Em uma manjedoura simples, rodeado de animais e cheiros esquisitos nasceu Jesus, o Deus encarnado para viver entre nós. Tentei encontrar palavras que fugissem dos clichés de sempre para falar deste menino que cresceu, habitou entre nós e nos trouxe valores de vida preciosos. Deparei-me com um texto do Frei Betto, que, independente de qualquer religião professada, expressa muito bem meus sentimentos com palavras que eu mesma não conseguiria escrever.
Compartilho-as , na esperança de que elas nos toquem e que possamos viver e praticá-las ao longo de nossa vida. :
DECRETOS DE NATAL
Frei Betto
1. Fica decretado que, neste Natal, em vez de dar
presentes, nos faremos presentes junto aos famintos,
carentes e excluídos. Papai Noel será malhado como Judas
e, lacradas as chaminés, abriremos corações e portas à
chegada salvífica do Menino Jesus.
2. Por trazer a muitos mais constrangimentos que
alegrias, fica decretado que o Natal não mais nos
travestirá no que não somos: neste verão escaldante,
arrancaremos da árvore de Natal todos os algodões de
falsas neves; trocaremos nozes e castanhas por frutas
tropicais; renas e trenós por carroças repletas de
alimentos não perecíveis; e se algum Papai Noel sobrar
por aí, que apareça de bermuda e chinelas.
3. Fica decretado que cartas de crianças só as
endereçadas ao Menino Jesus, como a do Lucas, que
escreveu convencido de que Caim e Abel não teriam
brigado se dormissem em quartos separados; propôs ao
Criador ninguém mais nascer nem morrer, e todos nós
vivermos para sempre; e, ao ver o presépio, prometeu
enviar seu agasalho ao filho desnudo de Maria e José.
4. Fica decretado que as crianças, em vez de
brinquedos e bolas, pedirão bênçãos e graças, abrindo
seus corações para destinar aos pobres todo o supérfluo
que entulha armários e gavetas. A sobra de um é a
necessidade de outro, e quem reparte bens partilha Deus.
5. Fica decretado que, pelo menos um dia,
desligaremos toda a parafernália eletrônica, inclusive o
telefone e, recolhidos à solidão, faremos uma viagem ao
interior de nosso espírito, lá onde habita Aquele que,
distinto de nós, funda a nossa verdadeira identidade.
Entregues à meditação, fecharemos os olhos para ver
melhor.
6. Fica decretado que, despidas de pudores, as
famílias farão ao menos um momento de oração, lerão um
texto bíblico, agradecendo ao Pai de Amor o dom da vida,
as alegrias do ano que finda, e até dores que exacerbam
a emoção sem que se possa entender com a razão. Finita,
a vida é um rio que sabe ter o mar como destino, mas
jamais quantas curvas, cachoeiras e pedras haverá de
encontrar em seu percurso.
7. Fica decretado que arrancaremos a espada das
mãos de Herodes e nenhuma criança será mais condenada ao
trabalho precoce, violentada, surrada ou humilhada.
Todas terão direito à ternura e à alegria, à saúde e à
escola, ao pão e à paz, ao sonho e à beleza.
8. Fica decretado que, nos locais de trabalho, as
festas de fim de ano terão o dobro de seus custos
convertido em cestas básicas a famílias carentes. E será
considerado grave pecado abrir uma bebida de valor
superior ao salário mensal do empregado que a serve.
9. Como Deus não tem religião, fica decretado que
nenhum fiel considerará a sua mais perfeita que a do
outro, nem fará rastejar a sua língua, qual serpente
venenosa, nas trilhas da injúria e da perfídia. O Menino
do presépio veio para todos, indistintamente, e não há
como professar o "Pai Nosso" se o pão também não for
nosso, mas privilégio da minoria abastada.
10. Fica decretado que toda dieta se reverterá em
benefício do prato vazio de quem tem fome, e que ninguém
dará ao outro um presente embrulhado em bajulação ou
escusas intenções. O tempo gasto em fazer laços seja
muito inferior ao dedicado a dar abraços.
11. Fica decretado que as mesas de Natal estarão
cobertas de afeto e, dispostos a renascer com o Menino,
trataremos de sepultar iras e invejas, amarguras e
ambições desmedidas, para que o nosso coração seja
acolhedor como a manjedoura de Belém.
12. Fica decretado que, como os reis magos, todos
daremos um voto de confiança à estrela, para que ela
conduza este país a dias melhores. Não buscaremos o
nosso próprio interesse, mas o da maioria, sobretudo dos
que, à semelhança de José e Maria, foram excluídos da
cidade e, como uma família sem-terra, obrigados a ocupar
um pasto, onde brilhou a esperança.
Que neste Natal e em todos os dias do Ano Novo, possamos vivenciar o verdadeiro sentido do amor ao próximo.
O amor que "é paciente, prestativo, que não é invejoso, que não se ostenta, que não se incha de orgulho, que não faz nada de inconveniente, que não procura seu próprio interesse, que não se irrita, que não guarda rancor, que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta".
Beijinhos carinhosos a todo Café Zambeze e família,
Mayra