A justiça belga recusou a proibição da venda do livro "Tintin no Congo", de Hérge, mas o cidadão da República Democrática do Congo, que acusou a obra de racismo, vai recorrer da sentença.
"Vamos levar o caso até onde conseguirmos" disse o advogado de Mbutu Mondondo, citado pela France Press, e que vai apresentar recurso da decisão, anunciada na segunda-feira, na tentativa de conseguir a retirada dos livros do mercado.
De acordo com o tribunal que estava a julgar o caso desde o ano passado, a obra, cuja primeira edição em livro data de 1946, não é "movida por intenções racistas, tendo em conta o contexto da época".
Mbutu Mondondo, da República Democrática do Congo e residente na Bélgica, tenta, desde 2007, que as edições de "Tintin no Congo" sejam retiradas do mercado ou, em alternativa, sejam acompanhadas de um prefácio que explique o contexto político e cultural da altura, tal como acontece, desde 1991, na edição inglesa, onde o livro é colocado nas livrarias nas secções para adultos e não para crianças porque o "conteúdo pode ser ofensivo".
"É uma banda desenhada racista, que faz a apologia da colonização e da superioridade da raça branca sobre a raça negra", afirmou Mondondo, que interpôs o processo em tribunal contra as editoras Casterman e Moulinsart, detentoras dos direitos de autor e comerciais da obra de Hergé. Modondo foi apoiado pelo Conselho dos Representantes das Associações Negras, uma organização com sede na Bélgica.
"Ponham-se no lugar de uma criança negra de sete anos que descobre o 'Tintin no Congo' na escola", disse Mbutu Mondondo, que acrescentou que o álbum de banda desenhada representa a imagem do "negro preguiçoso, dócil ou idiota e incapaz de se exprimir corretamente em françês".
Após a leitura da sentença, o representante das editoras Casterman e Moulinsart, que considerou o processo "um atentado contra a liberdade de imprensa" disse encarar a decisão do tribunal "com grande satisfação".
O advogado das editoras explicou que quando desenhou a obra, Hergé "era um jovem de 23 anos que nunca tinha saído de Bruxelas" e que, sobre a colónia belga em África, não conhecia mais do que os artigos publicados na "imprensa burguesa e conservadora daquele tempo", assim como os relatos dos missionários católicos.
"Era a época da 'revista negra' de Joséphine Baker e da exposição colonial de Paris. Hergé é fruto do seu tempo. A obra é paternalista mas não é racista", afirmou a defesa durante o julgamento que terminou na sexta-feira.
"Tintin no Congo" é a segunda aventura da série, após "Tintin no País dos Sovietes". Foi desenhada inicialmente no final dos anos 1920 e publicada em fascículos no suplemento infantil da revista católica belga "Petit Vingtiéme" em 1930 e 1931, tendo sido editada em livro pela primeira vez em 1946, a preto e branco.
De acordo com Benoit Peteers, que escreveu a biografia "Hergé, filho de Tintin", sobre a vida e a obra do autor de banda desenhada belga, a primeira vez que Tintin foi publicado no estrangeiro foi em Portugal. A aventura "Tintin no Congo" foi publicada na revista católica portuguesa Papagaio, com o título "Tintin em Angola" nos anos 1930.
Hergé chegou a publicar uma nova versão, a cores, da aventura que envolve traficantes de diamantes e caçadores de animais selvagens na antiga colónia belga por "não estar satisfeito" com a história.
De acordo com números fornecidos pelas editoras, "Tintin no Congo" continua a ser um dos livros mais vendidos da coleção, em todo o mundo.
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