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General: INTERVALO
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De: vylma (Mensaje original) |
Enviado: 02/11/2009 20:55 |
Antefalhei a vida, porque nem sonhando-a ela me pareceu deleitosa. Chegou
até mim o cansaço dos sonhos... Tive ao senti-lo uma sensação externa e
falsa, como a de ter chegado ao término de uma estrada infinita.
Transbordei de mim não sei para onde, e aí fiquei estagnado e inutil.
Sou qualquer coisa que fui. Não me encontro onde me sinto e se me
procuro, não sei quem é que me procura. Um tédio a tudo amolece-me.
Sinto-me expulso da minha alma.
Assisto a mim. Presenceio-me. as
minhas sensações passam diante de não sei que olhar meu como coisas
externas. Aborreço-me de mim em tudo. Todas as coisas são, até às suas
raízes de mistério, da cor do meu aborrecimento.
Estavam já
murchas as flores que as Horas me entregaram. A minha única acção
possível é i-las desfolhando lentamente. E isso é tão complexo de
envelhecimentos! A mínima acção é-me dolorosa como uma heroicidade.
O mais pequeno gesto pesa-me no ideá-lo, como se fora uma coisa que eu
realmente pensasse em fazer. Não aspiro a nada. Dói-me a vida. Estou mal onde estou e já mal onde penso em poder estar.
O
ideal era não ter mais acção do que a acção falsa de um repuxo - subir
para cair no mesmo sítio, brilho ao sol sem utilidade nenhuma a fazer
som no silêncio da noite para que quem sonhe pense em rios no seu sonho
e sorria esquecidamente.
trecho 182, Livro do Desassossego, Bernardo Soares
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De: ZÉMANEL |
Enviado: 02/11/2009 22:21 |
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Intervalo
Quem te disse ao ouvido esse segredo Que raras deusas têm escutado — Aquele amor cheio de crença e medo Que é verdadeiro só se é segredado?... Quem te disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo. Não foi um outro, porque não sabia. Mas quem roçou da testa teu cabelo E te disse ao ouvido o que sentia? Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei? Foi só qualquer ciúme meu de ti Que o supôs dito, porque o não direi, Que o supôs feito, porque o só fingi Em sonhos que nem sei?
Seja o que for, quem foi que levemente, A teu ouvido vagamente atento, Te falou desse amor em mim presente Mas que não passa do meu pensamento Que anseia e que não sente?
Foi um desejo que, sem corpo ou boca, A teus ouvidos de eu sonhar-te disse A frase eterna, imerecida e louca — A que as deusas esperam da ledice Com que o Olimpo se apouca.
Fernando Pessoa
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