Racionalismo helenístico e romano
No Helenismo, a mitologia adquire o prestígio do conhecimento da elite que encontrava nos feitos de seus possessores algo pertencente a determinada classe. Ao mesmo tempo, o giro cético da idade clássica tornou-se ainda mais defendida e pronunciada.[103] O mitógrafo grego Evêmero, por exemplo, estabeleceu uma tradição cuja prioridade era buscar uma base histórica real para seres e eventos míticos.[104]
Cícero via-se como o defensor da ordem estabelecida, apesar de seu ceticismo em relação aos mitos e sua inclinação de fazer concepções mais filosóficas sobre as divindades.
O racionalismo hermenêutico (relativo à Hermes) acerca do mito tornou-se ainda mais popular sob o Império Romano, graças às teorias fisicalistas do estoicismo e graças à filosofia espicurista. Os estoicos apresentavam explicações dos deuses e dos heróis como fenômenos físicos, enquanto que os evêmeristas compreendiam-os como figuras históricas. Contudo, os estoicos — assim como os neoplatonistas — promoviam os significados morais da tradição mitológica, frequentemente basendo-se nas etimologias gregas.[105] Mediante sua mensagem epicuriana, Lucrécio buscava expulsar os temores supersticiosos das mentes de seus vizinhos e cidadãos.[106] Lívio, igualmente, é cético acerca da tradição mitológica e clama que não tinha como intenção ajuizar tais lendas.[103] O desafio dos romanos com um forte sentido apologético da tradição religiosa era defender essa tradição enquanto concediam que isto era frequentemente um terreno fértil para a superstição. O antiquário Varrão — que considerava a religião uma instituição romana de grande importncia para a preservação do bem social — dedicou rigorosos anos de sua vida a estudar as origens dos cultos religiosos. Em sua Antiquitates Rerum Divinarum (que não sobreviveu aos nossos dias, embora De Civitate Dei, de Agostinho, conserva seu foco geral), Varrão argumenta que, enquanto o homem supersticioso teme os deuses, a autêntica persona religiosa os venera como parentes de uma mesma família.[106]
Em sua obra, existiam três tipos de deuses:
- Os deuses da natureza: personificações de fenômenos como a chuva e o fogo;[106]
- Os deuses dos poetas: inventados pelos bardos sem escrúpulos para incitar as paixões;[106]
- Os deuses da cidade: inventados pelos sábios legisladores para iluminar e acalmar a população.[106]
Cotta, um acadêmico romano, ridicularizou tanto a acepção literal dos mitos como a alegórica, declarando rotundamente que ambas não teriam lugar na filosofia.[103] Cícero, por sua vez, desprezava os mitos, mas, como Varrão, era enfático em seu apoio para a religião e suas consecutivas instituições estatais.[103] É difícil saber quão baixo se estendia esse racionalismo na escala social.[103] Cícero afirma que ninguém (nem mesmo velhos, mulheres ou crianças, ou qualquer outro tipo de coisa) é tolo a ponto de crer nos terrores de Hades ou na existência de Cila, de centauros e de outras criaturas compósitas,[107] todavia o orador queixa-se constantemente do caráter supersticioso e crédulo das pessoas.[108] De natura deorum é o resumo mais exaustivo dessa linha de pensamento fixada por Cícero.[103