Um Novo Paradigma de Sobrevivência
Estivemos examinando alguns motivos para não se acreditar na vida após a morte. Porém, até mesmo os que acreditam podem estar motivados a não examinar essa questão com olhos excessivamente críticos. Em ambos os casos, chocamo-nos com obstáculos para chegar à verdade sobre uma vida após a morte.
Pretendo agora me voltar para algumas observações construtivas sobre o problema da pesquisa sobre a sobrevivência. Proponho olharmos para a questão do "pós vida" a partir de uma perspectiva evolucionista. A suposição convencional é a de que ou sobrevivemos ou não sobrevivemos depois da morte. Entretanto, quando somos evolucionistas — e é difícil negar a perspectiva evolucionista geral — admitimos que a vida e a consciência humana emergiram no devido tempo. Segue-se daí que o fato de uma vida depois da morte também deve ter emergido no passado ou deve estar emergindo atualmente. Minha sugestão é a de que as condições para uma "vida após a morte" talvez estejam em processo de emergir.
Essa hipótese teria a vantagem de fazer com que tivessem mais sentido a ambiguidade e o fato de serem incompletas as evidências; esta incompletude das evidências apenas refletiria a evolução, ainda incompleta, dos mecanismos da vida depois da morte.
Será que estamos, de fato, apenas começando a desenvolver os "órgãos" da imortalidade? Ainda não conhecemos as implicações evolutivas de coisas tais como arrebatamentos mediúnicos, visões na quase-morte, viagens fora-do-corpo, percepções anômalas do tempo, aparições, poltergeists, milagres de santos e de avatares e tantas outras coisas. Esses fenômenos talvez constituam apenas o início de uma imensa evolução da mente da espécie. Podemos abrir os horizontes de nosso pensamento lembrando-nos de que habitamos um universo em evolução, e de que nós mesmos somos singularidades evolutivas. Os historiadores da ciência chegaram a reconhecer a crucial importncia das anomalias na evolução da própria ciência. Deveríamos, pois, considerar a possibilidade de que as anomalias no comportamento humano poderiam ser fundamentais para a evolução da espécie humana.
O animal humano constitui um enigma para si mesmo. Para poder avaliar o mbito potencial de nosso ser e de nossa função, precisamos reunir todas as evidências que pudermos encontrar. Nossa costumeira visão "consensual" da realidade é uma construção humana, uma mera seleção de dados, uma simples disposição de ideias numa lente conceitual através de onde olhamos para o mundo e para nós mesmos. Mas sempre podemos selecionar novos dados, recompor nossas ideias, reajustar nossa lente conceitual para fazer uma revisão da realidade humana. Se estivermos dispostos a tanto, a pesquisa parapsicológica nos fornecerá dados de grande interesse.
Aqueles que, por assim dizer, seriam os construtores de um novo paradigma da morte podem encontrar toda uma variedade de anomalias psíquicas relacionadas com a morte, desde os deslocamentos telecinéticos de objetos materiais no momento da morte até visões transcendentais no leito de morte. Há um certo número de coisas enigmáticas com relação à morte, porém a maioria dos cientistas as varre para debaixo do tapete. Como já observamos, a ciência materialista não se sente à vontade diante de estranheza da morte, e a pesquisa da sobrevivência é um ramo negligenciado do estudo, até mesmo entre os modernos parapsicólogos. A meu ver, precisamos de uma nova abordagem, de um novo paradigma para a sobrevivência. Talvez me seja possível deixar isto um pouco mais claro se eu disser alguma coisa sobre três tipos de pesquisa sobre a vida após a morte. O novo paradigma, em minha opinião, precisa combinar essas três abordagens.
Para começar, temos o modelo das pesquisas sobre a sobrevivência baseado no estudo dos indícios. Nesse modelo, as lembranças de reencarnações, as aparições, as experiências fora-do-corpo, as mensagens mediúnicas, os fenômenos vocais captados por via eletrônica, as fotografias espíritas, etc, permitem-nos captar um indício de um ser humano falecido. A partir desses indícios, somos levados a crer, por exemplo, que nosso falecido tio Otávio ainda é um sujeito consciente de experiências, em algum lugar, de alguma maneira.
No entanto, o modelo dos indícios se defronta com alguns problemas. Por exemplo, de onde vêm os indícios? Será que provêm, realmente, da pessoa morta ou, como sugeriram alguns pesquisadores, de algum espectro psimediado, e manipulado por uma mente subliminal extremamente astuciosa e capaz de se iludir a si mesma? O modelo dos indícios é fascinante mas, até agora, mostrou-se inconclusivo. Contém, indiscutivelmente, material o bastante para garantir novas investigações. Eu próprio estive às voltas com algumas entidades fantasmagóricas e respeito sua enigmática natureza.
