A AIDS tem sido chamada de doença relacionada ao comportamento (12). Se mais pessoas evitassem o comportamento sexual de risco—usando o preservativo ou aderindo à monogamia—evitariam também contrair as infecções sexualmente transmissível (ISTs) tais como a AIDS. Mas é pouco provável que a atitude da maioria das pessoas mude com relação aos preservativos, a não ser que as regras sociais também mudem (74). Em algumas culturas, prevalecem certas atitudes relativas à masculinidade que desestimulam o uso dos preservativos e estimulam os comportamentos sexuais de risco por parte do homem, entre eles freqüentar profissionais do sexo e manter múltiplas parceiras sexuais.
Alguns podem pensar, erroneamente, que não estão sujeitos a riscos ou que estes riscos são muito pequenos. Outros podem evitar os preservativos por não confiarem neles ou não gostarem da imagem associada ao seu uso.
Claro que mais pessoas usariam os preservativos se eles fossem mais acessíveis ou mais promovidos (ver capítulos 7, 8 e 9). Mas acesso e promoção não são suficientes. Da mesma forma que aumentou a necessidade do uso de preservativo e de relações sexuais mais seguras, também tornou-se mais importante que os programas abordem as questões de confiança, discussão e comunicação entre os parceiros de uma relação sexual.
Regras sociais e culturais
Freqüentemente, as regras sociais e culturais, particularmente aquelas referentes a cada sexo, desestimulam o uso do preservativo, mesmo quando as pessoas se arriscam a contrair alguma IST. As regras estimulam os homens a assumirem um comportamento sexual de risco e, por outro lado, desencorajam as mulheres a questionarem a atividade sexual de seu parceiro (186).
As desigualdades entre os sexos—o fato da mulher ter menos poder que o homem—fazem com que muitas mulheres deixem de usar o preservativo ou simplesmente deixem de discutir com seu parceiro sexual a possibilidade do uso do preservativo (269, 339, 440, 566, 587). Uma esposa que pede ao marido que use o preservativo está assumindo uma atitude mais decidida do que aquela comumente adotada pelas mulheres de muitas culturas (237, 563).
No geral, quando a mulher depende financeira e/ou emocionalmente do marido, ela tem mais dificuldade para proteger sua própria saúde reprodutiva (148, 566, 587). Por exemplo, na África Oriental e Central, mesmo suspeitando que seus maridos estejam infectados com o HIV, as mulheres concordam com o coito sem preservativo, porque a procriação é muito importante para a posição da mulher na família e na comunidade (62, 310, 357). Um estudo feito na Tailndia constatou que, para serem "bem vistas" pela sociedade, as mulheres têm que aceitar as relações extraconjugais de seus maridos, apesar de não terem, elas próprias, o mesmo direito (241, 297).
Mesmo as esposas que sabem que seus maridos têm relações extraconjugais podem ter medo de sugerir o uso do preservativo (339, 600). Para algumas, o medo da AIDS é menor do que o medo de sofrer represálias por sugerirem o uso do preservativo (54, 358). Muitas esposas temem que, se pedirem ao marido que use o preservativo, eles poderiam acusá-las de infidelidade, reagirem com violência ou mesmo abandoná-las (4, 55, 204, 237).
No Nepal, um estudo de nove comunidades constatou que, por estarem preocupadas em passar a imagem de "bom caráter", as mulheres evitavam usar o preservativo. Mesmo que apenas fizessem comentários sobre o uso dos preservativos, o caráter e fidelidade dessas mulheres seriam questionados (490). No Quênia, as esposas declararam não poder discutir questões sexuais com seus maridos, pois se o fizessem, poderiam ser acusadas de ter aprendido sobre o assunto numa relação extraconjugal (45).
O comportamento dos homens. Na maioria das culturas, o homem tem mais poder do que as mulheres para decidir sobre o uso de preservativos. No entanto, mesmo quando sabem que o sexo desprotegido pode ser perigoso, os homens freqüentemente não se protegem e nem a suas parceiras, devido à pressão de outros homens contra o uso do preservativo (289). Por outro lado, os homens têm maior probabilidade de usar o preservativo quando pensam que esta é uma norma social bem aceita. Em Uganda, por exemplo, os homens que, referindo-se ao seu local de trabalho, concordavam com a frase "muitos dos homens que trabalham aqui estão agora usando preservativos", tinham uma probabilidade três vezes maior de ter usado preservativos nos últimos dois meses do que os homens que não concordavam com a frase (345). Um estudo de adolescentes norte-americanos também constatou que eles tinham maior probabilidade de usarem os preservativos quando achavam que seus amigos também os usavam (513).
Na Tailndia, antes do sucesso do "Programa de 100% de Uso de Preservativos", a taxa de uso era baixa mesmo entre os homens que freqüentavam locais de comércio de sexo, porque seus companheiros desprezavam o uso de preservativos. Depois de iniciada a campanha, o uso de preservativos vem aumentando, à medida que as normas também mudam em função da maior conscientização sobre os riscos do sexo desprotegido (241, 297).
