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General: O que é lusotropicalismo?
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De: PUTODAVIDA-COM-GABITO  (Mensaje original) Enviado: 15/10/2009 16:16
Uma espécie de proliferação da cultura portuguesa em países tropicais.

Lusotropicalismo, relendo Gilberto Freyre (**) e divulgando a sua tese da originalidade e individualidade histórica da adaptação da Cultura Portuguesa a ambientes tropicais, criaria uma opinião favorável ao integral aproveitamento de inúmeros estudos e projectos elaborados no período colonial, que do ponto de vista técnico e científico continuam ainda hoje a ser válidos para o Desenvolvimento dos Países Africanos Lusófonos. Um terceiro vector seria a criação de apoios eficazes à produção dos agentes culturais lusófonos, nomeadamente e sobretudo no campo dos audiovisuais, com a produção de filmes históricos e de adaptação de obras literárias, e de documentários sobre as mais variadas facetas da realidade social e ecológica dos sete países, com especial incidência em África numa primeira fase. A realização de eventos culturais de impacto mediático seria também uma componente importante, como por exemplo uma Bienal das Artes Lusófonas ou um Festival da Lusofonia aberto às mais variadas manifestações culturais.

A crítica do conceito de Lusotropicalismo enquanto ideologia tornou-se comum a partir dos anos 50/60 no discurso anticolonialista e principalmente nos autores marxistas e neomarxistas que produziram análises sobre a África Lusófona. Trata-se de um erro metodológico, de um desvio de análise da realidade imposto muitas vezes pelo apriorismo político. O Lusotropicalismo não é uma ideologia, o Lusotropicalismo é uma teoria interdisciplinar de base sociológica.

 

(**) - como não coloco de parte a eventualidade de a senhora (com 's' miúsculo) Proença poder vir a ler estas linhas e face ao seu baixíssimo grau de cultura, aqui deixo uma breve explicação sobre quem foi Gilberto de Mello Freyre.

Nascido no Recife em 1900, aí faleceu em 1987. Foi um sociólogo, antropólogo, escritor e pintor brasileiro, considerado como um dos grandes nomes da história do Brasil




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De: PUTODAVIDA-COM-GABITO Enviado: 15/10/2009 16:17

Gilberto Freyre

 

Gilberto Freyre em 1959
Antropólogo e sociólogo brasileiro, criador do conceito de Luso-tropicalismo.

Nasceu no Recife, Pernambuco, Brasil, em 15 de Março de 1900;
morreu no mesmo local, em 18 de Julho de 1987.

 

Nascido numa família tradicional de Pernambuco de senhores de engenhos de açucar, de um pai professor catedrático de Direito, livre-pensador, e de uma mãe católica e conservadora, aprendeu as pricipais línguas modernas e o latim durante a adolescência, tendo dado a sua primeira conferência pública, em Paraíba, sobre "Spencer e o problema da educação no Brasil" em 1916.

Após ter concluído os estudos no Brasil, foi para o Texas onde concluiu a licenciatura, indo depois para Nova Iorque onde, em 1922, tirou  o Mestrado em ciências sociais na Universidade de Columbia com uma dissertação intitulada Social life in Brazil in the middle of the 19th century. Correspondente do Diário de Pernambuco durante a sua estadia nos Estados Unidos mostrou-se sempre muito crítico do «American Way of Life». 

Nesse ano viajou pela a Europa, visitando Paris, Berlim, Munique, Nuremberga, Londres e Oxford. Nesta cidade universitária inglesa falou sobre o «donjuanismo» peninsular, no Oxford Spanish Club, defendendo que o relacionamento sexual do colonizador português com mulheres nativas tinha como objectivo conquistar novos fiéis.

Depois de Oxford visitou Lisboa e Coimbra, onde se encontrou tanto com membros da Seara Nova como com os monárquicos do Correio da Manhã, jornal do qual se tornou correspondente no Brasil. Depois da sua curta estadia em Portugal regressou ao Brasil, após 5 anos de ausência.

O Brasil e o Pernambuco do pós Primeira Guerra Mundial prosperavam devido ao aumento do preço das matérias-primas. Mas os hábitos não tinham mudado, e Gilberto Freyre, com a experiência e os hábitos ganhos nos Estados Unidos e na Europa, decidiu então escrever um conjunto de artigos pedagógicos, à maneira das Farpas de Ramalho Ortigão.

As suas opiniões não foram bem vistas pela sociedade tradicional, mas a intelectualidade pernambucana aceito-o imediatamente, o que lhe permitiu organizar em 1924 o Centro Regionalista do Nordeste, um grupo multi-disciplinar de advogados, médicos, engenheiros e jornalistas  defensores do regionalismo, atacado pelo furor "modernista", e dois anos depois o Congresso Regionalista. Em 1926 descobriu sucessivamente o Rio de Janeiro e as suas Escolas de Samba e a sociedade multicultural da Baía de Todos-os-Santos, a «terra de quase todos os pecados». Nesse mesmo ano é convidado para secretário particular do governador de Pernambuco e para director do jornal A Província. Mas este 1.º período de participação directa na política acabou em 1930, quando decidiu acompanhar o governador da província na fuga provocada pela Revolução de Outubro de 1930, que colocou Getúlio Vargas no poder. 

Freyre começou o seu exílio em Portugal, estabelecendo-se em Lisboa, após uma breve escala na Baía. Foi aqui que começou a redacção da sua mais célebre obra - Casa-Grande e Senzala - pensada como 1.º tomo de uma História da Sociedade Patriarcal no Brasil. Regressou ao Brasil em 1933, tendo passado pela Universidade de Stanford, na Califórnia, como professor convidado, e de visitar as regiões do Sudeste dos Estados Unidos, onde existira até ao fim da Guerra Civil uma sociedade baseada em monoculturas e na escravatura. 

Foi nesse ano de regresso ao Recife que publicou a sua obra. Casa Grande e Senzala foi muito bem recebida tanto no Brasil, como na Europa, tendo  recebido em França e Itália críticas elogiosas de Roland Barthes e Fernand Braudel. O seu reconhecimento nacional e internacional permitiu-lhe organizar o Congresso de Estudos Afro-Brasileiros em 1934, cujo objectivo era o estudo científico das minorias africanas do Brasil.

Em 1941 casou com Madalena Guedes Pereira, de Paraíba. Em 1945, com o fim da 2.ª Guerra Mundial, e com a queda do regime autoritário do «Estado Novo», foi escolhido para a Assembleia que se transformou em Constituinte, sendo depois eleito para a primeira legislatura do regime democrático saído da Constituição de 1946. A sua contribuição na constituinte foi importante, já que era «o sociólogo da correnteza política» como disse o historiador Bento Munhoz da Rocha, deputado pelo Paraná.

