De: isaantunes (Mensaje original) |
Enviado: 03/09/2011 22:40 |
Tete, hoje, é uma enorme panela de pressão em ebulição. Cerca de três biliões de dólares em investimentos concentrados em mega-projectos no sector mineiro, somente feitos pela Vale Moçambique e pela Riversdale, transfiguram o ambiente social e político, colocam as instituições municipais de Tete e Moatize, do governo provincial, o empresariado local e os cidadãos por cima da tampa dessa panela com todo o peso possível para que não exploda. Lutam e vencem, mas também conflituam bastante, ao mesmo tempo que não podem parar de pensar no futuro das gerações vindouras, porque esse não é e nem será só feito de carvão. Maputo, Sexta-Feira, 2 de Setembro de 2011Notícias Quem não vai a Tete, há mais de três anos, surpreende-se com tudo. Com o carvão tudo parece acontecer de repente. E as pequenas coisas, aparentemente triviais, podem configurar-se como grandes indicadores do que Tete é hoje e o que poderá ser amanhã. NÃO HÁ TEMPO PARA NEGOCIAR O CABRITO Por exemplo, o cabrito, esse animal simbólico das economias familiares rurais e um dos famosos manjares tetenses, e não só, ressente-se dos efeitos gerados pela economia do carvão. Ficou super valorizado. De 400 meticais que custava na feira de cabritos de Canongola, à saída da cidade em direcção a Changara, agora atinge os mil meticais. E se um desconhecedor da nova realidade se distrai, perdendo tempo a regatear o preço, o mais certo é ficar sem nenhum. Subitamente, alguém estaciona uma carrinha levando-os a qualquer preço, sem regatear, para responder à elevada demanda dos restaurantes locais, numa concorrência estonteante com os que seguem para Maputo e outros destinos tradicionais. Um peixe pende, fresco, tilápia típica de Tete, que há pouquitos anos não se pagava mais de 20 meticais, agora custa 150 a 175 meticais. O diálogo social também mudou. Enquanto Dhlakama fala de quartéis e vontade de guerra, as pessoas, em Moatize e em Tete, fazem ouvidos de mercador. Nos círculos sociais, o que se discute, animadamente, com ou sem razão, é a marginalização, a incapacidade ou dificuldade, dependente do que é politicamente correcto dizer dos moçambicanos para tirar proveito dos negócios, a jusante, oferecidos pelos grandes projectos de mineração do carvão. Discutem e queixam-se do custo de vida que disparou, devido, em parte, à grande circulação monetária, consequência da maior oferta de empregos e da densidade de estrangeiros que transformou Tete numa cidade mais global. HOTELARIA E BANCOS: A REBENTAR PELAS COSTURAS A pressão sobre a cidade de Tete é enorme. O sector dos serviços está a rebentar pelas costuras, devido à demanda. Hoje não há chefe que não acredite que evocar as longas bichas nas dependências e caixas bancárias é justificação difícil de negar. As pessoas fazem sátira desse fenómeno e até já dizem que quem quer ir ao banco não informa ao chefe, despede-se. Não obstante, nota-se o esforço que os bancos estão a fazer para aliviar a pressão que se sente sobre os seus serviços. Cinco bancos têm representação em Tete, com um total de oito balcões. Do outro lado da Ponte, em direcção a Moatize, a toda velocidade estão quase a ser finalizados mais três balcões, nomeadamente do Standard Bank, do BCI e do BIM, em resposta ao aumento de outros serviços, complexos habitacionais, centros educacionais e hotéis. Em outras palavras, há, agora, mais vida do outro lado da Ponte do que há três anos. No centro da cidade, entre o Hotel Zambeze e o Banco de Moçambique, lá se foram o sossego e a pacatez de outrora. É no centro da cidade que se entra em contacto com a nova dinâmica, explicitada por um movimento desusado. Completamente impensável imaginar ruas congestionadas, há três anos. Hoje, à hora de ponta ou a meio da manhã, as avenidas 24 de Julho, que passa defronte ao Hotel Zambeze, Julius Nyerere e Eduardo Mondlane são um fenómeno de filas de carros nos semáforos. Amiúde, é necessário estacionar a viatura a um quarteirão do Hotel Zambeze, por falta de espaço, pois lá é onde os táxis prosperam. Os hotéis estão a tirar proveito de tudo, feitos autênticos predadores na esfera do negócio, quando há crise. Um quarto normal, não uma suite ou algo parecido, no Hotel Zambeze custa, por dia, pouco mais de 5 mil