Mwene Mutapa ou MonomotapaDurante
a Idade Média africana floresceram importantes reinos: um deles foi o
império de Monomotapa, formado pelos predecessores da atual comunidade
shona assentada no Zimbábue e em Moçambique.
Uma longa história descreve como se fundou o reino com centro na
cidade do Grande Zimbábue e cujo máximo esplendor ocorreu em torno de
1440 sobre a base da atividade comercial, fundamentalmente pela troca de
ouro por mercadorias procedentes do Oriente.
A linha dinástica do império começou com os Gokomere, que se presume
sejam os ancestrais da atual comunidade Shona zimbabuense, que lograram
avançar nas esferas de governança, estabelecimento de alianças
políticas, governabilidade imperial e no engrandecimento de sua base
econômica.
A autoridade
Monomotapa não se considera um nome próprio, é a identificação
adotada pelo grande soberano acima de seus súditos, incluindo reis e
servidores públicos de alta patente, cuja distinção sublinha o caráter
centralizado estabelecido na estrutura do poder.
Segundo estudos, a sucessão à frente do Estado realizava-se pela
eleição realizada por um conjunto de assessores e chefes aliados, no
caso de falecimento ou deposição do chefe máximo. Essa seleção
realizava-se com a guia de um ou mais chefes espirituais, que
interpretavam os sinais enviados pelos espíritos ancestrais da
comunidade.
Esclarece-o a inexistência de um continuísmo autocrata ou ao menos que este se tratava de evadir.
Isso, no entanto, abre uma interrogação sobre a capacidade de comando
do monarca num contexto considerado de governo absoluto: o chefe
estaria fora de qualquer fixação no exercício do poder ou estaria
limitado por algum tipo de regulação?
Responder a essa pergunta é enfrentar o dilema da relação entre o
líder e o grupo. Neste caso, se enlaçaria com o reconhecimento pela
comunidade das qualidades de guia quem chegasse a esse status por seu
expediente de virtudes ou subjugando e reprimindo os que se lhe
opusessem, fosse um indivíduo ou uma etnia.
A grandeza do grupo cultural Zambezi-Limpopo expressa-se em
monumentos arquitetônicos: nesse espaço, "floresceram as sociedades cujo
traço mais distintivo foi a construção de grandes palácios de pedras
lavradas conhecidas pelo Zimbábue", sublinhou Walter Rodney.
Este desaparecido intelectual guianês admitia que os trabalhadores
dessas magníficas obras poderiam "ter procedido de grupos étnicos
particulares subjugados por outros grupos étnicos; mas no processo de
submissão provavelmente adquiriram o caráter de classe social, cujo
trabalho se explorava".
A economia
O comércio constituía um elemento vital para a sobrevivência do
império, cujas exportações chegavam ao porto de Sofala e daí se
transportava ao sul do delta do rio Zambezi, onde os comerciantes árabes
trocavam o ouro por tecidos. Naquele tempo, os portugueses não tinham
possibilidades de monopolizar essas transações.
A presença lusa na região nos séculos XV e XVI está relacionada ao
estabelecimento de fábricas, uma sorte de pontos de abastecimento de
seus barcos nas rotas para o oriente. Não obstante, em 1505, os
portugueses pressionaram para sufocar o Estado de Monomotapa, mas
fracassaram.
Quanto ao desenvolvimento socioeconômico do reino, este decorria num
ambiente de mudança estrutural na zona, que se estendia entre os rios
Zambezi e Limpopo, e era habitada por povos que empregavam o ferro e
formavam núcleos populacionais considerados estados, cuja organização e
desenvolvimento se inscrevem a partir do ano 1000.
Segundo o estudioso Walter Rodney em Como Europa subdesenvolveu a África, a construção do império de Monomotapa no século XV foi um salto qualitativo na organização dos grupos humanos lá residentes.