No Congresso Nacional brasileiro propôs a criação de institutos de pesquisa social em todo o País, propondo a criação, desde logo, de um instituto no Recife, que foi criado em Julho de 1949 com a designação de Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. Em 1950 tornou-se director do Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife, defendendo uma política educacional atenta à diversidade do Brasil. No ano seguinte, a convite do governo português visita Cabo Verde e a Guiné, Goa, Moçambique, Angola e S. Tomé. 

É no seguimento desta viagem de estudo que em 1953 surge o conceito de tropicalismo e luso-tropicalismo, termo que Freyre tinha utilizado pela 1.ª vez em Novembro de 1951numa conferência realizada em Goa, conceitos descritos primeiro implicitamente e depois explicitamente nos livros publicados nesse ano Aventura e Rotina e Um Brasileiro em Terras Portuguesas. O conceito foi desenvolvido e divulgado em 1959 no livro New world in the tropics, uma ampliação da obra de 1945 Brasil, an Interpretation, e que com base em várias obras posteriores deu origem à luso-tropicologia - uma proposta de ciência ligando a antropologia à ecologia de modo a estudar o relacionamento entre a cultura europeia e a cultura tropical. As obras que se seguiram foram: O luso e o trópico, em 1961, publicado tanto em português, como em francês e inglês; Arte, ciência e trópico, de 1962, Homem, cultura e trópico, em 1962, O Brasil em face das Áfricas negras e mestiças, em 1962 e A Amazónia brasileira e uma possível lusotropicologia, 1964. Em 1965 apareceu a proposta de um Seminário de Tropicologia, um forum de debates dedicados ao tema, que teve o seu início em Março de 1966. O Seminário foi dirigido por Gilberto Freyre até à sua morte.

Em Portugal, Gilberto Freyre realizou a conferência inaugural do Congresso Internacional de História dos Descobrimentos, realizado no ãmbito das Comemorações Henriquinas de 1960; foi agraciado com o doutoramento honoris causa pela Universidade de Coimbra em 1962, foi homenageado em 1967 pela Academia Internacional de Cultura Portuguesa; proferiu a conferência “O Homem Brasileiro e a sua Modernidade”, na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1970; 

A sua obra, naturalmente muito aplaudida pelo regime do «Estado Novo», teve em Eduardo Lourenço um crítico feroz, primeiro no artigo «Brasil – Caução do Colonialismo Português» inserido no Portugal Livre de Janeiro de 1960, jornal mensal publicado em São Paulo, e «A propósito de Freyre (Gilberto)» publicado no Suplemento de Cultura e Artes de O Comércio do Porto em 11 de Julho de 1961.No primeiro artigo afirmava que 

“... nenhum intelectual safado género Gilberto Freyre e suas burlescas invenções de erotismo serôdio (...) podem tirar dos ombros do português, tranquilamente paternalista e fanfarrão o dever de despertar para os seus deveres e seus atrasos [relativamente à questão colonial]." 

No segundo artigo notava a: 

"pouca ou nenhuma seriedade objectiva e o falso brilho de fórmulas feitas, tematizadas de livro em livro com fatigante ênfase. (...) Um nefasto aventureirismo intelectual, incoerente e falacioso, desmascarando ao mesmo tempo o falso liberalismo deste amador de estéticas imperialistas"

Se, como é natural, no período imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974, as relações entre Freyre e Portugal arrefeceram, a verdade é que em 1983 foi homenageado pela Academia das Ciências de Lisboa, a propósito do cinquentenário da publicação de Casa-Grande e Senzala, tendo sido elogiado por David Mourão-Ferreira num artigo escrito em 1981, mas publicado em 1983.

Bibliografia:

Enciclopédia Luso-brasileira de Cultura, Lisboa, Verbo, 1998-


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De: ZÉMANEL Enviado: 15/10/2009 22:42

Do luso-tropicalismo ao europeísmo de esquerda

Jan 23, 2008 publicado por Miguel Portas · 10 comentários

Há três anos escrevi com José Manuel Pureza um ensaio sobre as relações de Portugal com a Europa e, em particular, sobre o modo como as esquerdas portuguesas nelas se situaram. Como é pouco conhecido e se mantém, no essencial, actual, repesco-o:

A memória longínqua de uma pátria
eterna mas perdida e não sabemos
se é passado ou futuro onde a perderemos
Sophia de Mello Breyner

Estas linhas a duas mãos, mais do que um curto ensaio, são uma narrativa de memória abreviada. Ela sustenta que a relação de Portugal com a Europa, longe de uma história de amor, é um casamento de interesse que sucedeu a um divórcio tardio e mal resolvido com as colónias. Como se um fado perseguisse esta nação que um dia se atrasou no Tempo e dele ficou refém. Até hoje.

1. Portugal entra na Europa pela direita baixa, ou seja, pelo Atlntico.

A relação do fascismo português com a construção europeia do segundo pós-guerra não foi um acto de qualquer súbita fé europeísta, ou sequer a revelação de um apurado sentido estratégico das nossas classes dirigentes. O Portugal anti-democrático que foi convidado a ser membro fundador da Nato em 1949 e que entra na defunta EFTA em 1959 é um país que joga à defesa no rescaldo de uma guerra que redesenhou o mapa-mundo sobre a morte de 20 milhões de inocentes.

Na sequência desta, o acolhimento do Portugal salazarista em instituições euro-atlnticas supostamente vocacionadas para a defesa supra-nacional de um código democrático, foi, evidentemente, uma piada de mau gosto. Neste primeiro rendez-vous do ditador com a «Europa» jogam-se, dos dois lados, finos cálculos. O contexto em que ocorre é já o da Guerra Fria. Salazar quer a cobertura dos vencedores para a manutenção do Império colonial e um enquadramento internacional protector da ordem ditatorial interna. A sua jóia para a nova arrumação mundial das forças é uma pequena metrópole anti-comunista na Europa, com vastos territórios em África e uma base preciosa para o controlo do Atlntico norte, os Açores. Do outro lado, o dote interessa. Interessa o bastante para que a promessa democrática do pós-guerra seja metida na gaveta do esquecimento. O regime português é tributário dos que perderam a guerra, mas isso é um pormenor no novo quadro. Porque o verdadeiro problema era mesmo o quadro saído da II grande guerra.

A União Soviética sai da dita com um prestígio sem par. A nação que pagou o mais alto preço, que foi o palco onde a guerra virou e que em Berlim assesta o golpe final no inimigo, jamais voltaria a alcançar tal reconhecimento.

