Neuromodulação da memória
Existem acontecimentos nas nossas vidas que não esquecemos jamais. Entretanto, nem tudo que nos acontece fica gravado na nossa memória para sempre. Como o cérebro determina o que merece ser estocado e o que é lixo?
Antes de nos atermos a essas definições, é importante lembrar que a consolidação da memória ocorre no momento seguinte ao acontecimento. Assim, qualquer fator que haja nesse instante pode fortalecer ou enfraquecer a lembrança, qualquer que ela seja. Pesquisas realizadas com ratos comprovaram que durante o treino, ocorre ativação de sistema neuro-hormonais que agem modulando o processo de memorização.
A ß-endorfina parece ser a substncia ligada ao esquecimento. Este processo, apesar de algumas vezes indesejável (como numa prova, por exemplo), é fundamental do ponto de vista fisiológico. Afinal, seria inviável a vida sem nenhuma espécie de "filtro" na memória (vide hipermnésia). Outras substncias, como morfinas, encefalinas, ACTH e adrenalina (as duas últimas em altas doses) facilitam a liberação de ß-endorfina, levando ao esquecimento. É por isso que situações carregadas de stress emocional podem levar à amnésia anterógrafa, que é o que acontece quando, após um acidente de carro, o indivíduo não consegue relatar o que lhe aconteceu minutos antes.
O que determina então se uma informação deve ser armazenada? Quando uma informação é relativamente importante, ela sobrevive ao sistema ß-endorfínico, pois ocorre a liberação de doses moderadas de ACTH, noradrenalina, dopamina e acetilcolina que agem facilitando a consolidação da memória. Contudo, doses altas dessa substncia tem efeito contrário pelo bloqueamento dos canais iônicos.
Outra substncia fundamental no processamento da memória é o GABA (ácido gama-aminobutírico). Drogas que influenciem a liberação de GABA modulam o processo da memória. Antagonistas GABAérgicos (em doses subconvulsantes, pois o bloqueio total da ação do GABA pode produzir ansiedade, alta atividade locomotora e convulsões) facilitam a memorização e agonistas(substncias que mimetizam a ação do GABA) a prejudicam. As benzodiazepinas, os tranquilizantes mais prescritos e vendidos no mundo, facilitam a ação do GABA e, portanto, podem afetar a memória. Existem relatos de pacientes que apresentam amnésia anterógrada após tratamento com diazepam (nome clínico para as benzodiazepinas).
Sabe-se também que antagonistas dos receptores colinérgicos, glutaminérigos do tipo NMDA e adrenérgicos levam a um déficit de memória pois dificultam a ação das substncia facilitadoras da memorização no interior da célula.
A serotonina (outro neurotransmissor) exerce importante papel na consolidação da memória a longo prazo, que parece estar ligada a síntese protéica. A serotonina age através de receptores metabotrópicos que aumentarão os níveis de AMPcíclico permitindo a cascata de fosforilação de quinases. Isto aumenta a transcrição do DNA e, consequentemente, síntese protéica.
Os neuropeptídeos também influenciam a memorização. Pesquisas recentes envolvendo a substncia P, indicam que ela pode ter efeitos tanto reforçando a memória quando a prejudicando, dependendo do local na qual ela terá actividade.
Por fim, é importante realçar o papel da amígdala na modulação da memória, notadamente do núcleo basolateral. Esta estrutura recebe informações das modalidades sensitivas e as repassa para diferentes áreas do cérebro ligadas a funções cognitivas. Devido a seu papel central na percepção das emoções, a amígdala participa da modulação dos primeiros momentos da formação de memória de longo prazo mais alertantes ou ansiogênicos e em alguns aspectos de sua evocação. Quando hiperativada, especialmente pelo stress, ela pode produzir os temíveis brancos.