A imagem dos preservativos
Em alguns lugares, os preservativos tem problemas de imagem. Algumas pessoas têm uma imagem negativa dos preservativos por causa de experiências pessoais mal sucedidas, mas muito freqüentemente o problema real é a má reputação, os boatos e os mitos (19, 31, 82, 214, 219, 224, 519). As pessoas freqüentemente associam os preservativos à sujeira, ao sexo ilícito, à infidelidade e ao comportamento imoral (10, 31, 55, 63, 77, 484, 570).
No Brasil e na Guatemala, mulheres entrevistadas disseram que os preservativos são para as "mulheres da vida e não para as donas de casa". Na Jamaica o preservativo é para ser usado "fora e não dentro do relacionamento". Na África do Sul o preservativo é somente para "as parceiras escondidas" (440).
Na África Ocidental, muitos homens acreditam que o uso do preservativo é apropriado com suas namoradas ou parceiras casuais, mas não com suas esposas (219). A mudança das percepções negativas sobre o preservativo pode ajudar a aumentar seu uso. O uso do preservativo deveria tornar-se norma social e prática automática sempre que houver risco de HIV ou outras ISTs (155) (ver o quadro 2).
Percepção do risco
Muitas pessoas se iludem sobre o risco real de contrair a HIV/AIDS ou outras ISTs e, por isso, têm pouca motivação para usarem preservativos (76). Por exemplo, em Georgetown, Guiana, onde 25% da população adulta está infectada com HIV, 40% das profissionais do sexo declararam não acreditar que corriam o risco de contrair o HIV (81).
Para muitas pessoas, o risco da AIDS parece algo vago e distante, que não merece a sua preocupação nem o inconveniente e a perda do prazer sexual que associam ao uso dos preservativos (413, 587). Na África do Sul, por exemplo, os trabalhadores das minas de ouro que praticavam sexo desprotegido com profissionais do sexo consideravam que o risco de contraírem AIDS no futuro era menos real e, portanto, menor dos que os riscos reais que enfrentavam em seu trabalho diário (74).
Uma pessoa casada pode correr o risco de contrair HIV/AIDS ou outras ISTs se não souber que seu cônjuge tem outro(a) parceiro(a) sexual. Muitas esposas acreditam, mas não têm certeza absoluta, que participam de uma relação sexual monogmica (204, 260, 440, 487). Para poder avaliar corretamente o próprio risco, elas dependem do conhecimento que têm sobre o comportamento sexual de seus esposos (99, 296, 318).
Confiança, negociação e comunicação
Pelo fato do preservativo ser claramente o único método anticoncepcional que previne a transmissão de ISTs, a epidemia de AIDS tornou mais urgentes e concentrou as atenções sobre os aspectos de confiança, discussão e comunicação entre parceiros sexuais quanto ao uso dos preservativos (77, 336).
Para muitas pessoas, solicitar ao parceiro íntimo que use um preservativo dá a impressão de falta de confiança neste parceiro ou parceira (31, 69, 110, 219, 316, 601). Sobretudo nas relações mais duradouras, o pedido para usar o preservativo poderia dar uma idéia de desconfiança e não de preocupação com o bem-estar do outro (82, 259, 335, 341, 437, 504, 519, 521, 570).
Geralmente, os casais usam preservativos no início da relação sexual, mas passam para outro método anticoncepcional quando existe mais confiança entre os parceiros e quando diminui a preocupação com as ISTs (237, 372). Mas os casais devem usar preservativos durante pelo menos os primeiros três meses de sua relação e desde que ambos apresentem teste negativo para o HIV (569). Como o poder de uma pessoa para infectar é maior logo depois que ela própria foi infectada, a estratégia de usar preservativos durante muitos meses com cada novo parceiro sexual poderia reduzir substancialmente a epidemia de AIDS (412).
Mesmo se uma pessoa sabe ou suspeita que seu parceiro é infiel, ela pode não exigir o uso do preservativo porque manter a situação conjugal pode ser mais importante para ela do que evitar os riscos à saúde (77, 372, 566). Na Tailndia, muitas esposas disseram acreditar e confiar que seus maridos usariam preservativos ao visitar profissionais do sexo (241, 297).
Para muitas mulheres, casadas ou não, pode ser difícil negociar o uso do preservativo (172, 601). Em Gana, jovens não casadas que participaram de grupos focais disseram que a negociação sobre o uso do preservativo era "uma batalha perdida". Como disse uma das mulheres: "O homem já está pronto para a ação. Estou nos braços dele e aí ele faz exatamente o que quer". (214) Numa pesquisa feita em Uganda, somente um quarto dos entrevistados declarou ser aceitável que uma mulher casada peça ao seu marido para usar preservativo, ao passo que dois terços aprovavam a mesma atitude por parte das mulheres solteiras (62). As profissionais do sexo têm mais condições de negociar o uso do preservativo com os homens, porque trata-se de uma discussão não emocional (417, 601).