O prestígio dos comunistas na Europa devastada sobe igualmente em flecha. Em regra, eles estiveram na primeira linha das múltiplas resistências armadas à ocupação nazi e, nesse processo, «nacionalizaram-se». Ou seja, enraizaram-se entre os operários e os intelectuais dos respectivos países. Em vários países, eles emergem com legitimidade para integrarem os primeiros governos de reconstrução.

Finalmente, mas não menos importante, o rescaldo da guerra trazia a pior das notícias para as velhas ordens imperiais: o dobre de finados do colonialismo puro e duro. Uma multidão de novos países anunciava a sua firme intenção de existir.

Neste panorama, o contra-ponto eram os Estados Unidos da América. A sua entrada na guerra desequilibra a máquina de guerra nazi, obrigando-a ao combate simultneo em todas as frentes. O principal, contudo, era a geografia. Não houve guerra na América do Norte. No rescaldo, os EUA surgem como a única grande nação em condições de, simultaneamente, proteger a Europa do espectro do comunismo e financiar a sua segunda reconstrução no espaço de 25 anos.

Neste contexto, os acordos de Ialta limitaram os danos sem trancarem, de per si, a História. A URSS ganhava uma fronteira eslava alargada em troca do bloqueio à ascensão dos partidos comunistas ao poder político nos países da Europa ocidental. E a Europa ocidental reconstruir-se-ia na esfera de influência dos EUA. O resto, o chamado 3º Mundo, escrever-se-ia como tivesse que ser escrito. Mas friamente, sem que uma nova guerra global trouxesse de volta o inferno. As potências vencedoras eram, na recém criada ONU, o garante desta nascente ordem bipolar.

Cada um vê o mundo de acordo com a cadeira onde se senta e Salazar era um ditador avisado. Também ele queria fria a política. Descortina os novos alinhamentos e tendências e, provavelmente, pressente a tensão que se desenha já, indisfarçável, entre os diferentes líderes europeus, uns firmemente atlntistas, outros sonhando com uma Europa capaz de caminhar pelos seus próprios pés a partir da aliança selada entre a França e a Alemanha. Na nova ordem, Salazar prefere a velha Inglaterra, valor seguro do conservadorismo, e os EUA porque não pode deixar de ser. Ele aproxima-se da Europa pelo Atlntico, porque marítimo é, além do mais, o império que dirige. Em nada deste primeiro acto, há grama de ideia europeia. Portugal é atlntico e africano. Europeu só de empréstimo, quem se equivoca é a geografia.

2. Colonizadores e colonizados

A tensão entre atlantistas e europeístas atravessa, já nos inícios da década de 70, a reflexão sobre aquilo a que Boaventura Sousa Santos chamou a renegociação do estatuto semiperiférico da sociedade portuguesa. Com efeito, a economia portuguesa tinha-se progressivamente aberto ao exterior. Quando em 1972, Portugal formaliza um acordo de associação com a então CEE, mais não faz do que reconhecer essa realidade e garantir a sua projecção para o futuro. A nossa industrialização, apesar de tardia e subsidiária, tinha incorporado no tecido industrial actividades em novos sectores (naval, mecnico e eléctrico, sobretudo) ao lado dos tradicionais “excessos de especialização” no têxtil, vestuário e calçado. Esta alteração veio de par com a consolidação de uma mão cheia, não mais, de grupos simultaneamente industriais e financeiros gozando das mais elevadas protecções do Estado. Encontramo-nos ante história económica conhecida, mas que coexistia com uma outra, bem mais antiga e não menos monopolista, que dirigia as suas atenções para as relações entre as colónias e a metrópole e para a intermediação com os grupos económicos multinacionais interessados na extracção de matérias primas em África. Esta identidade rentista da economia portuguesa, explica muito, talvez o essencial, do atraso nacional. “Viver dos rendimentos”, eis a divisa sagrada dos que, ao longo de séculos sangraram as colónias e empobreceram o país, adiando sempre e sempre a sua industrialização.

A expansão ibérica de quinhentos teve dimensão épica bastante para ser cantada n’Os Lusíadas e importncia suficiente para deslocar o centro de gravidade do “mundo conhecido” – do Mediterrneo para as novas potências atlnticas. Mas no caso português tal aventura, prisioneira da contra-reforma e de um absolutismo que funcionalizou a burguesia nascente, dificilmente podia ir além de uma colonização de costa que privou a metrópole das suas mais dinmicas energias. De per si, cada uma destas restrições não teria provocado a catástrofe. Mas em conjunto foram a catástrofe. No inicio de oitocentos, Portugal é uma metrópole que vive do ouro do Brasil e que parasita as vontades que espalhara pelos quatro continentes. É nessa altura que assina o mais fatal dos seus destinos – o tratado de Methuen. Este documento seria utilizado mais tarde por David Ricardo em abono da tese clássica, segundo a qual as nações têm vantagem em especializar-se nos domínios onde apresentem melhor competitividade comparada. Matematicamente, a teoria das vantagens comparativas batia certo. Na realidade, tal opção trancava por mais de 200 anos a industrialização do nosso país. Quando no século XIX, em corrida contra o tempo, exploradores portugueses atravessam África de lés a lés, colocando bandeirinhas para melhorar a posição portuguesa nas discussões do mapa cor de rosa, era a realidade de um país comercial, rentista, intermediário e já sem o ouro do Brasil, que se procurava enganar. Nesse mesmo período, em Moçambique, pedaços de território do tamanho de países eram entregues por períodos de décadas a sociedades inglesas mais ou menos falidas, do mesmo modo que mais tarde as riquezas minerais e petrolíferas de Angola iriam parar às mãos das companhias multinacionais. Quanto à metrópole, a sua independência face a Inglaterra há muito se tinha esfumado. Nós tínhamos o vinho do Porto, eles a transformação industrial do algodão das Índias…

A opção atlntica de Salazar não comportava, já se vê, qualquer novidade de monta – ela apenas prolongava para a segunda metade do século XX uma História de colonização e dependência que lhe era bem anterior. Salazar era ao mesmo tempo produto e motor de uma cultura atávica e conservadora que sempre compensara a sua pequenez de vistas com a “grandeza ultramarina”.

Esta cultura, que por comodidade diremos de fundo luso-tropical, impôs a sua congénita suspeição diante dos projectos europeus iniciados com a Comunidade do carvão e do aço e, consequentemente, insistiu sempre num alinhamento privilegiado com os teatros euro-atlnticos, designadamente a NATO.

O acordo de associação com a CEE, esse segundo rendez-vous entre o país e a Europa, é ainda um empate. Mais do que dar razão aos industrialistas não dependentes do Império, esse acto ilumina a grande contradição em que o país se encontrava mergulhado nas vésperas do 25 de Abril: para usar uma expressão cara a Mário Murteira, nação e império eram portadores de interesses inconciliáveis. As colónias e a guerra amarravam o país ao subdesenvolvimento crónico.

