de África, que possui o índice mais baixo de comércio intra-continental, os países desenvolvidos da Europa canalizam 71,4 por cento das suas exportações para o mercado europeu.
Contudo, apesar de ser ainda baixo o comércio intra-continental, estas estatísticas mostram que África tem um grande potencial para melhorar os seus índices.
O relatório das Nações Unidas indica que os investimentos em infra-estruturas, harmonização de políticas, bem como o crescente investimento transfronteiriço e mobilidade de mão-de-obra irão ajudar a África a beneficiar plenamente das oportunidades económicas oferecidas pela integração regional.
Estas poderão ter sido as principais motivações que levaram os países membros a decidir que o processo de integração tripartido deverá assentar em três pilares, incluindo a integração com base na Zona do Comércio Livre Tripartida.
Estes pilares contemplam ainda o desenvolvimento de infra-estruturas para reforçar a interligação e a redução dos custos de negócios, bem como o desenvolvimento industrial para ultrapassar os constrangimentos da capacidade produtiva.
MAIOR DESAFIO ESTÁ NA SADC
Falando a jornalistas moçambicanos no término da cimeira tripartida, o ministro moçambicano da Indústria e Comércio, Armando Inroga, disse que a SADC e’ a possui a estrutura mais complexa entre os três blocos regionais.
“Os cinco países membros da EAC (Tanzânia, Quénia, Burundi, Ruanda e Uganda) já estão adiantados em relação ao COMESA e a SADC e já possuem uma união aduaneira”, disse o ministro.
Segundo Inroga, a SADC integra um país que agora faz parte dos BRICS (grandes economias emergentes), no caso vertente a África do Sul, bem como países que pertencem a mais de um bloco regional.
Aliás, são vários os países que pertencem a mais de uma organização, sendo, ao nível da SADC, o Zimbabwe, Zâmbia e Swazilândia que também integram o COMESA.
Moçambique retirou-se do COMESA em 1997 e o facto de pertencer apenas a um único bloco regional constitui uma vantagem pois o país já tem uma ideia clara sobre os seus compromissos na organização a que pertence.
Inroga considera que os países que agora pertencem a mais de uma organização devem fazer maiores ajustamentos no âmbito do novo projecto continental.
Discursando na abertura da cimeira tripartida, o Rei Mswati III da Swazilândia disse que os actuais blocos económicos têm estado a operar isoladamente, criando barreiras comerciais no continente africano.
A Swazilândia, particularmente, pertence a três blocos regionais, incluindo a União Aduaneira da África Austral (SACU, e actualmente assume a presidência rotativa do COMESA.
O Rei Mswati III disse acreditar que todos esses aspectos (filiação a mais de uma organização) serão tomados em consideração durante o processo de negociações.
“Estamos felizes por saber que a dificuldade enfrentada por alguns países de escolher qual o bloco regional que desejam pertencer passará para a história logo que começar a vigorar a zona de comércio livre”, disse o Rei.
ESTABILIDADE
Na sua intervenção durante a abertura da cimeira tripartida, o Rei Mswati III considerou a paz e estabilidade como condições prioritárias para o sucesso desse projecto continental.
“Ao lançarmos esta tripartida, não podemos esquecer que a paz e estabilidade devem prevalecer para ocorrer um desenvolvimento económico significativo em todos os nossos países”, disse o Rei, falando na qualidade de presidente do COMESA.
“A paz de que desfrutamos deve prevalecer na nossa região. Por isso, temos que aproveitar todas as vantagens deste ambiente para criar oportunidades de emprego que irão reforçar a estabilidade social”, acrescentou.
Contudo, nem o Rei nem os outros participantes elaboraram sobre a “paz e estabilidade” necessária para o sucesso deste projecto.
Refira-se que, dos 26 países envolvidos nessa iniciativa, existem alguns que não gozam de uma paz efectiva, entre os quais a Líbia, Madagáscar, República Democrática do Congo (RDCongo), Sudão e Zimbabwe.
Pelo menos três países também fazem parte da SADC, designadamente RDCongo, Madagáscar e Zimbabwe.
Ao nível da SADC, a violência pós eleitoral no Zimbabwe resultou num grande colapso económico que se não for considerado poderá ter repercussões negativas para a materialização do projecto.
A violência pós-eleitoral, associada a vários factores, incluindo políticas agrárias, resultaram no colapso do Zimbabwe, país que era a segunda maior economia da região mas que chegou a abandonar a sua moeda nacional estando a utilizar actualmente o dólar americano.
Só nos últimos 10 anos, o Zimbabwe perdeu a categoria de maior exportador de cereais, um dos maiores fornecedores da carne bovina para a Europa, além da sua impressionante indústria têxtil.
(AIM)
MM/SG
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