Uma abordagem mais direta da pesquisa sobre a sobrevivência pode ser denominada abordagem específica de estado. A experiência de quase-morte é um exemplo perfeito. Temos aí um certo tipo de experiência extraordinária que nos permite sentir que sabemos alguma coisa. (Por enquanto, classifique-se como epistemologia do "conhecimento" específico de estado.) O importante é que a pessoa fica subjetivamente convencida da realidade de uma vida após a morte. Essas experiências podem nos transformar completamente, por vezes de maneira interessante. Podemos dar a esse modelo o nome de modelo "gnóstico". A gnose do post mortem tanto pode vir através das experiências de quase-morte como através de outras experiências transformadoras: meditação profunda, êxtase em intercursos sexuais, encontros com OVNIs, grandes sonhos (no sentido xamnico), drogas psicotrópicas, danças de transe, aparições coletivas, channeling, e assim por diante.
Em si mesmo, porém, o modelo gnóstico ou específico de estado não é suficiente. Precisa ser suplementado pelo modelo dos indícios. Para evitar enganos e inflação psíquica, nosso "conhecimento" específico de estado precisa fundamentar-se no domínio dos fatos objetivos. No entanto, nem o modelo dos indícios nem o específico de estado são, por si mesmos, suficientes. Também precisam ser suplementados por uma terceira abordagem, que denominarei modelo da ressurreição.
De acordo com esse modelo, o corpo humano vivo e ordinário é potencialmente capaz de se transformar num corpo espiritual de um tipo superior. Aqui, a hipótese proposta é a de que nossos corpos foram planejados com muitas potencialidades ocultas para transmutação. A tradição cristã, evidentemente, encara essa transmutação em termos religiosos. Mas, na medida em que enfatiza o potencial de mutação, o modelo da ressurreição é também um modelo evolutivo. Aqui, a religião prenuncia a ciência evolutiva.
Quais são as evidências para essa abordagem? Para os cristãos, é a ressurreição de Jesus. Jesus havia, de fato, predito que as pessoas o seguiriam e praticariam feitos ainda mais grandiosos. Em seu lugar viria um Consolador — um Espírito com o Poder de Curar. E Jesus estava certo quanto aos prodígios que viriam. Os anais da Igreja Católica contêm uma quantidade impressionante de documentos sobre exóticas maravilhas do potencial humano. Os dados católicos referentes aos milagres constituem evidências do modelo da ressurreição. Dizem-nos alguma coisa sobre a possível evolução da espécie humana. Têm sido documentados casos de levitação, estigmas, curas, materializações, não-corrupção do corpo, capacidade de viver sem se alimentar, e outros fenômenos extraordinários.
Por que esses fenômenos são importantes para a pesquisa sobre a sobrevivência? Em primeiro lugar, eles demonstram a existência de funções que parecem atuar independentemente das conhecidas leis da física. Eles indicam a existência de uma física diferente, uma física do espírito criativo. Os dados sobre os milagres constituem evidências de "ressurreições" parciais e transitórias, de uma drástica elevação de funções corporais humanas.
Como foi mencionado, o novo paradigma da sobrevivência proposto por mim utilizaria os três modelos: o dos indícios, o específico de estado e o da ressurreição. Todos os três têm algo para oferecer e são todos necessários para se completar uns aos outros.
O modelo dos indícios nos colocou diante de um grande número de fatos enigmáticos cujo principal efeito é nos deixar perplexos ao nos introduzir na percepção de novas possibilidades. O estudo desses indícios fugidios de pessoas mortas tem o mérito de nos abrir a mente para possibilidades de vida que jamais seríamos capazes de imaginar se não tivéssemos entrado em contato com os dados em questão. Eles nos oferecem uma vantagem teórica diante daqueles que não acreditam.
No entanto, a teoria não basta. Como seres humanos, precisamos sentir as nossas verdades, tanto quanto pensá-las. O modelo específico de estado para a pesquisa sobre a sobrevivência é um caminho para a dimensão subjetiva da verdade. (Alguns filósofos negam que exista uma "verdade subjetiva"; mas isto supõe apenas um conceito muito restrito de verdade).
A meu ver, podemos nos considerar afortunados se passamos por uma experiência que desperta em nós uma sensação visceral da vida depois da morte. Uma viagem fora-do-corpo vivenciada na iminência da morte, uma abdução que nos leva através de estranhas dimensões, uma visão de uma deusa luminosa ou um encontro com homens misteriosos vestidos de negro — essas experiências podem estar nos transmitindo alguma coisa a respeito da vida após a morte. Em todo caso, a região post-mortem deve envolver e, em certos pontos, cruzar com esta vida presente. Certos tipos de experiência podem ser, de fato, janelas para o "outro mundo" da pós vida.
à medida que forem compartilhando suas experiências do "outro mundo", as pessoas irão constituindo um novo consenso. E, por sua vez, a criação desse novo consenso terá implicações para a evolução. Pois se uma necessidade se aglutina numa dinmica de grupo, se um novo "campo morfogenético" de intenções se solidifica, é possível que alguns hábitos ou leis da natureza se "rompam" ou se transformem, tornando assim possíveis novas formas de vida. Se um novo consenso de pessoas dotadas de crença específica de estado admitirem a realidade de uma vida depois da morte, a natureza pode se modificar e criar uma nova forma de vida depois da morte.