(continua)....


Respuesta  Mensaje 4 de 5 en el tema 
De: ZÉMANEL Enviado: 15/10/2009 22:43

3. O socialismo português, prisioneiro do destino atlntico.

As invasões francesas trouxeram o liberalismo na ponta das baionetas e estas foram o seu único senão. Por causa daquelas, a primeira esquerda portuguesa, a do século XIX, vai nascer com os olhos postos em França. Ela descobre na revolução francesa primeiro e na Comuna depois, os ingredientes de que o país precisa para se sintonizar com o seu tempo. Essa primeira esquerda socialista atira-se corajosamente à análise das causas do declínio da Nação. Mas, diferentemente de outras no mesmo período, será «estrangeirada». O seu diagnóstico tem pertinência e acutilncia, mas nem o proletariado emergente, nem a República burguesa o terão em devida conta.

A República será radicalmente laica, mais anti-operária que democrática e imperial sem reservas. A sua visão do mundo é atlntica, como atlntica será a oposição liberal à ditadura. A sua preocupação com as colónias é “desenvolvimentista”. Carregada de boas intenções, deseja criar as condições sociais e educativas que “preparem” as populações africanas para uma comunidade multinacional democrática. Nada de substancialmente distinto do que António Spínola procurou ensaiar na Guiné e em seguida verteu para livro nas vésperas da revolução e que, em desespero, procurou ainda impor nos idos de 74.

A Europa como “farol” do país (re)emerge tardiamente, em resultado da imigração social e política da década de sessenta. Mas o renascimento do socialismo português, atraído pelo contrato social europeu é, ao mesmo tempo, filho do velho liberalismo e de um mundo bipolar. O seu europeísmo é limitado pela primeira dependência, a liberal, que recomendava prudência na abordagem da questão colonial, não fosse ela diminuir as pontes com sectores descontentes internos ao regime; e a segunda limitação, a da ordem das coisas, a realpolitik, chegava à mesma consequência por outro caminho: uma verdadeira descolonização levantava o pavor de uma alteração no equilíbrio entre os dois blocos, favorável à URSS. Pelas piores razões – que se reflectiriam mais tarde no processo de descolonização – o socialismo português de 60, mais do que europeísta, será euro-atlntico. Ainda hoje assim o é em larga medida.

O modo como a revolução se desenvolveu não ajudou a desfazer o equívoco, bem pelo contrário. É evidente que os governos do ocidente europeu olhavam para o país com pelo menos tanta preocupação como a administração norte-americana. E as suas chancelarias fizeram o que puderam para influenciar o curso dos acontecimentos. Mas quem, de fora, verdadeiramente contava era Frank Carlucci.

No combate à radicalização socialista da revolução, o PS decide liderar toda a oposição. Não há lugar para subtilezas e a CEE é então uma subtileza. Todo o sentido político da confrontação se fixa na defesa de uma democracia à ocidental e num posicionamento ocidental. O PS fazia a ponte da sua vida com as antigas classes dirigentes, as que sempre se deram bem com a ditadura, e o suporte dessa aliança era simplesmente o ocidente, não o alinhamento europeu. O seguro de vida dos apavorados não era a CEE, mas a Nato. No contexto preciso dos enfrentamentos de 75, o valor de mercado da social-democracia à europeia não estava em alta. Pelo menos estava longe de se poder afirmar como força propulsora de um país convulso e finalmente sem império. Para a esquerda revolucionária era de menos; para a direita do antigamente era demais.

Quando, 10 anos mais tarde, Portugal adere finalmente à CEE, naquela que é seguramente a sua mais importante escolha desde Abril de 74, as suas razões têm ainda uma matriz predominantemente anti-comunista. O pedido de adesão, formalizado em 1977, foi ainda um acto de «guerra fria» e não uma paixão de recente descoberta. Ele destinava-se a, definitivamente, encontrar a inserção externa que travasse uma configuração revolucionária do Estado, quando as forças internas não ofereciam garantias absolutas de serem suficientes, ou suficientemente convictas, para isso.

Os pais da nossa adesão à Comunidade Europeia nunca o esconderam: quando se brande, em finais de setenta, a célebre “Europa connosco”, era ainda a esse arregimentar de forças que se apelava, mais do que a um projecto político para debater democrática e serenamente.

Talvez Portugal tenha experimentado tardiamente o segredo de Monnet, Schuman e outros antecipadores da integração europeia: que as grandes escolhas estratégicas não se anunciam, antes se edificam através de actos norteados por ambição limitada, que acabam por transbordar nos efeitos pretendidos, atingindo proporções à época impensáveis. Talvez. Talvez neste caso, o bloco restauracionista tenha escrito direito por linhas tortas.

Este terceiro rendez-vous é, finalmente, o decisivo. Tem a carga simbólica de um casamento. Não o casamento acto de fé ou de resgate amoroso, mas um contrato de oportunidade. Neste convergem, simultaneamente, o enterro das veleidades revolucionárias, a esperteza de séculos de uma economia de rendimento e, vagamente, dois desenhos de Europa que se tornarão mais nítidos após a queda do muro de Berlim – uma, euro-atlntica e outra que procura emancipar-se da tutela dos EUA. Mas não nos antecipemos, que outra digressão se impõe antes desta.

3. As raízes do nacionalismo de esquerda

Ainda hoje muitas pessoas se interrogam como conseguiu o mais “pró-soviético” dos partidos comunistas – o português – sobreviver ao fim da União Soviética e, comparativamente, resistir à erosão melhor do que a maioria dos seus congéneres europeus.

Basta olhar em redor: o maior partido comunista europeu, o italiano, cindiu-se. A maioria deu origem a um partido socialista e a minoria que hoje reclama o património histórico do antigo PCI é, na realidade, uma formação pós-comunista atípica, com vasta influência nos novos movimentos sociais, mas escasso peso eleitoral. Em França, o segundo grande partido comunista europeu, encontra-se à beira do esvaimento eleitoral depois de ter perdido a hegemonia sobre o movimento sindical e associativo; em Espanha o quadro não é mais promissor. O PCE animou uma nova formação, a Izquierda Unida, e de um arranque promissor voltou a cair para níveis críticos, próximos dos da sobrevivência eleitoral em marco parlamentar depois de perder, também ele, a hegemonia de que gozava nas comissiones obreras. E sobra a Grécia, onde dois partidos disputam há muito um espaço de influência que lentamente se vem reduzindo. Se existisse ainda uma Internacional Comunista, o PCP poderia apresentar uma invejável performance comparada.

