Quando era adolescente e estava no ginásio (atualmente denominado de “ensino fundamental”), cheguei a ter aulas de música em classe, mesmo sendo em uma escola do Estado, e foi quando o meu gosto pela música começou. Infelizmente, o Estado abandonou o ensino de música no currículo formal, dando prioridade para outras matérias consideradas mais importantes e na redução de custos do ensino, ou seja, não foi e não é dado o devido valor ao ensino básico musical nas escolas públicas, onde mal sabem cantar o Hino Nacional direito (ouvem mais na televisão na época de copa do mundo do que nas escolas).
Lembro que nas aulas de música, além de estudarmos teoria musical, aprendemos todos os hinos pátrios (à Bandeira, da Independência, da República, além do Nacional) além de outros (do Expedicionário, do Marinheiro, etc), muitos dos quais me recordo até hoje. Aos dezesseis anos eu já era instrutor da fanfarra no colégio onde estudei, no interior do estado de São Paulo, graças à formação que tive anteriormente, em um colégio muito maior e bem estruturado no ABC paulista, onde nasci.
Hoje tenho dois filhos adolescentes, os quais, por iniciativa própria e do meio onde convivemos, têm plena formação musical e são músicos atuantes (meu filho é meio desafinado ao cantar, mas pelo menos ele tem noção disso, o que já é um grande avanço); contudo, a esmagadora maioria das crianças e adolescentes brasileiros não tem sequer a noção e conhecimento básico desta “ciência” (não me estranhem, pois considero música uma “ciência mista”, por abranger diversos aspectos da física, matemática, fisiologia humana e psicologia), o que não ocorre em alguns países mais desenvolvidos.
Só como exemplo, nos Estados Unidos da América, a formação musical na escola começa no “junior high school” (ensino fundamental), senão antes em alguns estados. É muito comum vermos em filmes o pai ou a mãe “dando uma dura” no filho/filha por ele não estar estudando sua clarineta na hora determinada, pois a música já faz parte da formação da criança naquele país. Já no “high school” (ensino médio) e “college / university” (faculdade / universidade), existem as “marching bands” (bandas de marcha, parecidas com uma fanfarra), que também são muito comuns vermos nos filmes, quando tocam principalmente nas aberturas dos jogos de futebol americano e baseball, por necessitarem de um espaço amplo para marcharem e executarem suas evoluções. Existem até mesmo campeonatos estaduais e nacionais para todos os níveis.
Um método de ensino de música para crianças muito difundido mundialmente é o chamado “Método Kodaly”, criado pelo compositor, educador e etnomusicologista húngaro Zoltan Kodaly. Sua filosofia de educação musical é uma das mais reconhecidas no ensino da música para crianças, ainda que este método tenha sido desenvolvido na década de 40 e 50 do século passado. A filosofia foi desenvolvida por Kodaly e a pedagogia por seus colegas e alunos dele. Os princípios do ensino de Kodaly são os seguintes:
1. Toda pessoa que saiba ler, também poderá ler música.
2. Cantar é o que dá a melhor base para a musicalização.
3. A musicalização se torna mais efetiva quando se inicia na infncia.
4. Somente música com um elevado valor artístico, quer folclórico/popular ou erudito; deve ser utilizado no processo de ensino musical.
5. Músicas folclóricas e cantigas do país de origem da criança são a base da instrução da linguagem musical para a criança.
6. Música deveria ser o centro de um currículo educacional, a matéria central no ensino infantil.
No quadro abaixo, temos o exemplo da base de leitura rítmica, usando sílabas diferenciadas para um conjunto de tempos comumente encontrado, o qual é usado na metodologia Kodaly em conservatórios na França:
Mais informações sobre Kodaly e seu método podem ser encontrados na internet em diversos sites (www.kodaly.org.au, www.kodaly-inst.hu, www.oake.org/kony entre outros).
Como podemos ver, é muito raro encontrarmos alguma escola com tais fundamentos no Brasil
Na nossa realidade, algumas escolas particulares têm a musicalização como parte do currículo, sendo também raro, devido ao fato da redução de custos (professor, material próprio, e instrumentos, ambiente e espaço próprio para ensaio, etc) e, mais comumente, existem as fanfarras, que se apegam mais na parte rítmica e, em alguns casos, a arranjos para metais.
Em minha opinião, um professor da matéria de artes, em escolas que têm esta matéria, deveria obter um mínimo de formação na área musical, e não somente artes plásticas. Já no jardim da infncia, uma noção de ritmo, melodias simples, diferenciação de timbres, podem ser implementados com o uso de pequenas “bandinhas” com instrumentos rítmicos simples (pandeiros/tambores, blocos de madeira, chocalhos, casca de côco, réco-réco).
O ensino básico de teoria musical e de um instrumento para fixar a teoria seria o ideal a partir do ensino fundamental. A flauta-doce ainda o instrumento ideal, por ser bem barata, fácil de encontrar, de dedilhado simples e fácil de aprender. Um outro avanço sugerido seria o ensino de violão popular (por cifra), para classes especiais e de alunos que tenham condição de adquirir um instrumento ou escolas que tenham condição de comprar alguns instrumentos para ensino em classe específica.
Classes de canto, com músicas adequadas à tessitura de crianças até 10 anos (não excedendo a região de Ré4 - Si4); pré-adolescentes, de 10 a 14 anos (Do4 – Dó5), cantando em duas vozes; e adolescentes (cuidado com os meninos com a mudança de voz!!!), acima dos 14 anos, (Si3 – Ré5), já podendo fazer uma divisão em até três vozes.
O professor terá que adequar a tonalidade da música para que fique dentro das extensões sugeridas, adequando os cantores na tessitura de cada um, podendo abranger um repertório de música popular brasileira (Milton nascimento tem ótimas músicas – Amigo, Coração de Estudante, Maria, Maria) e peças clássicas de fácil execução (músicas natalinas são muito boas).
Eu já trabalhei com coros de tudo quanto é tipo, desde crianças até somente de homens (exceto coro só feminino) e, como regente, sentia uma diferença significativa quanto ao aprendizado das peças e à técnica quando comparávamos os cantores que tiveram uma formação musical quando criança/adolescente com aqueles que vieram “crus”, sem base alguma, só porque gostavam de música ou de cantar.
Cabe aos que trabalham com música como profissão, principalmente professores de conservatórios, a árdua tarefa de ensinar a arte da música àqueles que, às vezes tardiamente, se despertaram para esta que, para mim, é uma das mais belas expressões dos sentimentos através da arte.
Um abraço e até a próxima!
Orivaldo Hosti é flautista e saxofonista, cursou música na Faculdade Teológica Batista de São Paulo