... E A HIPOCRISIA DESTA VIDA
Que história mais triste.
Antes tivesse optado por fazer uma carreira como jurista, talvez não lhe trouxesse a notoriedade que tanto procurava mas, quiçá, a serenidade para não se sujeitar a tanta vileza.
Que descanse em Paz!
05/10/12, por Lucas Carré
A morte hoje ocorrida da jornalista Margarida Marante, vitima de um ataque cardíaco fulminante, não deixa de suscitar interrogações sobre a hipocrisia desta vida. Traçam-se agora os maiores encómios à actividade passada de Marante, como entrevistadora corajosa desde que começou a carreira aos 20 anos no semanário o ‘Tempo’, e, mais tarde, na RTP, onde se distinguiu nos programas de grande entrevista política, tendo integrado a equipa fundadora da SIC, onde apresentou programas como ‘Sete à Sexta’, ‘Contra Corrente’, ‘Cross Fire’ e ‘Esta Semana’. Mas esquece-se o maior drama da sua vida, que, provavelmente, levou à sua morte precoce!
Fala-se dessa carreira emérita mas esquece-se que o esquecimento a que foi votada por muitos amigos e familiares (houve excepções!) a levou a rumar para os caminhos perigosos do consumo de drogas que arruinaram a sua vida profissional e pessoal. Nem a desintoxicação numa clínica em Navarra, paga pelo seu amigo do Opus Dei, Jardim Gonçalves, a levou a deixar esses caminhos tortuosos, ela que tinha tudo para ser feliz: apresentadora temida em programas de TV, presença habitual nas revistas «cor de rosa» onde surgia ao lado do marido, Emídio Rangel, com amigos influentes – entre os quais, o ex-marido, Henrique Granadeiro, pai dos seus três filhos, homem forte da PT que sempre a acarinhou, mesmo nas horas infelizes - passando por José Sócrates e a ex- namorada deste, Fernanda Cncio, habituais frequentadores de sua casa tendo Fernanda Cncio se tornado testemunha presencial de cenas dramáticas a que foi sujeita.
Inexplicavelmente, ligou-se a Fernando Farinha Simões, um cadastrado com ligações ao Caso Camarate ( que denunciou agora através de uma carta as várias implicações deste crime que continua impune) que dizia ter em seu poder vídeos comprometedores para personalidades influentes do meio social e político, a quem fornecia droga e apanhara em grandes orgias. Os alvos principais foram Margarida Marante e o marido, Emídio Rangel, o jornalista que conhecera quando ainda estava na prisão onde cumpria pena por tráfico agravado de droga e que o convidara a participar, como informador, num programa na forja da SIC sobre o Caso Camarate. Repudiado na sua relação amorosa com a jornalista, depois de se ter envolvido nove meses com ela, resolveu contactar o jornal «O Crime» para se vingar. O «tiro» havia de lhe sair pela «culatra»: antigo colega nos anos oitenta de Marante no semanário «Tempo», o jornalista que Simões contactara reatou o contacto com a antiga apresentadora. E foi ela quem acabou por lhe revelar todo o seu drama, recebendo-o em sua casa com lágrimas nos olhos, aliviada por saber que «o monstro que lhe atormentara a vida estava de novo preso».