A explicação mais comum para esta assinalável capacidade de sobrevivência é a que radica a resposta no atraso do país. Evidente, trata-se de uma leitura de indisfarçável julgamento implícito. Ela sustenta que o desaparecimento do PCP está escrito nos astros e que será consequência inevitável da superação do nosso subdesenvolvimento. É uma convicção que assenta em dois pressupostos mais do que discutíveis: um, que os homens não contam e que, portanto, o PCP é imutável; e dois, que Portugal, entrado na senda do “progresso”, jamais se afastará desse destino…

E contudo, por outros caminhos, a resposta contém mais verdade do que à primeira vista se poderia supor. O PCP sobreviveu ao descalabro do Leste porque nas décadas de 40 e 50 se construiu como partido nacional da resistência à ditadura. Paradoxalmente, o seu isolamento internacional, mais acentuado ainda do que o do próprio país, foi a garantia de uma identidade simultaneamente nacional e internacionalista (esta de acordo com o mundo bipolar que então se desenhava). Decididamente, era mais fácil ser-se pró-soviético longe do “sol da terra” do que sendo-se seu vizinho. Quando metade do mundo começa a desabar, há 20 anos, o PCP tinha ainda reservas de identidade e características de funcionamento a que, diferentemente de outros, pôde recorrer. A sua cultura de resistência, se não impediu a emergência de uma crise prolongada, poupou-o à implosão ou à aventura, indesejada pelos seus dirigentes, de uma refundação.

Esta digressão impunha-se, porque é ela que permite compreender porque passou grande parte da esquerda portuguesa à margem desse “intruso” chamado Europa. E porque é que o seu marco de reflexão estratégica foi sempre mais atlntico do que europeu.

Só em meados da década de 50, no congresso do “desvio de direita”, o PCP chega a uma conclusão anti-colonial clara, explicitamente favorável à «independência dos povos das colónias». Foi uma posição tardia, explicável quer pelo isolamento de uma clandestinidade inteiramente construída no interior do país até ao fim da guerra, quer pela estratégia de aliança com os sectores moderados. Mas convém referir que este é, também, o primeiro dos congressos claramente sintonizados com Moscovo. A definição anti-colonial era inadiável, também influenciada do exterior, porque dezenas de países conquistavam a independência. Estávamos então a dois anos da fundação do movimento dos «não alinhados»… Por outro lado, à decisão também não é estranho o facto de nas universidades portuguesas estudarem as elites africanas do colonialismo que viriam a fundar os movimentos de libertação. Muitos deles eram do próximos do PCP e frequentavam os círculos da oposição.

Relevante é que este passo obrigou o PCP a imaginar o país sem Império, sob pena de entregar a Salazar o monopólio da própria ideia de Nação. A esta tarefa se dedicou Álvaro Cunhal que em 1964 publica o seu texto fundamental, Rumo à Vitória. Não por acaso, o livro inicia-se pela tentativa de demonstrar a mais difícil e necessária das teses – que Portugal sem colónias não seria «um país pobre». O Portugal do dirigente histórico dos comunistas portugueses é, por isso, como a sua revolução – democrático e autosuficiente, autocentrado.

Diversamente dos seus congéneres italianos, que desde cedo concebem o processo de transformação social em marco assumidamente europeu – esse o sentido profundo do chamado «compromisso histórico» – o PCP sustenta a revolução como levantamento e renascimento nacionais. Não apenas os socialistas, mas também os comunistas são um reflexo da geografia: a que fazia de Portugal o país mais periférico e isolado do continente europeu; e a que dividia o mundo em dois blocos, um a ocidente, outro a oriente. Longe do horizonte onde os céus cantavam, próxima, demasiadamente próxima do arqui-inimigo imperialista, e receosa do vizinho terrestre, a Espanha, a revolução portuguesa, na cabeça dos comunistas portugueses, só podia sair nacional.

E saiu mesmo: democrática e nacional.
Desde logo foi revolução e não uma transição pacífica controlada pelas classes dirigentes, como em Espanha. Terá razão José Saramago quando um dia escreveu que o resultado acabou por ser o mesmo, mas à época a diferença fazia toda a diferença. E se foi revolução – e não transição – foi porque o país se debatia com uma guerra colonial.
Depois, foi nacional. É verdade que não foram apenas Portugal e a Espanha que viram, em 1974 e 75, a queda das suas ditaduras. Foi também a Grécia. E o Irão de Reza Palhevi. E a Guiné e Cabo Verde, Angola e Moçambique. Depois dos acordos de Paris, que consagraram a vitória do Vietname sobre a máquina de guerra norte-americana, depois do «empate técnico» entre Israel e os países árabes nas confrontações militares de 1973, a História desses idos de 74 e 75 soprava contra o imperialismo. Mas este contexto em nada tocou o dado essencial que para o efeito desta narrativa conta: a Europa não fazia parte do filme que corria aceleradamente em Portugal. O palco da revolução portuguesa era o país, e os seus bastidores o atlntico.

Os primeiros enfrentamentos entre os militares progressistas e o bloco conservador de António Spínola com a cobertura de Mário Soares (hoje injustamente acusado pela direita mais reaccionária de ser o grande responsável pela descolonização) é a questão da independência das colónias. O bloco progressista, antes de saber para onde poderia ir, queria libertar-se do Império. O Atlntico dominava assim os termos do primeiro conflito. Como pairou, como uma sombra, sobre o segundo conflito, em torno da transformação socialista da revolução democrática.

Este segundo embate é substancialmente mais complexo do que o primeiro e não cabe nestas linhas a sua discussão. Mas não erraremos, se dissermos que a inserção internacional de um Portugal confinado ao seu território original, não se encontrava entre os factores que determinaram, na esquerda realmente socialista, fracturas irreparáveis.

Os militares dos nove, em particular Melo Antunes, desejavam um país de relacionamento internacional alargado, privilegiando as relações com o 3º mundo e em particular com as antigas colónias. As áreas de esquerda socialista que gravitavam em redor do grupo de Jorge Sampaio alinhavam nessa visão e a janela que abriam para a Europa era a do Mediterrneo, tomado pelo que efectivamente é – uma ponte entre o Norte e o Sul do planeta. Também Álvaro Cunhal alinhava por uma política multilateral «não alinhada». O seu realismo não o fazia sonhar com um país satelitizado pela URSS. No extremo mais ocidental da Europa, não havia como, mesmo que o pudesse desejar. Finalmente, a extrema-esquerda tinha, neste preciso domínio, muito pouco para dizer – a mais conselhista era “terceiro-mundista”, o maoísmo oscilava na táctica em função do modo como cada grupo valorizava os “dois imperialismos” e o trostkismo – a única corrente assumidamente europeísta e iberista – contava muito pouco nas escolhas que se faziam.

