Maputo, 05 jun (Lusa) - O escritor moçambicano Mia Couto denunciou hoje um alegado silenciamento dos escritores de Moçambique, um país onde "o lugar que é (reservado) para o escritor e para a escrita é quase sempre um lugar da indiferença".
"Uma coisa que deixa triste os meus colegas da escrita é que, em Moçambique, o lugar que é para o escritor e para a escrita é quase sempre um lugar da indiferença. Não há crítica literária, não há debate, não há vida literária. Isso é agir para uma certa forma de silêncio. Podemos dizer tudo que não tem importância nenhuma", disse Mia Couto.
Hoje, o escritor moçambicano recebeu um prémio literário da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), pela obra "Jesusalém", por contribuir para o enriquecimento da cultura dos países apoiados pela instituição.
O presidente júri do prémio literário AFD, Jean Bernard Véron, declarou que, ao atribuir o 22.° galardão do organismo do governo francês ao escritor moçambicano, os jurados olharam para "a magia da escrita do livro, que é enigmática, por vezes, muito dura, mas que dá vontade de ler".
O romance de Mia Couto conta a história de Silvestre Vitalício, que, abalado pela morte da mulher, se refugia num lugar remoto, a que dá o nome de Jesusalém e onde aguarda a chegada de Deus, para pedir desculpa aos homens.
Mia Couto explicou que "este livro pretende ser uma coisa que todos os livros sonham ser: ter uma identidade única. Ser diverso em cada mão, em cada olhar e cada leitura", incluindo na França, onde foi traduzido com o título "O Afinador do Silêncio".
O escritor moçambicano considerou, por isso, que "este prémio está completamente isento daquilo que podia ser uma atitude de uma certa complacência e atitude de paternalismo com os valores de África".
"Há aqui um olhar atento aos valores do Mundo e uma maneira de perceber que esse Mundo tem coisas para dizer. E que algumas coisas são importantes de escutar", afirmou a propósito do galardão.
No entanto, lembrou que o Mundo está a perder "a diversidade de vozes".
"Hoje, esse Mundo fala só com um sentido único, uma voz única, com um discurso único. Há muito do nosso Mundo que vive ainda em sistemas de ditadura e há uns que vivem em sistema de democracia, mas que vivem numa espécie de pensamento único, discurso único, que não aceitam que aceitam mal, que hajam vozes que são diversas e que têm maneiras diferentes de pensar e de sugerir e sonhar o Mundo", afirmou o biólogo escritor.
"É isto que a literatura, no fundo, quer dizer: é que há esta necessidade absoluta e vital de o Mundo ser contado por diversas histórias. E Moçambique só será uma nação mais rica se souber escutar essas vozes que hoje são remetidas para o silêncio ou para a indiferença", disse.
O prémio literário da AFD está avaliado em cinco mil dólares.
MMT.
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