Mesmo quem nada percebe de música, como eu, tem a noção do que ela é, do que ela significa, do que ela vale, quando nos deixamos invadir por ela e dentro dela – libertos – nos soltamos.
Penso sempre, que, mesmo quando não sei as palavras que, como uma reza, eu poria dentro dos seus sons, penso sempre, que toda a música é oração, mesmo quando fala de revolta.
Por estar bravo, encapelado que seja, o mar não deixa de ser mar.
E, mesmo quando afoga, ainda e sempre, é água.
Não me perguntem o que quero dizer com esta conversa, porque não saberia dizer.
Sei que estou a ouvir música, sei que está a chover, sei que tenho a lareira acesa. Sei que é reconfortante estar em casa com tempo assim e olhar pelas vidraças e ver o “mundo” molhado lá fora.
E, sei que a música tem o condão de criar como que um mundo envolvente para nós - um mundo diferente para cada um de nós - dentro do mundo imenso onde cabem reunidos, os mundos de todos nós juntos.
Em dias de chuva, Chopin, é mais ele.
É , absolutamente, ele.
Sei que é assim porque nestes dias, nestas horas ele pega na nossa sensibilidade, no nosso coração, nas nossas almas e eleva-as até ao infinito de nós mesmos. Até à fusão com a essência da música, até lá onde o que se pensa, o que se sente, o que se julga ser, se desfaz como bolas de sabão deixando apenas um resíduo de água,
Fugaz como uma lágrima.
Um vestígio, uma vaga lembrança da beleza entrevista e impossível de capturar.
A flor atrai porque é bela.
A infância deslumbra porque é inocente e pura
A música cativa e apaixona porque da flor é o perfume e da pureza e inocência – é a voz.
A música é a fala da Vida.
É a prova de que para todo o mal há esperança e espaço para redenção.
Porque de tudo a música fala.
“Quasimodo” era horrendo fisicamente.
O amor o sublimou.
Contado em música só poderia ser belo.
Porque a música é o extracto, o mistério, o segredo, a centelha de infinito de cada ser.
Nestes dias, em que a música nos faz mergulhar dentro do mistério incontido da dimensão divina de ser gente, parece que o cinzento do céu acontece para que brilhe melhor a clarividência de o reconhecermos.
O piano emudeceu.
Sem a alma nas mãos de Maria João Pires, ficou apenas, o que é – um instrumento musical. Um móvel.
E, a tarde – sem a música – ficou aquele entreacto – hoje chuvoso, ventoso e triste que nos conduz à noite.
Embuço-me no vazio escuro que o silêncio criou em meu redor e vou fingir que ainda não acordei do meu deleite.
Maria José Rijo