A predominncia de uma identidade de tipo nacional nas esquerdas transformadoras tem a sua prova dos nove durante os meses do último governo à esquerda que Portugal teve – o de Maria de Lurdes Pintasilgo. E então, o modelo económico que se discute é o de um desenvolvimento auto-centrado, onde o motor é o mercado interno e não o sector exportador. E por esta mesma onda navega o PCP, então já refeito do fim da revolução e no auge da sua influência eleitoral.

Decididamente, quando em 86 Portugal concretiza a sua adesão à então CEE, ela entra na casa das várias esquerdas socialistas como as novelas brasileiras: sem pedir licença. Aconteceu e ninguém estava preparado.

 

(continua)


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De: ZÉMANEL Enviado: 15/10/2009 22:44

4. A miragem luso-tropicalista, uma ideologia do destino

Neste momento, estamos em condições de poder formular a primeira hipótese desta narrativa: tanto à esquerda como à direita, o apelo do Atlntico foi, até aos anos 80 – em versão nostálgica e obediente ou na sua variante internacionalista – mais forte do que a vontade de ruptura com a especificidade do nosso modo de sermos semiperiféricos, herdado do colonialismo. Se há pouco tomámos de empréstimo a Gilberto Freire o conceito de “luso-tropicalismo” é porque na nossa opção atlntica há uma dimensão africana que, mesmo inconscientemente, faz apelo a uma auto-presumida capacidade lusa para entender o «outro» e com ele se misturar, que distinguiria o nosso colonialismo dos restantes.

Durante cinco séculos, nunca foi bem assim. Mas é facto que as colónias marcaram e de que maneira a nossa existência colectiva. Tanto ou tão pouco que a partir das últimas décadas do século XIX, Portugal é um país simultaneamente colonizador e colonizado. Em consequência, a importncia de práticas sociais consolidadas ao longo de cinco séculos eram demasiado fortes para se poderem esfumar subitamente – tão subitamente como ocorreu o fim da intermediação de tipo colonial.

O vazio aberto em 1975 pela descolonização levou a uma busca de alternativas onde, à esquerda e à direita, todos evitaram que se colocasse num quadro radical. O modo como o luso-tropicalismo sobreviveu à descolonização representou, paradoxalmente, o adiamento de uma ruptura clara com o histórico alinhamento atlntico de Portugal.

Chamemos-lhe, porque a questão não está arrumada ainda hoje, a ideologia do destino. Grosso modo, ela foi construída com referência a um nicho de especialização do país – sob as mais variadas formas: empresarial, militar, militante ou técnico-científica – que se alimenta da continuidade de uma “relação privilegiada” com as ex-colónias. Nesse sentido, a retórica da “lusofonia” arrisca-se hoje a ser uma revivescência da ideologia do destino, uma espécie de francofonia ou commonwealth sem poder, que se auto-apresenta, mesmo que inconfessadamente, como um paternalismo, ou seja, um colonialismo benigno aprés la letre.

Neste sentido, há algo de perversamente comum entre o sonho federador de Spínola e alguns dos desenhos pós-coloniais anunciados, à esquerda, como possíveis alternativas à integração na comunidade europeia. Portugal é um país pequeno, mas a sua História pesa que se farta.

5. E a opção europeia como ideologia da modernização

Na realidade, Portugal não tinha alternativa. Por uma vez, o bloco central da restauração capitalista pós-revolucionária era certeiro na escolha. A miragem de um desenvolvimento auto-centrado assente em relações preferenciais com as antigas colónias, só era concebível transitoriamente num contexto de convulsão da ordem mundial e europeia, o que manifestamente não era o caso na reaccionária década de 80. De outro modo, mesmo um Portugal empenhado numa via não capitalista de desenvolvimento, estaria condenado a prolongar um modelo de acumulação assente na velha e persistente intermediação da troca desigual entre os produtores de matérias primas e os seus utilizadores.

Portanto, a Europa.
Socialistas e sociais-democratas negoceiam a adesão, que se consuma em 1985. Uma mão cheia de expectativas envolve a maioria da sociedade portuguesa. A Europa significa dinheiro, fundos, mas também uma vasta gama de desejos. As esperanças são tanto maiores quanto o país está cansado de sucessivos governos de bloco central e de uma inflação galopante.

Encontram-se assim reunidas todas as condições para a emergência de uma nova ideologia, a da modernizaçao. Ela construir-se-á sobre uma miragem, a possibilidade de aproximação rápida de Portugal aos países centrais da Europa o que, em jargão eurocrata, se definiria por uma promessa de «convergência real». A declinação deste “desígnio nacional” é múltipla e todos os sonhos, dos mais modestos aos mais ambiciosos, lá cabem: da melhoria das condições materiais de vida à transformação da apatia cívica em activismo de direitos; do fim da opacidade e do carácter labiríntico da administração à transparência dos mecanismos reguladores da economia; do fim da selvajaria na restauração dos antigos privilégios ao estabelecimento de formas tipicamente “welfare” de relação salarial – tudo é lícito esperar. Neste desejo difuso de colocar para trás das costas as dificuldades, o que se joga na promessa europeia é também a superação definitiva de um ruralismo ainda mal habituado a ver-se cidade, urbano, cosmopolita, moderno.

O momento máximo desta identificação de Portugal com a Europa foi, sem margens para dúvidas, a Expo e o seu parque das nações. No imaginário colectivo, Portugal foi, pela primeira vez, “capaz-de-fazer-tão-bem-como-os-melhores”. Ali não existia o que mais tarde se saberia – Castelo de Paiva – mas asseio e tecnologia; não morava o Portugal dos Pequeninos, mas o Oceanário e o Pavilhão do Conhecimento; e até o vetusto e centenário Coliseu cedia o seu lugar ao mega Pavilhão Atlntico. Aquilo sim, era Portugal na Europa. Ou esta por cá. Ali estava, antecipado, o país dos desejos – moderno, funcional e culto.

No dia seguinte começava a trajectória descendente. Desde esse pico de fama que a força propulsora do famigerado desígnio se vem dramaticamente esvaindo. Até hoje. As linhas que se seguem são por isso uma tentativa de explicação. De uma primeira explicação, não exaustiva e seguramente equivocada aqui ou ali.

6. O “puguesso” ou a apropriação conservadora da miragem

Apesar de difusos e plurais, os desejos espelhados na adesão teriam que se confrontar com uma Europa concreta. E essa era a Europa que virava à direita, assolada pela primeira vaga de governos neo-liberais. Era ainda uma Europa de crescimento moderado, mas onde as forças conservadoras faziam o seu primeiro ensaio de assalto ao Contrato Social que garantira, durante décadas, a partilha dos benefícios, mesmo que não equitativa, entre capital e trabalho.

