A nossa vida, desde que nascemos até à morte, é um processo de aprendizagem permanente. As nossas relações, experiências e reflexões encerram conhecimentos que constituem lições de grande utilidade. Muitas vezes o grande problema é racionalizar esses conhecimentos em termos de os fazermos intervir no nosso próprio comportamento, isto é, tirarmos deles os proveitos e vantagens que contêm.
Geralmente, as grandes lições da vida surgem nas adversidades que frequentemente temos de vencer. É aí que, por vezes, nos ultrapassamos a nós próprios e mostramos capacidades que até então desconhecíamos. Mesmo aquilo a que chamamos derrotas encerra quase sempre lições preciosas. Daí que se diga que um revés pode ser transformado num sucesso, precisamente se formos capazes de extrair dele os ensinamentos que contém. O problema é que, muitas vezes, no turbilhão de sentimentos que se lhe sucede, não temos a humildade nem a lucidez para racionalizar esses ensinamentos.
No que me diz respeito, criei, ao longo dos meus 62 anos de existência, um imenso catálogo de ensinamentos que muito úteis me têm sido nas várias dimensões da minha vida e, também, obviamente, nas das pessoas com quem faço esse tipo de partilhas. E se tivesse de dizer, hoje, qual o maior de todos esses ensinamentos, não hesitaria em afirmar que é a capacidade de não odiar, de banirmos o ódio do acervo de motivações que nos determinam no nosso dia a dia. Quem odeia nunca terá paz nem discernimento necessários para atuar de acordo com a razão. Quem odeia nunca dormirá tranquilo e agirá sempre segundo impulsos emocionais que frequentemente o fragilizam perante quem lhe quer mal.
O ódio cega, diz a milenar sabedoria popular, justamente para ilustrar a ausência de lucidez de quem se guia por esse sentimento primário. O ódio gera obsessões que condicionam negativamente todo o nosso comportamento, consomem energias e desviam as atenções para o irrelevante. Quem odeia persegue-se a si próprio. Alguém, a quem num impulso imediato seríamos tentados a odiar, sentir-se-á muito mais ferido ou diminuído se, simplesmente, o desprezarmos. O desprezo é a resposta superior a seres inferiores. O desprezo é próprio das pessoas superiores, enquanto o ódio é próprio das pessoas mais baixas ou de quem não consegue enxergar além de um palmo para lá do próprio nariz. O desprezo liberta-nos e o ódio prende-nos.
A relação do ódio com o desprezo é, na sua singela dicotomia, idêntica à que existe entre o prazer e a felicidade. Assim como quem odeia nunca terá a paz de espírito que lhe permita o desprezo, também quem vive para o (ou pelo) prazer dificilmente atingirá a felicidade. O prazer - e esta é a segunda grande lição da vida - aprisiona-nos, escraviza-nos e conduz-nos, não raramente, a formas terríveis de dependência, enquanto a felicidade só se atinge no exercício pleno da liberdade espiritual. E mais: só um homem livre poderá ser verdadeiramente feliz. Nem todos os homens livres terão felicidade, mas todos os homens genuinamente felizes terão de ser homens livres.
Na sofreguidão alienante das sociedades desenvolvidas, muita gente confunde o prazer com a felicidade, misturando-os inconscientemente. É, porém, relativamente fácil distingui-los, pois o prazer, quando acaba (e nunca dura muito), deixa-nos ressacados e a felicidade, mesmo quando termina abruptamente, não. O prazer acorrenta espiritualmente os seus prisioneiros, e de tal forma que estes, muitas vezes, invocam a liberdade para tentar apresentar a situação em que se encontram como o resultado de uma opção pessoal. É o que acontece, frequentemente, com os viciados.
Por mim, quando vejo alguém invocar as liberdades individuais para justificar a sua dependência (do tabaco, da droga, do álcool, do futebol, da política, da religião, etc.), sinto por ele a mesma tristeza que me provocam os escravos que não querem ser homens livres - justamente, por não terem força nem coragem para dar aquele passo (às vezes bem pequeno) que os libertará do prazer da escravidão em que se encontram. Para esses é sempre mais agradável depender, servir, adorar, bajular do que respirar - a plenos pulmões - a felicidade da liberdade
http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=2748621&opiniao=Ant%F3nio+Marinho+Pinto