É…Uma questão de semntica!
Semntica é o estudo da evolução do sentido das palavras através do tempo e do espaço.
George Orwell, o escritor inglês que nos deu alguma das obras que melhor iluminaram o ambiente dos difíceis anos que duraram da Depressão à Queda do Muro de Berlim, entre elas a terrível sátira, com o título “1984”. Águas políticas passadas, talvez. A União Soviética, a ex-formidável Pátria do Socialismo, não existe mais, esfarelada em repúblicas conflituosas.
Para felicidade do gênero humano não se realizaram as sombrias previsões orwellianas de “1984” – uma sociedade hipertotalitária, metida em guerras intermináveis, impondo ao povo um brutal controle de pensamento e da expressão – o “novopensar” e a “duplafala”. A televisão não se tornou um instrumento de massificação ideológica, sendo ao contrário um instrumento de denúncia, que dificulta o ocultamento de selvagerias ditatoriais – em tese, são esses os pensamentos dos otimistas.
As previsões de Orwell não se realizaram ao pé da letra. Mas acreditamos que, os verdadeiros escritores têm o dom de entrever formas da realidade que escapam facilmente aos olhos da multidão. Porque alguma coisa do “novopensar” e do “duplofalar” se encontra em nosso quotidiano. Raramente as mensagens que a humanidade troca entre si são meramente descritiva. Em geral, atingem-nos mais pelas associações de idéias e sentidos. Se assim não fosse, não haveria poesia, nem literatura, nem mesmo prece, sem adjetivos, metáforas e todas as ilimitadas teia de ligações que vão se estabelecendo entre as palavras, ao longo do tempo.
Quanta inocência!
É aqui que mora o perigo, pois, o que faz prece e poesia pode fazer também intriga e malefício. Questão de interesse e de dose. Ou uma questão de semntica? Não há muito, uma grande empresa instalada na cidade mais industrializada do nosso país, projetava demitir um grande número de operários, um seu representante veio a público e tentando justificar, fez uso, consciente ou não da “duplafala”: “não caracterizamos isto como dispensa de pessoal, estamos gerenciando nossos recursos administrativos”.
Tornou-se uma matéria.
Há consultores que trabalham especialmente no ramo de mandar gente embora, e apresentam seus serviços como “consultoria para terminação e colocação externa”, ou “engenharia de reemprego”. Também recente, os advogados do famoso jogador de futebol americano, O. J. Simpson, o tal que teria matado a mulher (em quem dava surras) e o amante dela – todos assistimos pela televisão –, pintaram essa relação como mera “discórdia marital”.
As escolas de educação física, estão querendo chamar-se de “departamento de biodinmica humana”. Exemplos inesgotáveis, alguns engraçados, outros ridículos. Mas embaçam a percepção da realidade. Diariamente assistimos em nossas televisões, os noticiários: morreram pelo menos 10 pessoas, pelos menos 20 ficaram soterradas, etc.etc. Morreram cinco, causando um transtorno no trnsito com paralisação de mais de 10 quilômetros, naturalmente, muito mais ênfase para o trnsito do que para as pessoas mortas.
Só as desgraças se tornam notícias.
Uma ilustração recente tem pegado por aí muita gente distraída. Temos ouvido muita a expressão “excluída”, para designar grupos de pessoas de baixa renda, ou supostamente marginalizada. Há palavras apropriadas para as situações concretas: “pobres”, “analfabetos”, “doentes”, "desempregados”, "drogados, não assistidos pelos governos”, por exemplo, designam situações, em que determinadas pessoas objetivamente se encontram num dado momento.
No resto da sociedade – mais uma vez o otimismo –, espíritos decentes certamente sentirão um dever de solidariedade, e sem dúvida pensarão no que possa ser feito para mudar esse estado de coisas. A exclusão, no entanto, supõe uma ação deliberada contra o excluído, no caso, essa gente pobre, desempregada etc. Portanto, subentende que alguém impeça à força que ela tenha acesso a bens que todos desejam – o que é uma realidade, haja vista, quando como agora, está se discutindo o famigerado salário mínimo.
O “excludente” passa a ser indiciado como “culpado” por essa situação penosa. Teríamos muito para relacionar, porém, sabemos que as culpas não são assumidas pela chamada “duplafala”, e sim, camufladas por ela. Se usássemos as palavras sem deformar a mensagem, talvez fosse parte da solução.
Autor: Jota Há
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“Pobre de espírito é, sem dúvida, aquele que não consegue imaginar pelo menos duas maneiras de interpretar qualquer palavra.“
Andrew Jackson