meticais, correspondentes a mais de 180 dólares, para um serviço que deixa bastante a desejar, relativamente ao que se paga. E, mesmo assim, é preciso reservar com uma semana de antecedência e, por vezes, com alguma ajudinha, pois grande parte do hotel está antecipadamente bloqueado pela carbonífera Vale. Nem a quantidade de estrelas que a bela vista proporciona da sua explanada no quinto andar, virada para a emblemática ponte sobre o rio Zambeze, justifica tanto para um serviço hoteleiro que não se percebe bem de quantas estrelas é. Mas o cenário propicia isso mesmo. Tete, em pouco tempo, está a receber continuamente gente de todo o país e de todos os continentes, atraída pelas oportunidades de emprego que a exploração do carvão oferece. De 2 a 3 voos semanais que Chingodzi recebia por aí há três anos, hoje são no total dezoito. A-propósito, em conversa com o governador Alberto Vaquina, este comenta que isso é um indicador de crescimento e explora o lado positivo da questão: “A cidade está a mudar. Tete ficou mais aberta para fora e de fora, ficou-se mais aberta para Tete. Assim, todas as outras potencialidades, que não o carvão, estão mais expostas”. UMA CIDADE MUITAS NACIONALIDADES Há uma Geografia simbólica que relaciona restaurantes e nacionalidades. Ao Mario`s, vão os filipinos, ao Pino`s, os italianos e australianos, ao Misterioso, Pedreira e Mulambe, os brasileiros, ao “Why not”, os sul-africanos. No Hotel Zambeze, as elites de forma indiscriminada. Os moçambicanos, aqueles que podem pagar os preços que os menus ostentam, circulam um pouco por todos estes restaurantes lotados, sobretudo à noite e aos finais de semana. Felizmente, não há relatos de discriminação à base da cor da pele, tudo se resume à disponibilidade financeira. O negócio de arrendamento de casas floresceu também. A apetência por este negócio é tanto que poucos resistem ao seu envolvimento. H. Macaringue, um jovem em serviço numa instituição do Estado, destacado para Tete há alguns anos, disse-nos, a título de exemplo, o quão estava arrependido por não ter construído, pelo menos, uma dependência num terreno que adquiriu há já alguns meses. “Pelo menos uns 10 paus conseguiria pelo arrendamento”- explica Macaringue, certo de que ainda vai a tempo. Dependendo da zona e do estado de conservação, uma flat tipo 1 varia entre 4 e 6 mil meticais/mês, tipo 2, entre 10 e 20, tipo 3 entre 20 e 40, e tipo 4 entre 50 e 90 mil meticais. O assunto é tão sério que começa a interferir no recrutamento de quadros do aparelho do Estado a enviar para Tete. “Hoje temos dificuldade em recrutar quadros fora de Tete, pois o aluguer das casas ultrapassa as capacidades definidas orçamentalmente para o governo provincial”, refere Alberto Vaquina. Investimentos: Mais de 2 biliões USD em 2010 Maputo, Sexta-Feira, 2 de Setembro de 2011Notícias A carteira de investimentos totais aprovados para a província de Tete, em 2010, ronda os 2.081 biliões de dólares, sendo que a maior parte está adstrita à prospecção e exploração de carvão. Estes valores colocam a província de Tete em sexto lugar na estatística nacional, segundo fontes do Centro de Promoção de Investimentos. De acordo com dados disponíveis na Direcção Provincial dos Recursos Minerais e Energia, há 176 empresas diversas inscritas como estando envolvidas na pesquisa e prospecção de minerais básicos, assim como na exploração de carvão mineral ao longo da bacia carbonífera de Moatize, Marávia, Zumbo, Chifunde, Cahora-Bassa, Mágoè e cidade de Tete. As duas empresas que presentemente estão a espevitar a vida económica e social da cidade de Tete, fundamentalmente, são a Vale Moçambique, a maior empregadora, com cerca de 900 trabalhadores. A Vale, instalada em 2004, em Moatize, já iniciou a exploração e exportação de carvão mineral para a Europa, ainda que numa fase embrionária e espera que o carregamento do primeiro navio ocorra entre finais deste mês de Setembro. Em paralelo estão a Riversdale, cuja produção de carvão espera-se que aconteça até finais do ano em curso. A Riversdale emprega nesta fase cerca de 15 mil trabalhadores. Em 2012, duas outras mineradoras vão entrar em plena actividade carbonífera em Tete. Trata-se da JINDAL (JSPL) Moçambique, instalada em Chirodzi, no posto administrativo de Marara, distrito de Changara, encontrando-se