Os que negociaram a adesão não souberam nem quiseram ser os rostos de uma crítica consistente a uma Europa que encostava o seu projecto a um mercado e moeda únicas, relegando as dimensões sociais da convergência para as políticas de cada Estado nacional. Eles queriam acima de tudo entrar, fosse como fosse. Um dia se fará a história dessa negociação e como foram ou deixaram de ser protegidos os elos fracos da nossa economia.

Mas tão ou mais importante do que as condições de acesso, foi a sequência, o posicionamento negocial de Portugal, a sua influência nas instncias de decisão técnica e política e o que fez das oportunidades criadas. Basicamente, valemos zero em política e fomos o máximo na captação de fundos. O casamento era de interesse e não de paixão.

É aqui que entra a tenaz – a direita governava na Europa e também em Portugal. Não tanto a direita político-partidária, mas a cultura conservadora e restauracionista aliada ao novo-riquismo de quem se sente, repentinamente, com muito dinheiro para fazer muita coisa. O chamado “arco europeu” revelar-se-ia, independentemente dos governos serem cavaquistas ou guterristas, uma verdadeira bolsa comum de interesses pouco confessáveis.

Este bloco social e cultural impôs a Portugal uma modernização conservadora – na economia, na legislação ou nos costumes, essa modernização permitida pelos fundos europeus dissociou-se progressivamente da retórica da imaginação. Quando da Europa se poderia esperar um impulso ao Estado de bem-estar, foi à Europa que se foi buscar legitimação para a miniaturização do Estado social na segurança social, no ensino ou na saúde; quando da Europa seria razoável esperar um reforço das garantias sociais e o respaldo a uma relação pactuada entre capital e trabalho, foi à Europa que se foi buscar a flexiliberalização das relações laborais e sociais; quando da Europa se admitiria um influxo de cosmopolitismo nos códigos civilizacionais, foi a ela que os conservadorismo nacional foi buscar argumentário para tentar travar a transformação do quotidiano em matéria de hábitos e horizontes. Ainda hoje andamos às voltas com a criminalização do aborto…

No coração desta apropriação conservadora estiveram sempre os fundos europeus. A Europa significou e significa ainda dinheiro, muito dinheiro. Hoje, aliás, para a esmagadora maioria dos portugueses, a Europa é dinheiro e ponto. “Sacá-lo” transformou-se numa especialidade nacional, no único domínio onde o Estado português se apresenta efectivamente como uma máquina sem falha. E de facto, no curto espaço de 15 anos, o investimento em infra-estruturas, particularmente as rodoviárias, mudará radicalmente a paisagem do país. Nesta mudança de paisagem existe uma dimensão, nada negligenciável, de obra necessária. Com efeito, o nosso ponto de partida era, na década de 80, o de um país que ainda não se encontrava inteiramente electrificado e onde o saneamento básico constituía uma das principais rubricas de investimento municipal. Mas, feita esta ressalva, o que o novo ouro do Brasil permitiu foi que betão, alcatrão e Europa passassem a ser distintas declinações de uma mesma realidade – o Portugal dito moderno.

Uma certa ideia de progresso, o “puguesso”, como diz um nosso comum amigo, fez o seu caminho. O país, embasbacado, acreditou na mudança da paisagem. Só mais tarde se aperceberá que por detrás do novo cenário, a fragilidade ancestral de um modelo de desenvolvimento avesso à criação de riqueza produtiva prosseguia, impávido e sereno. Prosseguia, até e principalmente, a cavalo das mil obras encomendadas por autarcas e ministros em beneficio dos grandes ganhadores deste período – o sector financeiro, a construção civil e o turismo.

Passados quase 20 anos sobre a adesão é impressionante o fosso entre o poder de financiamento da União e o que realmente mudou em Portugal, para lá das aparências. Podem e devem-se discutir os montantes que a União destina ao financiamento de projectos nomeadamente nos países periféricos. Mas esse debate não elimina outro, o da aplicação do que captámos – onde se gastou, em que se gastou e quem beneficiou. Quando hoje é a própria União Europeia que lança o recado a Lisboa, dizendo-lhe que gastou demais em infraestruturas, há algo de injusto por detrás da verdade – porque os programas e os critérios de selecção de projectos da burocracia de Bruxelas eram os primeiros a induzir nessa direcção. Mas também é certo que a preocupação de Lisboa sempre foi a de aproveitar as circunstncias tal e qual elas se apresentavam, mais do que procurar influenciar e alterar as práticas das instncias comunitárias.

Sem contar com os fundos da Política Agrícola Comum, entre 1989 e 2006, num movimento sempre ascendente, a União co-financiou ou está a financiar projectos na ordem dos 40 mil milhões de euros. Para se ter uma ideia do que isto significa, hoje 80 por cento dos investimentos do Estado (o Pidacc) são comparticipados pela União. Ou dito de outro modo: o Estado deixou de investir no que não tenha financiamento comunitário…

E onde investe? A maior rubrica continua a ser a das infra-estruturas rodoviárias. Educação, Ciência, Cultura e sociedade da informação representam menos de 1/6 do que se aplica em betão e alcatrão. E neste “imaterial” ainda é possível descortinar muito betão: tanto ou tão pouco, que hoje não existe cidade média do país que não esteja culturalmente sobre-equipada… embora com os espaços às moscas porque falta o dinheiro para alimentar o que efectivamente conta: a criatividade humana.

O que se disse para os sectores estratégicos acima referidos, aplica-se, mutatis mutandis, ao que a União chama de «apoio ao emprego» e que, singelamente, é formação profissional. Ela vale 1/5 da rubrica que nos está a servir de referência, apesar de ser universalmente aceite que o nosso maior problema é de qualificação.

Finalmente, o último quadro de apoio, para o período 2000/2006 assinala um aumento significativo do peso dos chamados incentivos às empresas, que chegam quase a 40 por cento do montante afecto às infraestruturas de transportes. Em si mesma, esta opção não é questionável. Por muito que a conversa liberal fale da transparência dos mercados e das virtudes da concorrência, toda a gente sabe que dificilmente se mudará o perfil produtivo do país sem apoios públicos. O que não se percebe é o resto, ou seja a selecção, o controlo e a avaliação: porque continuam a existir deslocalizações e falências entre empresas que tiveram apoios e tal não é exemplarmente penalizável? Porque é que, apesar dos apoios, os mecanismos de destruição continuam a suplantar os de criação de novas empresas produtivas? E porque continua a renovação a predominar sobre a inovação e o investimento material sobre o imaterial…

Estas interrogações situam, mesmo em marco capitalista, a questão de fundo de que esta narrativa se ocupa: a persistência, agora na Europa, das três especialidades seculares da nossa burguesia durante a era colonial – a sua apetência por rendimentos “extra”, agora sob a forma de fundos; uma desalmada vertigem na aplicação novo-rica dos excedentes, sejam eles os da exploração ou os da intermediação; e uma alarve dependência do Estado, contra quem clama mas de quem exige o “serviço público” aos interesses privados. Na Europa somos rigorosamente fiéis à cultura adquirida em séculos de atlantismo – eis o problema nacional e a raiz da nossa questão identitária actual.