Entretanto, a abordagem específica de estado para a sobrevivência apenas nos oferece verdades subjetivas. Mas a verdade tem muitas facetas. Verum et factum convertuntur é a fórmula de Vico para a verdade histórica ou evolutiva: o que é verdadeiro e o que fazemos com que seja verdadeiro são uma única e mesma coisa. Um modelo viquiano de verdade nos permite olhar para a questão da vida após a morte de uma nova maneira. De acordo com esse modelo, para que a vida depois da morte seja uma verdade, teremos de fazer dela uma verdade. Trata-se de um antigo modelo de verdade — de verdade criativa — diferente do tipo preposicional de verdade, que se limita a espelhar os fatos. Para Vico, a verdade é sempre aquilo que fazemos com que ela seja.
É aqui que entra o modelo da ressurreição. Nesse modelo, a "vida depois da morte", ou "próxima vida", refere-se a certos potenciais criativos extremos, latentes na vida presente. O que se enfatiza não é a imortalidade da alma, mas a ressurreição, a transformação do corpo. Trata-se de uma teoria prática, de uma teoria experimental da vida depois da morte. O "pós vida" toma-se, aqui, parte do potencial evolutivo da vida presente, e a única maneira de saber que ela é verdadeira é torná-la verdadeira.
Mas como? Uma das maneiras consiste em transcender os limites básicos da existência corporal. Os fenômenos dos santos — levitação, hipertermia, materialização, bilocação, e outros semelhantes — transcendem os limites básicos da função corporal; e, ao fazê-lo, eles apontam para possíveis formas de função na humanidade futura.
Por conseguinte, de acordo com esse terceiro modelo de pesquisa sobre a sobrevivência, o mundo corporificado toma-se o novo campo de estudos da "pós vida". É aqui sobre a terra que vemos os primeiros sinais da "vida futura". Os mais espetaculares são as anomalias psicofísicas a que damos o nome de "milagres". Quando José de Copertino levita, ou o Padre Pio produz estigmas, ou Teresa Neumann deixa de ingerir alimentos e água (assim como de eliminá-los) durante trinta e cinco anos, presenciamos a transmutação da existência material em formas que se vão assemelhando cada vez mais a uma vida espiritual post-mortem. O corpo de Copertino é literalmente atraído para cima, em direção ao céu. A matéria está se tomando, pouco a pouco, transparente às aspirações do espírito.
Mas este é apenas o primeiro passo no modelo da ressurreição — a moldagem da forma exterior. Há muitos passos pela frente. A ressurreição de uma pessoa toda — a de Jesus em Cristo — é o nosso arquétipo. Como disse Jung, Cristo é o arquétipo da individuação. A revelação junguiana é a de que não existe cristianismo. Existe apenas a luta única e irrepetível de cada indivíduo para encarnar a imagem de Deus.
Esse terceiro caminho para a pesquisa sobre a sobrevivência tem, portanto, a ver com o processo de se tornar um indivíduo. A "ressurreição" e a transformação concretas de cada indivíduo sobre a terra é parte do experimento. Cada vida salva, libertada, aperfeiçoada, contribui para a construção da nova terra e do novo céu. É aqui, na libertação e na transformação da existência terrena que fica provada a "vida depois da morte" — mas "provada" no sentido italiano de provar e "experimentar".
Permitam-me expressar meu ponto de vista da maneira mais contundente possível: a melhor maneira de "provar" a vida depois da morte é trazer o paraíso para a terra. Por um motivo: isto ajudaria a justificar nosso anseio por uma pós-vida. C. D. Broad tinha uma certa razão: precisamos ter a certeza de que as coisas vão melhorar. O remédio para o pessimismo de Broad é saborear o paraíso sobre a terra.
O primeiro passo rumo à criação do paraíso sobre a terra seria o de curar a ecologia do planeta. A palavra paraíso é de origem persa: significa "jardim". Quando começarmos a transformar o planeta num jardim — em paraíso — estaremos começando a materializar a "vida depois da morte". Quando restaurarmos a beleza do planeta e libertarmos o esplendor das formas de vida individuais, estaremos nos encaminhando para a superação do dualismo de céu e terra, eternidade e tempo, divino e humano. De qualquer maneira, deveríamos nos empenhar em criar o paraíso sobre a terra para compensar todos os infernos que já produzimos. É estranho: nossa diabólica genialidade para criar dor e feiúra desnecessárias sobre a terra nos proporcionou fundamentos para a esperança no modo da ressurreição. Pois essas mesmas energias extremas de destruição podem ser, em princípio, utilizadas para se criar um paraíso sobre a terra. Restaurar o paraíso sobre a terra exige uma revolução curativa. Nossas noções de Deus, verdade, valor, trabalho, poder e relações humanas terão de ser viradas de cabeça para baixo e de dentro para fora.
Será que existe uma vida depois da morte? Tentemos transformar isso em verdade criando o paraíso agora.