Cigarro distraído ao canto da boca e a filha bem sentada ao colo, o pai sonhador dava cor aos livros de pintura enquanto lhe ia trauteando músicas brasileiras e canções francesas. Talvez por isso, Laura Maria Garcês Ferreira, a actual mulher do novo líder do PSD, Pedro Passos Coelho, com quem se casou em 2004, goste de ouvir sobretudo Maria Bethânia ("vi todos os concertos dela"), Caetano Veloso e Milton Nascimento, Charles Aznavour, Gilbert Bécaud e Georges Moustaki.
As raízes da mulher que o País ficou a conhecer quando, bem sorridente, acompanhou o marido no último congresso social-democrata são um arco-íris: o pai de Laura é filho de um português e de uma cabo-verdiana da Brava, "a ilha das mulheres brancas e louras"; a mãe é filha de um português e de uma mancanha de Bolama.
As "memórias muito gratificantes" de uma infância feliz na Guiné, pois nasceu em Bissau e no 25 de Abril de 1974 estudava numa escola de freiras em Bafatá, estão associadas às brincadeiras ao ar livre e às histórias mágicas que ouvia contar à noite, mas também a situações tão simples como a mãe, na altura muito jovem, após as noites de chuva, acordar os filhos para irem todos apanhar as mangas que tinham caído no quintal.
Funcionário da administração guineense, o pai mudava fequentemente de posto e a pequena Laura Ferreira viveu ainda em Canchungo (na época, Teixeira Pinto) e lembra- -se também de estar no quartel de Contima, com abrigos e buracos nas redes da vedação, de ter andado de helicóptero e tirado fotografias com soldados que tinham saudades das filhas. Depois, descobriu que alguns dos "turras" (como eram designados, no contexto da guerra colonial, os guerrilheiros dos movimentos de libertação) eram da sua família - e acabariam por desempenhar cargos quando o PAIGC chegou ao poder em Bissau e na Praia.
Entretanto, acompanhando a família, abandonou o país onde os seus primos Caló Barbosa e Jânio Barbosa tocavam no famoso grupo Tabanka Djaz e foi viver para Cabo Verde, a pátria do escritor (e ainda seu parente) Pedro Duarte, um dos nomes do célebre movimento Claridade e autor de livros como Manduna de João Tiene. E no Mindelo, onde toda a gente gosta de passear no jardim da Praça Nova (o local mais central da cidade, onde ficam o cinema e o hotel), com o seu quiosque e os bustos de Luís de Camões e de Sá da Bandeira, ouvia tocar no coreto o seu professor de música do liceu, o consagrado clarinetista Luís Morais. E ainda hoje a encantam os quadros "maravilhosos" do pintor Kiki Lima.