Comunicações sobre sexo. As pessoas precisam aprender a discutir o sexo francamente. Apesar de alguns casais discutirem o sexo e tomarem juntos a decisão quanto ao uso do preservativo, grande parte da comunicação entre os parceiros ainda é indireta. A maioria das pessoas acaba descobrindo as necessidades sexuais de seus parceiros de forma indireta ou discreta ou pela "linguagem corporal" de tais parceiros, muito mais do que por comunicação direta (53, 62, 110, 250). Mas esta comunicação indireta tem maior probabilidade de não ser bem entendida do que um diálogo.
Os parceiros que não mantêm um diálogo enfrentam maior risco de contraírem as ISTs do que os parceiros que discutem, porque sua falta de comunicação freqüentemente impede um comportamento preventivo eficaz—especialmente um comportamento que exige cooperação, com é o caso do uso do preservativo (287). Por exemplo, a análise dos dados dos Estudos Demográficos e de Saúde (Demographic and Health Surveys—DHS) do Quênia constatou que o uso de preservativos é três vezes maior (36%) entre os casais que discutem o sexo freqüentemente do que entre aqueles que não se comunicam (381).
Mudanças de comportamento para evitar a AIDS
Muitas mulheres e homens estão dizendo que mudaram seu comportamento sexual por causa da AIDS. Ao mesmo tempo, muitos outros que vivem situações de risco continuam não protegendo a si e a seus parceiros. Existem dados disponíveis sobre mudanças de comportamento devido à AIDS em 16 países da África e América Latina, conforme relatado tanto por homens e mulheres casados como nunca casados aos Estudos Demográficos e de Saúde (DHS).
Homens e mulheres casados. Entre os casados, em todos os países pesquisados, o relato mais comum de mudança no comportamento sexual em resposta à AIDS é a restrição da prática sexual somente com o cônjuge (veja a tabela 3). Outras mudanças que os casados mencionaram incluem usar preservativos, pedir ao cônjuge que seja fiel, diminuir o número de parceiros sexuais, deixar totalmente de ter relações sexuais, evitar ter relações sexuais com prostitutas, e não usar agulhas não esterilizadas para receber injeções. Entre os homens casados, o uso do preservativo foi a terceira ou quarta resposta mais comum. Entre as mulheres casadas, esta providência é mencionada com freqüência ainda menor. É evidente que muitos homens e mulheres casados dizem não ter feito nenhuma mudança no seu comportamento sexual porque já praticavam (ou pensavam que praticavam) um comportamento seguro. Poucos casais relataram ter abandonado suas relações sexuais por causa do risco de AIDS.
Homens e mulheres que nunca se casaram. Entre os homens e mulheres (sexualmente ativos ou não) que nunca se casaram e que tinham ouvido falar da AIDS, a mudança de comportamento mais freqüentemente relatada para evitar a doença foi parar de ter relações sexuais ou, no caso dos ainda não iniciados sexualmente, adiar sua primeira experiência (ver a tabela 4).
Muitas pessoas que nunca se casaram e que ouviram falar de AIDS relatam que começaram a usar preservativos para evitar a doença. Entre os homens, a proporção variou de 10%, em Moçambique, a 33%, na Nicarágua. Entre as mulheres, variou de 1%, na Eritréia, na República Dominicana e Guatemala, a 10%, na Colômbia.
Enquanto muitos solteiros relatam ter tomado providências para se protegerem da AIDS, um número substancial relata não ter mudado seu comportamento sexual. Alguns podem não ser sexualmente ativos e, portanto, não precisam mudar seu comportamento. Na maioria dos países, entre aqueles que nunca se casaram, as mulheres têm maior probabilidade do que os homens de relatar que não alteraram nada em seu comportamento sexual. Não se sabe com que precisão as declarações das pessoas refletem realmente seu comportamento.
Em um país pesquisado—Zimbábue, onde o HIV/AIDS é bastante prevalente—50% dos homens e 78% das mulheres que nunca se casaram relatam não terem feito nenhuma mudança no seu comportamento sexual em função da AIDS. No Zimbábue, como em outros 3 países, a pergunta sobre mudança de comportamento sexual da pesquisa foi feita apenas às pessoas sexualmente ativas (ver a tabela 4). Portanto, estes dados estatísticos demonstram o grande risco existente e a necessidade urgente de transformar em norma o uso do preservativo.
Population Reports is published by the Population Information Program, Center for Communication Programs, The Johns Hopkins School of Public Health, 111 Market Place, Suite 310, Baltimore, Maryland 21202-4012, USA
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