Procedimento e substncia andam, de facto, ligados. Todo o processo contínuo de ajustamento social, económico e político foi monopolizado pelo Estado. Em nome da defesa do interesse nacional, o Estado reservou para si a tarefa de conduzir a trajectória da insersão portuguesa na arena comunitária. Nessa atribuição, ele conformou a sociedade civil. A informação privilegiada, a escolha discricionária de parceiros para projectos, a cooptação de organizações representativas de sectores económicos e sociais, o financiamento selectivo de movimentos e entidades através do monopólio da administração dos fundos, eis os principais mecanismos de gestão dinmica da burguesia pelo Estado. Onde são fracas as classes só pode ser forte a fraqueza do poder.

É verdade que a capacidade de atracção inicial do projecto europeu impôs indiscutivelmente uma auto-centragem, obrigou o país a ver-se ao espelho não apenas nas suas glórias como nas pequenas misérias. Isso não acontecia desde o fim da revolução. Tal exame trouxe uma melhor e mais vasta percepção dos nossos atrasos. Mas a questão nodal da construção de uma identidade nacional pós-colonial, essa não pôde ser resolvida através da construção de uma realidade imaginada em que Portugal aparecia transformado em “país-europeu-como-os-outros”. Porque a “realidade real” impôs a comparação e dita ainda a sua lei.

A fragilidade da promessa tornou-se ainda mais evidente ante a ausência de um discurso de Estado que veiculasse o novo “desígnio” como uma efectiva alternativa ao velho perfil da intermediação colonial. Ninguém teve coragem para tanto. No momento em que o dinheiro começava a jorrar, não era fácil sugerir a ida colectiva ao psiquiatra. Bem mais simples era emitir o sinal que o povo queria ouvir – comprem, comprem e endividem-se, que a Europa é uma estrada de sucesso garantido e eterno.

Esta promessa-ilusão de meados de 80 só podia entrar em trajectória descendente aos primeiros sinais de dificuldade. Na viragem de 80 para 90, ela anima ainda o imaginário das classes médias e das elites políticas. Cavaco Silva e a sua metáfora do “bom aluno” foram a expressão mais avançada e ao mesmo tempo mais contraditória desse período áureo. Mas em seguida, o entusiasmo transmuta-se. Primeiro em resistência – o “oásis” contra a crise que grassava lá fora…; logo a seguir em distensão desapontada no consulado de Guterres; e agora, sob o impacto da crise, em descrença generalizada.

Nota final em registo provisório

Aqui chegados, outra narrativa se imporia antes de qualquer conclusão: a que nos conduziria pelos caminhos da construção de uma identidade europeia… e a uma excessiva dimensão deste texto. Por isso, apenas duas notas finais, com base em acontecimentos recentes:

A primeira: a polémica em redor da inclusão, ou não, de uma referência à «tradição cristû no prembulo ao Tratado que institui uma Constituição para a União Europeia é, obviamente, marginal em relação às matérias duras em discussão. Contudo, o seu interesse extravasa a mera vontade política dos círculos mais conservadores de inventarem uma «exigência» que justifique a sua passagem de um «eurocepticismo» congénito a uma «euroacomodação» realista. Tal «exigência», porque se reveste de natureza identitária, acaba por colocar, embora involuntariamente, o dedo na ferida: não são só os países que têm diferentes graus e tipos de identificação com a União. É esta que, enquanto construção política se apresenta com extraordinário défice de identidade. A União é um “proto-Estado” sem nação e porque se quer Estado, precisa de se inventar como nação.

Assim, a existência, ou não, de uma referência à tradição cristã acaba por se configurar como uma «polémica bizantina». Expliquemo-nos, para que não sobre sombra de pecado: desde fins do século IV, época em que o cristianismo é proclamado religião oficial do Império romano, até ao cisma do século XII entre católicos e ortodoxos, todo o mediterrneo é atravessado por intensos debates em redor da natureza de Cristo – se humana ou divina e se ambas em simultneo ou separadamente. A derradeira polémica, a mais «bizantina», incidia precisamente sobre a admissibilidade de no rito se poder usar a expressão «filho de Deus». Ou aplicar a Maria o qualificativo de «mãe de Deus».
Esta polémica só na aparência era teológica. Numa era de intensa religiosidade popular, inevitável era exprimir em linguagem temporal a áspera e profana resistência das cidades-estado da costa mediterrnica, com Alexandria e Antioquia à cabeça, face à vontade centralizadora de Constantinopla, a nova Roma.

Tal como então, a polémica em redor do prembulo tem muito pouco de ideológica e muitíssimo de jogo de forças. É uma das dimensões em que os sectores mais conservadores da União dirimem o posicionamento mais ou menos atlantista da União. Os que sustentam tal inclusão dirigem-na contra o eixo Paris/Berlim porque pensam a Europa em termos de Atlntico. Este confronto, que a recente invasão do Iraque revelou em toda a sua dramaticidade, é ainda uma partida em aberto. Ela tem tudo a ver com a narrativa deste texto: não é por acaso que o governo português sustentou, na União, a posição conservadora. Neste gesto, conservadorismo e atlntismo afirmam-se como o que efectivamente são: sinónimos.

A segunda observação respeita à polémica do véu em França. O problema não era o uso do véu integral, fronteira de bilhete de identidade em qualquer sala de aulas. Nem sequer a defesa, necessária, da laicidade do Estado e do espaço público. E muito menos a visão reaccionária de que os “europeus” têm uma civilização a que os que vêm de fora se devem acomodar – teoria em voga na direita laica e nos meios muçulmanos moderados. Estava e está, isso sim, em causa o modo multicultural de conceber a identidade nas sociedades complexas. A questão é: como abordar as questões da imigração e da integração numa perspectiva de direitos na era do choque, não de civilizações, mas entre fundamentalismos.

Por aqui, pela discussão da Europa como espaço civilizacional de direitos e múltiplas identidades, passa a reconfiguração de uma identidade europeia autónoma do Império. Essa é a discussão que interessa à esquerda portuguesa. Uma nova Europa, a da cidadania activa em luta pela Paz, nasceu nas movimentações contra a invasão do Iraque. É ela que reclama um europeísmo de esquerda. Para nós, ele representa uma ruptura refundacional com o atlantismo – quer em Portugal, quer na Europa. Cremos ser esse o caminho que vale a pena trilhar.



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