Por uma nova leitura da África
Escritores anseiam por difundir a cultura de seus países e desfazer o estereótipo de um "continente exótico"
por Luciana Lana
São 53 nações pobres, devastadas por décadas de guerra. Mas que apresentam um surpreendente "renascimento", traduzido em crescimento econômico, avanço em processos de democratização e maior inserção internacional. Considerada um "escndalo geológico" por guardar em seu subsolo a maioria absoluta dos recursos minerais globais, a África
é alvo do interesse e da cobiça de um número crescente de potências econômicas. Só que ainda enfrenta o preconceito, a discriminação, não tendo se livrado da imagem de uma terra exótica, primitiva, miserável e incapaz de se reconstruir por conta própria.
Todo esse mar de contradições que circunda os 30 milhões de quilômetros quadrados do continente africano (22,5% das terras do globo) basta para indicar que é preciso conhecer melhor o que se passa por lá. As diferentes Áfricas, suas culturas, seus idiomas, as histórias de suas nações, suas potencialidades, os caminhos para o desenvolvimento de suas sociedades merecem atenção e pesquisa, para a qual a literatura originada no próprio continente tem farto material a oferecer.
A despeito da precariedade de vida, dos altos índices de analfabetismo, dos traumas ainda sofridos por anos de conflitos armados e demais adversidades, uma legião crescente de escritores de origem africana se revela, contando a história do continente em poesias, romances, contos, que, ainda hoje, reafirmam a diversidade e trazem a marca da resistência cultural. A literatura teve papel fundamental nos processos de independência política dos países africanos.
A considerar especificamente as colônias portuguesas
foram intelectuais como Agostinho Neto (Angola), Jorge Barbosa (Cabo Verde), José Craveirinha (Moçambique), Marcelino dos Santos (Moçambique), José Luandino Vieira (Angola), entre outros, que se desviaram da chamada literatura colonial - alienada, feita por autores exógenos e transpassada de preconceitos - para lançar escritos carregados de sentimento nacional, consciência e indignação. "Os poetas foram os primeiros grandes líderes revolucionários na África.
Primeiro, nós escrevemos poemas com palavras de libertação, como o "É preciso plantar" (de 1953, finalizado com os versos "É preciso plantar / pelos caminhos da liberdade / a nova árvore / da Independência Nacional"); depois, muitos de nós partimos para a luta armada", conta Marcelino dos Santos
, hoje com 79 anos.
à época, ele assinava seus escritos com os pseudônimos Kalungano e Lilinho Micaia. Foi fundador da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e, após a independência, em 1975, se tornou primeiro Ministro da Planificação e Desenvolvimento.
Uma boa explicação ele dá para o crescimento da língua portuguesa nas colônias e a adoção do idioma pelos escritores nos movimentos de libertação: "Nós queríamos integrar o continente. A nossa poesia dava conta de problemas que eram comuns a toda África. Adotar a língua portuguesa foi uma estratégia, já que a pluralidade de idiomas e o enorme analfabetismo dificultavam a difusão das nossas ideias libertárias."
O uso da língua portuguesa pela grande parte dos escritores nas ex-colônias de Portugal é motivo de polêmica até os dias atuais. É bem verdade que a expansão da língua se deu às custas de vários idiomas, que simplesmente desapareceram. Moçambique, por exemplo, contava com mais de 20 idiomas.
Em Angola, a língua portuguesa confrontou-se, em especial, com o quimbundo, que até os colonos portugueses eram obrigados a aprender. Mas houve uma "apropriação" e uma "nacionalização" da língua portuguesa por parte dos africanos. Para José Luandino Vieira, o português representou um "troféu de guerra". Após a independência de Angola, ele defendeu que esse fosse o idioma oficial do país.