No final do século XV, os marinheiros e aventureiros portugueses deram início à maior expansão marítima jamais realizada à face da Terra, abrindo pela primeira vez os canais de comunicação entre os diferentes povos e culturas. É certo que houve outros percursores – os fenícios, na bacia do Mediterrneo; os gregos, com a extraordinária epopeia de Alexandre O Grande, que o levaria até à Índia; o Império Romano, a Ocidente; e o Gengis Khan, na Ásia – mas sempre à escala regional ou continental.
Os portugueses, na sua nsia de descoberta de novas terras e pela cobiça do ouro, marfim, pedras preciosas e especiarias, acabariam por ligar todos os continentes pela via ocenica, das ilhas atlnticas à Índia, China e Japão, passando pelas costas de África e pelo Brasil. Em todos os lugares criaram feitorias, praças fortes, vilas e cidades, constituindo aquilo a que o jornalista norte-americano Holland Cutter (”The New York Times”) comparou “a uma versão da Internet inventada há 500 anos por um punhado de marinheiros com nomes como Pedro, Vasco e Bartolomeu. A tecnologia era primária, as ligações eram instáveis e o tempo de resposta era glacial (uma mensagem nesta rede poderia levar um ano a chegar)”. No fundo, outra visão do que o historiador Luís Fernandes Thomaz designou como “um império em rede”.
Além do império comercial e do domínio militar dos mares, “o intercmbio cultural iniciado pelos portugueses, ainda hoje pode ser considerado o mais notável e o mais perene dos seus feitos”, lembram os comissários científicos da exposição “Encompassing the Globe – Portugal e o Mundo nos Séculos XVI e XVII”, Jay A. Levenson, Jean Michel Massing, Julian Raby, Nuno Vassallo e Silva, James Ulak e Regina Krahl.
É, precisamente, esta exposição – agora aberta ao público no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa – que nos revela alguns dos maiores tesouros desse relacionamento inter-cultural.
Os portugueses deixaram-se fascinar pelos habitantes das terras que exploraram e estes, por sua vez, parecem ter ficado igualmente intrigados com os estrangeiros que se lhes depararam – imagens de soldados e de nobres portugueses figuram em obras de arte criadas em África e na Ásia durante este período: saleiros em marfim do Benim, porcelanas chinesas, biombos nambam e as mais curiosas representações de Cristo e do Menino Jesus oriundas do Congo, da Índia, da China ou do Japão.
“Produtos de luxo executados em materiais exóticos e animais dos trópicos até então desconhecidos chegavam a Lisboa e dali seguiam para as casas nobres de toda a Europa”, lembram os comissários desta exposição, que logrou reunir um total de 173 peças únicas, das quais 28 pertencem ao próprio Museu Nacional de Arte Antiga, 55 a colecções de outros museus nacionais; e 90 são provenientes de colecções estrangeiras (públicas e privadas), que viajaram da Alemanha, Áustria, Brasil, França, Itália e Rússia.
Destaque para as peças de ourivesaria feitas em ouro, prata, madrepérola, tartaruga e conchas do Índico, mas também para os objectos que integram corno de antílope ou de rinoceronte, coco das Seychelles ou ovos de avestruz e, por último, para o curioso banco feito a partir dos ossos do elefante Salomão, oferecido por D. João III a Maximiliano II, arquiduque da Áustria.
Os mares, as terras e os povos também surgem documentados em mapas, manuscritos, pinturas, desenhos, gravuras e livros. Entre outros, ali figuram o mapa de Cantino, o planisfério de Francesco Rosseli e as primeiras reproduções de um leão, um rinoceronte e um elefante atribuídas ao pintor alemão Albrecht Dürer, bem como os quadros de índios do Brasil do holandês Albert Eckhout.
Esta exposição encontra-se dividida em seis secções organizadas geograficamente: Europa; África; Índia/Ceilão; Japão; Macau/China; e Brasil; às quais foi acrescentada uma sala dedicada à Casa Real portuguesa, onde estão expostos os painéis de S. Vicente e a Custódia de Belém.
E, para quem quiser aprofundar os seus conhecimentos sobre o papel do nosso país no Mundo, recomendo o livro “Portugal – O Pioneiro da Globalização”, de Jorge Nascimento Rodrigues e Tessaleno Devezas, agora numa reedição da Centro Atlntico ampliada para 608 páginas, com as lições da história de Portugal – de Ceuta (1415) a Bruxelas (1986) -, dos Descobrimentos e do chamado ADN português: vontade estratégica e resiliência secular. “Os dois ingredientes que serviram sempre os portugueses para vencer as crises mais dramáticas”, segundo os autores.
Além da demonstração prática da aplicação dos ciclos longos e ondas de Kondratiev em favor da tese de que Portugal foi o pioneiro do processo hoje conhecido como globalização, provando que o período das Descobertas e da expansão portuguesa correspondeu a um ciclo longo de liderança geopolítica, Nascimento Rodrigues e Tessaleno Devezas lembram que os portugueses apenas tiveram sucesso nos momentos em que foram capazes de pensar “out of the box”.
Os que ficaram mais curiosos com o banco de Maximiliano II, poderão ler toda a história em “Salomão – O Elefante Diplomata”, dos mesmos autores e na mesma editora.
Fonte: Expresso – 27/07/2009