Fernando Farinha Simões, que deverá sair muito em breve da prisão, era um cadastrado capaz de se dar bem com Deus e o Diabo. Antigo motorista de Sousa Cintra, foi considerado um «chibo» (informador) nas prisões por onde passou. A sua aparente simpatia e inteligência fizeram com que mantivesse relacionamentos surpreendentes, até junto dos mais altos quadros da PJ, onde gozava o «estatuto» de infiltrado junto do DCIT, o órgão de combate ao narcotráfico. Nos finais dos anos noventa, a passagem pelo estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz tornar-se-ia penosa para este personagem: «Estava sempre a levar estaladas por se chibar», confidenciou um seu antigo companheiro de cárcere. Tony, o ex-namorado de Arlinda Mestre, a concorrente da «1ªCompanhia», um indivíduo que esteve ligado ao grupo de traficantes do colombiano Pablo Escobar, foi um dos que afogou as suas mágoas na cara de Simões. Aliás, esta faceta de denunciante e de «fura-vidas» também se revelou no decurso dos trabalhos da V Comissão de Inquérito Parlamentar ao caso Camarate, quando Fernando Farinha Simões foi à Assembleia da República, conduzido sob escolta, fazer revelações surpreendentes. Sem pejo, FFS denunciou José Esteves, seu antigo companheiro nas redes bombistas do chamado «Verão Quente de 75», como tendo sido o homem que fabricou a bomba que fez cair o Cessna que transportava o então primeiro-ministro. Mais tarde, numa entrevista à revista «Focus», Esteves confessou ter sido um dos autores do atentado, lançando as culpas da autoria moral para as chefias militares, sobressaltadas com a iminência da revelação de comprometedora documentação na posse Adelino Amaro da Costa envolvendo-as nos desvios dos dinheiros do Fundo de Defesa do Ultramar – uma espécie de «saco azul» destinado a financiar acções ilegais, entre as quais, soubemos, a compra de armas para a guerra Irão/Iraque. Foi com o intuito de procurar tirar dividendos desses seus conhecimentos sobre o mistério Camarate, pensando num atenuação da pena, que Fernando Farinha Simões testemunhou na Comissão de Inquérito na Assembleia da República. Ao mesmo tempo, ofereceu os seus préstimos a Artur Albarran e a Barata Feyo (então responsáveis do programa «Grande Reportagem» da SIC e que preparavam um trabalho sobre a morte de Sá Carneiro). Foi desta forma que conheceu o director de informação daquele canal: «O Rangel soube que o Fernando Simões estava a par de muitas informações sobre o que aconteceu em Camarate. Resolveu contratá-lo como informador para um documentário com 12 episódios sobre o caso. Chegava a mandar o motorista da estação de TV buscá-lo num Mercedes a Pinheiro da Cruz quando ele saia nas precárias. E de informador passou a ser seu companheiro mais chegado, acompanhando-o nas noitadas», referiu Margarida Marante. O tal seriado sobre Camarate terá custado uma pequena fortuna a Pinto Balsemão – Margarida fala em 50 mil contos na moeda antiga (250 mil euros actuais) – mas a mini-série nunca foi para o ar e apenas um episódio terá sido produzido.
O relacionamento de FFS com a jornalista iria perdurar muito para além do seu divórcio atribulado com o ex-director da SIC. Marante explicou os motivos pelos quais acedeu relacionar-se intimamente com um indivíduo de passado mais que duvidoso: «Encontrava-me fragilizada depois de anos e anos de um casamento marcado pela violência com o Rangel. Por outro lado, a minha formação católica – sabe, sou do Opus Dei? – levava-me a acreditar na redenção humana. Todo o homem, por mais miserável que seja, deve ter uma segunda oportunidade. Apreciava a forma com ele amava a sua neta. E pus-me a pensar: será que eu devo duvidar de um homem que tem este comportamento tão humano, que me ampara a mim e aos meus filhos, que se mostra tão dedicado para connosco?».
A alma e a carne são frágeis. E Marante, vulnerável, assumiu esse relacionamento que acabou por se tornar demasiado íntimo. Havia também outros interesses em jogo. Atentemos no que escreveu um dos juízes relatores no acórdão da sentença da 2ª Vara Criminal que condenou Fernando Farinha Simões a seis anos e meio de prisão pelos crimes cometidos contra Marante, justificando os motivos pelos quais achava que o arguido deveria também ser penalizado por tráfico de droga: «Foi manifesto das suas declarações que a assistente sempre dependeu de outrem para obter cocaína (primeiro do seu então marido, depois do arguido) não sendo em meu entender liquido que tivesse recursos para procurar outra fonte de abastecimento, antes de deixando entregar às mãos do seu “fornecedor”, pelo menos enquanto o pudesse fazer, como fez, por ter recursos financeiros para tanto».