em estado avançado de implementação o estudo de impacto ambiental da sua mina, que deverá entrar em funcionamento no segundo semestre de 2012. Ao norte do distrito de Moatize está a Ncondedzi Coal Company, que ainda está a realizar trabalhos de pesquisa, prevendo, no entanto, que em finais de 2012 inicie a produção e exploração de carvão. Entretanto, por muitas voltas que se dê, o assunto em voga em Tete é a Vale Moçambique e a Riversdale. São as fases de operação e exploração destas duas empresas que induziram a alterações significativas ao quotidiano tetense. Há aptidão para tanta mudança? Maputo, Sexta-Feira, 2 de Setembro de 2011Notícias A pergunta comum que anda de boca em boca é qual a capacidade que as instituições do Estado, particularmente o governo provincial, os municípios de Moatize e da cidade de Tete têm para lidar com as implicações estruturais, sociais e económicas provocadas pela exploração do carvão. Numa longa conversa com o governador Alberto Vaquina, que gentilmente nos aceitou receber no seu edifício de trabalho, ao final do dia, cansado, entre o regresso há poucas horas dum distrito e a partida para outro no dia seguinte, não ficam dúvidas de que este é um assunto que preocupa o governo profundamente, muito mais do se imagina na esfera pública em Tete. A vantagem de conversar com Vaquina é de se estar a lidar com uma pessoa extremamente aberta, logo, pode-se colocar questões delicadas e de forma directa. Quisemos trazer a questão comum para Vaquina: as instituições têm ou não capacidade para lidar com a situação? “A situação impõe um novo tipo de raciocínio”, começa a explicar o governador.” Esta é a primeira vez que lidamos com grandes empresas e com investimentos grandes. Eles trazem pressão, geram impaciência, pressão social e, por vezes, percepções erradas. É necessário capacitar o governo a lidar com este desenvolvimento da província”. Vaquina aponta duas formas de lidar com a situação, no que respeita a capacitar o governo. Um conceito seria trazer pessoas de fora da província, que eventualmente seriam mais capazes que os que estão em Tete. O segundo conceito seria transformar a capacitação num processo endógeno, com discussões internas, capacitação interna que conduza a que cada sector de actividade desenhe uma estratégia que se adeque aos novos desafios. Mas Vaquina tem uma opinião formada. “Pensamos que o processo de capacitação está em casa. Tem que partir de casa. Naturalmente, isso por si só não será suficiente, haverá momentos em que precisaremos de maior capacidade técnica. Mas o pensamento político é nosso. Quando precisarmos de capacidade técnica saberemos onde ir buscá-la. A orientação estratégica é nossa, mas nos repugna ir buscar parceiros”, garante o governador. MOROSIDADE NAS DECISÕES Outro aspecto preocupante é a relação entre as empresas activas do carvão com as instituições provinciais. Nos discursos públicos é tudo politicamente correcto, cheio de adjectivos elogiosos de parte a parte. Mas em conversas separadas, com cada um dos lados, e nos bastidores, saem cobras e lagartos. Por exemplo, do lado das empresas, as principais queixas centram-se na morosidade das decisões que devem ser tomadas pelas instituições provinciais. Entendem as empresas que o modelo é extremamente burocrático, com uma pirâmide longa para a tomada de decisões, mais grave ainda sem a devida sensibilidade das implicações que isso tem quanto ao factor tempo nos negócios com parceiros internacionais, à mistura com alguma indiferença. Transmitem a imagem de que as instituições provinciais não estão a lidar convenientemente e à altura dos investimentos feitos no sector carbonífero. Fontes da Riversdale fizeram-nos jurar, a pés juntos, que não seriam citadas, devido à delicadeza do assunto. Tudo por causa dum grande imbróglio de reassentamento que na óptica deles está, incompreensivelmente, a ser arrastado por uma comissão provincial, que indo para frente e para trás não está a decidir sobre o assunto. Mal tem tempo para se reunir com a empresa, numa periodicidade antecipadamente acordada. Havia um ramal ferroviário de 700 metros por construir este mês, do qual depende o início das operações. Mas o processo está encalhado. Disseram-nos que a frustração é elevada no seio da gestão da empresa.
