VOO DOS GANSOS É interessante observarmos como algumas pessoas são fortes, no que diz respeito a compreenderem e serem resignadas perante suas condições de vida. Como ainda conseguem sorrir? – nos perguntamos, referindo-nos àqueles que perdem tudo o que têm, vitimados pelos desastres naturais como as enchentes, os terremotos, os incêndios. às vezes, nos imaginamos em seus lugares e exclamamos: Acredito que eu não suportaria tudo isso, sem me revoltar contra Deus, contra tudo. Quando acompanhamos as histórias dessas pessoas na mídia, observamos seu olhar, e lá encontramos tristeza, desapontamento, é certo. Mas, se observarmos bem, descobriremos uma força gigantesca, incompreensível quase, que as fará acordar, no dia seguinte, dispostas a reconstruir tudo, a conquistar tudo, outra vez, com o fruto do trabalho, com a mesma disposição de sempre. De onde vem essa força? De onde vem essa vontade de continuar vivendo e lutando? A respeito, escreveu um escritor americano: Ontem, observei uma enorme revoada de gansos batendo asas em direção ao sul, com um pôr do sol panormico, que coloria todo o céu, durante alguns momentos. Eu os observava, enquanto me apoiava contra a estátua do leão em frente ao Instituto de Artes de Chicago, onde estava olhando as pessoas que faziam compras, andando apressadas pela Avenida Michigan. Quando baixei o olhar, percebi que uma mendiga, parada a alguns metros de distncia, também estivera observando os gansos. Nossos olhos se encontraram e sorrimos, reconhecendo, silenciosamente, o fato de que havíamos partilhado uma visão magnífica, um símbolo do misterioso esforço de sobrevivência. Ouvi a senhora falar para si mesma, enquanto se afastava desajeitadamente: “Deus me estraga com mimos.” Será que a senhora estaria brincando? Não. Acredito que a visão dos gansos tenha quebrado, mesmo que por um breve momento, a dura realidade de sua própria luta. Percebi, mais tarde, que momentos como aquele a mantinham viva. Era a forma através da qual ela sobrevivia à indignidade das ruas. Seu sorriso era real. A visão dos gansos era um presente. Era a prova de que Deus existia, de que estava lá. Era tudo o que ela precisava. O autor termina a breve passagem com a frase: Eu a invejo.
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