Fernando Farinha Simões acabou por ser condenado por três crimes de sequestro, dois por coacção grave, três por violação de domicílio, os quais praticou quando a apresentadora pretendeu acabar com a relação que se ia tornando cada vez mais obsessiva. E aí começou o terror:
«Queria mandar em tudo, até na minha conta bancária, nos cartões de crédito, na escolha dos meus amigos…Assumo que foi um erro ter ido para a cama com ele…talvez o tenha feito por me sentir revoltada. Os dias passavam e cada vez me sentia mais angustiada. Queria vê-lo fora de casa, longe dos meus filhos (que deixaram de a frequentar) e ele não me largava. Até que o proibi de ir a minha casa. Mas ele nem assim desarmou: introduzia-se no meu apartamento passando pela varanda de um andar ao lado, depois de ter subornado o porteiro do prédio. Comecei a viver dias e noites de autêntico terror. Por várias vezes, acordava durante a noite, com ele no meu quarto, aos pontapés à cama. Cheguei a barricar-me no meu quarto, mas ele partiu a porta aos pontapés», contou Margarida Marante.
Das «invasões» do domicílio às agressões e ameaças foi um pequeno passo. A antiga apresentadora chegou mesmo a ser intimidada com uma faca que FFS lhe encostou ao rosto, e, numa outra ocasião, como nos revelou a jornalista, o cadastrado introduziu-lhe o cano de uma arma «Glock» no sexo. Na 21ª Esquadra da PSP de Campolide choveram várias queixas de Margarida. Mas as suas súplicas não eram atendidas. «Provavelmente, pensavam que eu não estava boa da cabeça», sublinhou.
O rapto e sequestro para a Figueira da Foz, onde, durante o trajecto, Margarida, contou ela numa carta que enviou a amigos, alertando-os para o seu drama, chegou a ser a amarrada a uma árvore enquanto FFS lhe encostava uma arma à cabeça, poderá ter «sensibilizado», de forma definitiva, a Polícia a agir. As brigadas Anti-Crime da PSP e a DCCB da PJ entraram em campo e foi emitido um mandado de detenção contra o ex-presidiário. Este acabou por ser detido em Cascais, mas, aproveitando uma ida à consulta no Hospital de São José, acabou por se evadir.
Foi durante este interregno que Fernando Farinha Simões contactou «o Crime» para um encontro num café nas proximidades do jornal, dizendo estar na posse de provas comprometedoras para Margarida Marante e Emídio Rangel. Mas o único documento que acabou por exibir foi, precisamente, o mandado de detenção emitido por um juiz do TIC para ser conduzido sob custódia no mbito de uma queixa apresentada pela jornalista.
Nos dias seguintes, FFS deixou de dar notícias. Havia uma explicação para o facto: é que fora detido na noite de 28 de Janeiro de 2006, à porta do prédio onde reside Margarida Marante, quando se aprestava, uma vez mais, para invadir o seu domicílio.
Mais tarde, Margarida Marante haveria confessar os motivos que a levaram a tornar públicos estes factos (que criaram muitos «estilhaços» nos meios onde se movimentam as nossas vedetas das TV, entre as quais, o consumo de droga era assunto sigiloso) uma atitude pouco comum nas figuras em destaque nos vários quadrantes da sociedade. «Foi por causa das chantagens que! o Farinha Simões me fez, ameaçando incriminar amigos próximos, alguns deles bastante influentes na sociedade portuguesa, ameaças que iam desde o fornecimento de droga, a suspeitas sobre a sexualidade. Por outro lado, quis expiar os meus pecados. Quero voltar à vida». Um propósito que está a ser difícil de concretizar: a jornalista nunca mais foi estrela nos ecrãs da TV. Morreu agora, triste e só, esquecida pelo grande público, longe dos holofotes da fama que ela tanto ansiava voltar a recuperar. Era de facto uma grande jornalista mas escolheu mal as suas companhias que arruinaram a sua vida.
Paz à sua alma!
***********
Foi retirado, com a devida vénia, do blogue "CRIME, digo eu"
Recebi do meu amigo Antonio Ventura .