Decidir o futuro hoje não “acorrentado” ao carvão Maputo, Sexta-Feira, 2 de Setembro de 2011Notícias Há uma questão que preocupa as instituições governamentais e o cidadão comum quando abordados sobre as implicações que resultam da nova dinâmica que caracteriza a cidade. Trata-se do futuro da província e da cidade de Tete. A resposta é igualmente uma percepção comum de que sendo o carvão o aspecto central e catalisador das oportunidades de emprego e de negócio, o futuro de Tete não deve ser exclusivamente acorrentado ao carvão. O governador Vaquina tem uma abordagem interessante sobre estes assuntos. Diz ele que “nem todos podemos ser mineiros. Temos que ser mais abertos à plenitude das actividades produtivas e de emprego. Temos de pensar no quando acabarem as minas, pensar na agricultura, no milho e na batata. Quanto maior forem as actividades produtivas maiores serão as oportunidades de emprego e de negócios”. Nomeia quatro áreas que considera ser importantes para garantirem a sustentabilidade da vida na província: desenvolvimento de infra-estruturas diversas, produção agrícola, educação e crescimento ordenado da capital da província. 18 MIL REFEIÇÕES SÓ PARA A VALE Fazem sentido estas preocupações. Com um elevado potencial agrícola e pecuário no planalto de Angónia, que integra os distritos de Angónia, Tsangano, Macanga, Chifunde, Chiuta, Marávia e Zumbo, por enquanto fica difícil aceitar, por exemplo, que as oportunidades de fornecimento de alimentos às empresas carboníferas sejam substancialmente agregadas aos sul-africanos. Mas à triste realidade deveríamos ter capacidade de colocar alimentos frescos, carne de qualidade processada e batata, só para citar alguns exemplos, suficientes para assegurar 18 mil refeições semanais consumidas só pelos trabalhadores da Vale Moçambique. É igualmente necessário, como defende Vaquina, ter estradas cujos tentáculos segurem os distritos fronteiriços altamente produtivos, a fim de se escoar a produção que actualmente atravessa as fronteiras,em favor de outros. É urgente ter-se centros de processamento e de conservação de produtos agrários. A cidade de Tete está já a registar um crescimento desordenado. A par disso contribuem dois factores agravantes: estar-se à beira do rio, a eventual transferência do Aeroporto, que está por cima de jazidas de carvão. “Temos de alargar o debate sobre o assunto. Na nossa situação, pensar na cidade não é tarefa de um só município. Changara, Moatize e Tete têm de ter uma lógica compartilhada de crescimento, um sistema integrado, porque no estado em que estamos, cada um interfere no outro. Com o fenómeno carvão há implicações sobre o aeroporto, isso provavelmente vai determinar no futuro o que será o centro da cidade de Tete. Temos que pensar nisso agora, o que queremos deixar aos nossos filhos depois do carvão”, explica Vaquina. Como se diz na gíria popular, essas são por vezes as dificuldades originadas por se ter “um bife maior que a boca”. Mas é animador perceber que as pessoas, no geral, e as instituições do Estado, apesar das dificuldades, não dormem por cima do carvão, pensam no futuro, buscando-o com outras alternativas. Pensamento do Governador: Nem todos poderemos ser mineiros Maputo, Sexta-Feira, 2 de Setembro de 2011Notícias “Compreendemos as necessidades de emprego, mas nem todos podemos ser mineiros. Diz O Governador Vaquina, que nos remete aos números oficiais. A Vale é a maior empregadora, com 9 mil trabalhadores, dos quais 90 porcento são moçambicanos. A Riversdale, ainda em fase inicial, emprega cerca de 2500 trabalhadores, dos quais 87 porcento são moçambicanos. “Temos trabalhadores qualificados, estrangeiros, que ocupam alguns dos melhores lugares. Isso não deve ser visto necessariamente como discriminação”, retoma Vaquina, cujo governo tem a certeza de que esta explicação, mesmo sendo verdadeira, não vai satisfazer. Há um conflito latente face à alta expectativa dos cidadãos locais, sendo que para evitar conflitos sociais e laborais activos no futuro é preciso fazer algo e agora. Ficamos a saber que o governo está a conversar com as empresas para dois objectivos. Em primeiro lugar, para saber que tipo de qualificações as empresas precisam nesta fase operacional e quais as que necessitarão no futuro. Estes dados, em segundo lugar, vão servir para o governo, nos seus projectos educacionais, incluir nas escolas técnicas em funcionamento em Tete e em outras que vão ser edificadas, cursos que respondam a tais necessidades, ao mesmo tempo que em conjunto com as empresas se estrutura a formação profissional. “Quando tivermos esses moçambicanos formados será mais justo reivindicarmos esses lugares”.. Um assunto complexo...Reassentamento das populações Maputo, Sexta-Feira, 2 de Setembro de 2011Notícias Uma fonte governamental, sem entrar em detalhes, disse-nos que o assunto de reassentamento das populações é complexo, que as empresas não podem pensar que tomam as decisões fora do que as instituições provinciais aprovam, nomeadamente a comissão provincial. Sublinhou o óbvio segundo o qual as instituições do Estado têm a obrigação de proteger a população, mas foi lacónica ao falar sobre a morosidade das decisões e sobre se havia consciência de que essa morosidade tinha implicações internacionais nos negócios milionários das empresas, podendo afectar os previstos ganhos substanciais para o Estado moçambicano. http://www.jornalnoticias.co.mz/pls/notimz2/getxml/pt/contentx/1287729 |
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