Assim pode ser compreendido que no período apareceu nessa área uma
forma muito organizada de vida - tanto material como intelectual - que
chegou a ser monumental e a mostra disso é sua arquitetura expressa no
Grande Zimbábue.
A sociedade
Até agora só se avaliam alguns aspectos concretos do processo de
formação e desenvolvimento do império, mas é preciso apontar a
importncia do corpo ideológico que o sustentou no qual se destacam
componentes tais como as crenças religiosas e a aceitação pela
comunidade de uma história (mítica ou não) de procedência comum.
Com respeito às confissões, suas práticas rememoravam às raízes
bantu, referidas a seres mágicos que interatuam com a natureza,
concentram traços inerentes a heróis idílicos ou que com seu andar
propõem a possibilidade de sê-lo, mas sempre vinculado com o meio, seja a
pradaria, a chuva, o rio, os trovões, a maternidade e outros.
O anterior supõe uma liturgia pouco complicada em relação a outras
que posteriormente se encaixaram com essas formas primárias de crenças e
de tributar agradecimento às possibilidades de subsistência que lhe
concede a natureza, junto com as relações humanas. Recordemos que bantu é
sinônimo de coletivo e de unidade também no espiritual.
Convivência não significava igualdade social, pois o império de
Monomotapa possuía uma estrutura sócio-classista semelhante ao da
formação socioeconômica feudal, segundo a caracterização de modelos ao
uso europeu: ainda que com suas peculiaridades, o reino tinha um desenho
teocrático centralizado, com uma linha de sucessão só para a elite.
Sendo um povo de mineiros e trabalhadores dos metais de um lado e de
agricultores do outro, essa divisão do trabalho criou diferenças
sociais, enquanto os dois primeiros grupos faziam parte diretamente da
estrutura social do império e suas modificações, os camponeses se
arraigavam a suas tradições tribais.
A organização da sociedade definia-se por existir uma vida citadina
para os ricos e poderosos, onde vemos a existência do senhor máximo, de
militares que eram ao mesmo tempo servidores públicos do rei, dos
artesãos que trabalhavam o ouro ou o ferro e o cobre nas forjas e nos
fornos do máximo senhor, segundo o pesquisador Mateus Mantoan.
Declive e extinção
O império de Monomotapa começou a marcar-se pelas disputas entre as
facções rivais, e o ouro dos rios, bem como o esgotamento das jazidas de
outros minerais que controlava. Esses aspectos anularam todo o
esplendor do reino e destroçaram seu nível de protagonismos nos eventos
que lhe sucederiam na África subsaariana.
Seu comércio, tão desenvolvido até um momento, foi deslocado pelo
tráfico de escravos, um dos elementos em seu declínio, e resultou um
fator negativo no fomento para a chegada das novas gerações de
africanos.
Naquele momento, os Estados árabes do Zanzibar e Kilwa tornaram-se
proeminentes potências de provisão de escravos para a Arábia, Pérsia e
Índia , segundo o historiador francês Fernand Braudel.
Já em 1514 Antonio Fernández e em 1561 Antonio Caido residiam na
corte de Monomotapa que também recebeu o missionário português Da
Silveira, quem batizou o senhor máximo, mas que morreu assassinado pelos
conselheiros muçulmanos do soberano, aponta o artigo A Implantação em Monomotapa, na série sobre a Implantação Europeia na África (ver em http://blogs.ua.es).
A aproximação aos interesses lusos conduziu a que o império fosse
finalmente conquistado em 1629 pelos portugueses, e ainda que nunca
tenha retomado seu esplendor, remanescentes do governo estabeleceram
outro reino em Moçambique, também chamado Kananga, cujos reis foram os
Mambos e governaram na região até 1902.
Julio Morejón é jornalista da Redação África e Oriente Médio de Prensa Latina
http://www.socialismo.org.br/portal/historia/149-artigo/2551-a-grandeza-do-imperio-de-monomotapa
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