É CEDO AINDA... Marilena Soneghet
Nas contas de cristal a idade não conta; conta o cristal, lúcido, translúcido, irisado de cores espargindo luz. Assim é viver: o tempo não conta conta renascer - como a aurora - que nasce menina em cada novo dia ou como flor que se desfolha e - húmus de si mesma - refloresce em silêncio e se recria resistindo ao doce encanto de abandonar-se às águas. É cedo ainda, amada vida. As espigas douram o sol, as ramas dançam embalando ninhos e toda cantiga é solidão de pássaros e todo vácuo é solidão amiga e todo sonho é irmão do vento que se faz nuvem pra deitar no céu. Violinos no cio zumbem nos quintais. É cedo ainda! Tinha-se pressa no tempo das cirandas.; hoje, no glissar das lembranças rumorejam lentas as asas do tempo e pousam em meus cabelos onde o luar implantou fios de prata. Fizeram-se pó as pedras do caminho e a ternura simples de nosso cada dia é claridade. Fiandeira do tempo, a hora se inclina sobre o fuso. No sumo das horas cada minuto é sol reinventado - novo como o primeiro sol da primeira manhã que vem descalça e úmida de orvalho e nada sabe sobre o anoitecer.
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