O Governo pretende apoderar-se ilicitamente de uma parte das pensões de reforma pagas pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) aos respetivos beneficiários. Essa pretensão não tem o mínimo fundamento legal, já que a lei invocada (Lei do Orçamento do Estado para 2012) não se lhe aplica. O que a lei diz, em síntese (artigo 20, n.o 13 e 15 e do artigo 25, n.o 1 e 2), é que as entidades públicas que paguem quaisquer pensões, subvenções ou outras prestações pecuniárias da mesma natureza são obrigadas a comunicar, mensalmente, à Caixa Geral de Aposentações (CGA), os montantes abonados por beneficiário e que os subsídios de férias e de Natal pagos aos aposentados e reformados serão suspensos durante a vigência do acordo com a troika.
Acontece que a CPAS é uma entidade criada em 1947 que é sustentada unicamente pelas contribuições dos seus associados e pelos rendimentos do seu património próprio, nomeadamente das rendas e das aplicações financeiras. Não recebe um cêntimo do Estado (seja do orçamento do Estado, seja do da Segurança Social) e as pensões que paga aos seus beneficiários são construídas pelos próprios ao longo da sua vida profissional, através de descontos que vão desde os 82,45 euros até aos 1.236,75 euros mensais, consoante a livre opção de cada um.
A CPAS nem sequer pode ser equiparada a um fundo de pensões, pois não assenta num regime de capitalização, mas sim de repartição. O sistema da CPAS não permite que cada beneficiário disponha, ao longo da sua carreira contributiva, de uma reserva matemática ou reserva atuarial individual, antes baseia-se numa lógica de contribuições contemporâneas, segundo a qual as contribuições atuais de todos são afetadas ao pagamento de reformas e de outras prestações atuais para todos. O Sistema da CPAS funda-se, pois, num princípio de solidariedade, totalmente alheio aos fundos de pensões. Além disso, é o próprio estado que distingue ambos, pois os fundos de pensões estão isentos de impostos e a CPAS não está. Sublinhe-se que só no ano de 2011 a CPAS pagou mais de 2.581.000 euros de IRC pelos rendimentos das suas aplicações financeiras, nomeadamente juros de depósitos a prazo e de obrigações, enquanto os mesmos rendimentos dos fundos de pensões e do fundo de estabilização da Segurança Social estão totalmente isentos.
Apesar de tudo isso, em janeiro passado, o diretor da CGA (aparentemente cumprindo instruções do secretário de Estado do Orçamento) informou a Direção da CPAS de que a Lei do Orçamento para 2012 se lhe aplicava, facto que constitui um ato predatório absolutamente inadmissível num país que se rege pelas regras do direito. Aliás, é curioso que seja um funcionário administrativo a definir o âmbito de aplicação subjetiva de uma lei da Assembleia da República. Ou seja: pela leitura da própria lei, ninguém viu aquilo que o zeloso funcionário tão diligentemente julga ter vislumbrado.
Por outro lado, não se compreende como é que uma norma cuja epígrafe é «contenção de despesa» (art.o 20º da Lei do OE para 2012) pode aplicar-se a uma entidade com a qual o Estado não gasta um cêntimo sequer. Refira-se que a CPAS não está sujeita a nenhum poder de superintendência nem de orientação de qualquer membro do Governo e que apenas os ministros da Justiça e da Segurança Social detêm um poder de tutela, mas de natureza meramente inspetiva. Por outro lado, a Direção da CPAS é eleita diretamente, pelos seus associados, sem qualquer interferência do Governo ou de qualquer órgão do Estado.
Oque sucede é que, ao contrário de muitos outros sistemas (designadamente os sistemas públicos), a CPAS tem sido bem gerida ao longo dos tempos, ultrapassando sem dificuldades as piores crises financeiras (como a atual e a de 2008). Através de uma gestão criteriosa e prudencial, ela tem conseguido aumentar o seu património pagando sempre as pensões de reforma e outros benefícios aos advogados e aos solicitadores portugueses. Talvez por isso ela constitua, hoje, em Portugal, para este Governo, um mau exemplo que é preciso erradicar. Daí o ato predatório que o Governo pretende levar a cabo.