Passos Coelho deverá ter assinado ontem a sua certidão de óbito política. Nenhum governo consegue resistir a tanta austeridade
Depois da boa notícia do Banco Central Europeu (BCE) passar a comprar títulos de dívida pública de forma ilimitada, fazendo com que uma luz aparecesse ao fundo do obscuro túnel da crise de euro, Passos Coelho lançou um autêntico balde de água fria sobre os portugueses. Pelos menos, sobre aqueles que trabalharão no sector privado em 2013 e que não percebem a lógica tecnocrática da comunicação do primeiro-ministro.
As consequências políticas, essas, são simples: o governo preferiu fazer cortes salariais na base social de apoio da coligação PSD-CDS a anunciar mais cortes na despesa do Estado. Passos Coelho pode dar as desculpas que quiser, chamem-se elas Tribunal Constitucional ou troika, mas uma coisa é certa: será duramente castigado pelo seu eleitorado. A começar já nas autárquicas de 2013, onde o PS deverá conquistar a maioria das autarquias do país com relativa facilidade.
Mas vamos por partes. O facto de Passos não ter anunciado medidas para este ano, leva a concluir que a troika já decidiu flexibilizar a meta do défice.
Curiosamente, um ano depois de ter resistido à ideia original da troika, o governo acabou por ceder e aplicou a desvalorização fiscal, descendo os custos sobre o trabalho. Percebe-se e apoia-se a ideia: promover a competitividade das empresas portuguesas, aumentar o crescimento do investimento e aumentar as exportações. Tudo coisas boas.
O problema é que o primeiro-ministro não resistiu a reduzir ainda mais os salários dos portugueses. Pode-se argumentar que o corte de cinco pontos na TSU, necessitaria sempre de uma medida equivalente do lado da receita. Mas seria impossível atingir o mesmo objectivo do lado da despesa?
Esse é precisamente o maior pecado de Passos. Ainda não percebeu que a opinião pública tem a percepção de que a austeridade está a ser executada apenas à custa dos trabalhadores.
Passos bem pode dizer que a situação está longe de ser resolvida e que ainda existem perigos. É verdade, por exemplo, que a solução ontem anunciada pelo BCE não vai resolver a crise do euro de forma imediata e absoluta. Mas a austeridade não pode ser aplicada sempre aos mesmos: os contribuintes singulares.
Um dos maiores falhanços políticos deste governo tem sido cortar com eficácia na máquina monstruosa do Estado e nos contratos leoninos das parcerias público-privadas. Enquanto que, no primeiro caso, a redução de organismos ou autarquias, por exemplo, demoram a surtir efeito, já o segundo é um caso paradigmático de falta de resultados visíveis
Veja-se o caso dos contratos PPP. São complexos e difíceis de renegociar, mas não é menos certo que os cortes verificados até hoje apenas incidiram apenas sobre investimentos que deixaram de ser feitos. É essencial, para credibilizar a acção do governo, reduzir as taxas de rendibilidade acima dos 10% que praticamente todas as concessões rodoviárias ex-SCUT beneficiam. É uma espécie de juro anual de 10% a que os bancos e as construtoras têm direito que não faz sentido num contexto de emergência nacional.
Só medidas eficazes sobre a despesa pública poderão reabilitar a relação da coligação com a sua base social de apoio, porque ninguém gosta de pagar a crise sozinho. Ainda irá a tempo?
Na prática, cada trabalhador vai perder o equivalente a mais de um salário líquido no fim do ano.
Para fazer as suas contas,
Pode descarregar AQUI a calculadora.
http://www.ionline.pt/opiniao/principio-fim-nao-da-crise