[editar] Ciúme na literatura
A intensidade dramática do ciúme faz dele um tema atraente para escritores. Alguns souberam tratá-lo com maestria e produziram obras primas. Citamos o exemplo clássico de Otelo, de William Shakespeare (1603) e de três romances da língua portuguesa:Dom Casmurro, de Machado de Assis (1899), Alves & Cia., de Eça de Queiroz (1925) e São Bernardo, deGraciliano Ramos (1934).
Otelo mata Desdêmona (desenho de Josiah Baydell, século XVIII)
Como em todas as tragédias, desde sua origem na Grécia antiga, o destino trágico dos personagens centrais está traçado desde o início. Prisioneiros de suas próprias limitações pessoais e sociais, são arrastados para ele e não podem mudá-lo.
Otelo, o general mouro de Veneza, é prisioneiro da cor de sua pele. Por seus dotes militares, é tolerado, mas não aceito pelos venezianos, que nutrem com relação a ele sentimentos racistas. Otelo está ciente desse preconceito e se sente inseguro. Para dissimular sua insegurança, comporta-se de modo grosseiro e impulsivo, a ponto de intimidar sua própria mulher, Desdêmona.
A insegurança de Otelo faz com que seja receptivo às intrigas de Iago, que desperta seus ciúmes, insinuando um romance entre Desdêmona e Cássio. O ciúme se intensifica ao longo da peça e culmina com o assassinato de Desdêmona pelo marido. Uma acuada Desdêmona não pode também fugir a seu destino, como Otelo não pode fugir do crime e de sua autodestruição.
O ciúme é um tema fundamental na tragédia, pois além do ciúme de Otelo por Desdêmona, temos o de Iago por Cássio , porque este tem um posto militar superior ao seu, e o de Rodrigo, cúmplice de Iago, por Otelo, porque está apaixonado por Desdêmona.
É em Otelo que se encontra a mais genial - e certamente a mais popular - definição de ciúme: ciúme é um monstro de olhos verdes (a green-eyed monster).
[editar] Dom Casmurro
Se Otelo é o clássico mundial de obras literárias sobre o ciúme, no Brasil esta honra cabe a Dom Casmurro, de Machado de Assis. Até hoje é motivo de aceso debate se Capitu traiu ou não o marido com seu melhor amigo, Escobar. A questão, no fundo, é irrelevante, pois para entendermos o perfil psicológico de Bentinho, basta sabermos que ele acredita ter havido adultério.
Também é irrelevante se o fato que desencadeou o ciúme - a forma intensa com que Capitu fitava Escobar no velório deste, perturbando Bentinho a ponto de impedi-lo de pronunciar o discurso fúnebre – ocorreu na realidade ou apenas existiu na imaginação do personagem.
No despertar do ciúme, teve papel certamente preponderante o sentimento de culpa que carregava Bentinho por não cumprir a promessa de sua mãe, de tornar-se padre e daí o ressentimento inconsciente contra Escobar, que o ajudara a dissuadir a mãe de seu intento, permitindo seu casamento com Capitu.
A culpa e o ressentimento eram tão fortes que Bentinho esteve a ponto de suicidar-se. Não o fez e depois de ter perdido a mulher e humilhado a ela e ao filho, se tornou o Dom Casmurro do título.
[editar] Alves & Cia.
Pode-se dizer que o romance de Eça é sobre o anticiúme. Godofredo Alves, voltando mais cedo que o costume para casa, flagra a mulher Ludovina, abandonada, sobre o ombro de um homem, que lhe passava o braço pela cintura, e constata, petrificado, que se trata de seu sócio, Machado.
Após ofender e expulsar de casa a mulher, começa a sofrer as dores do ciúme, mas, já nas primeiras páginas Eça deixa claro que o desejo de sofrer de Alves não vai longe: Então imediatamente resolveu resistir àquele estado de perturbação e inquietação./ Quis que no seu espírito reinasse a ordem; que tudo na casa retomasse o seu ar regular e calmo.
Naquele momento, ainda não manifestava Alves a intenção de reconciliar-se com Ludovina, mas aos poucos esta intenção vai se formando no seu espírito e, ao final, do romance já estão os três juntos, o casal e o amigo Machado, brindando seu sucesso na vida e nos negócios.
Há no romance de Eça uma crítica sutil ao capitalismo e o apego da burguesia a coisas materiais . A separação de Alves era ruim para os negócios da firma: seria mal visto na praça e perderia a colaboração de um sócio eficiente. à violência do ciúme segue-se a frieza do cálculo financeiro, a ponto de Alves duvidar até mesmo que tenha visto Ludovina em atitude comprometedora.
[editar] São Bernardo
Em São Bernardo, o tema do ciúme vem mesclado com uma crítica ao coronelismo dominante no Nordeste.
O Coronel Paulo Honório considera as mulheres bichos difíceis de governar, mas quer casar para ter um herdeiro. Decide que a mulher ideal seria a filha do juiz, mas indo a casa dela para pedir sua mão ao pai, encontra uma outra moça, Madalena, que lhe parece mais interessante e acaba por casar-se com ela.
Professora culta e politizada, Madalena desperta desconfianças do marido, por suas opiniões e por sua atitude generosa para com os explorados empregados de suas terras. Acha que ela é comunista e comunista, sem religião, é capaz de tudo. Passa a duvidar da honestidade da mulher. Atormenta-a de tal maneira, que Madalena comete suicídio. A vida de Paulo Honório se transforma num imenso vazio. Chega à velhice solitário, perseguido pela imagem de Madalena.
Paulo Honório era dono de terras, de gado e da vontade dos homens. Casou com Madalena, não para ter uma companheira pela vida, mas com a atitude calculada de quem está acrescentando mais um item a seu patrimônio. Este novo item tinha um único propósito: dar-lhe um filho.
Mas Madalena tinha idéias e vontades próprias, não lhe pertencia porque não se submetia. Madalena era o outro que nunca teve que enfrentar e o atemorizava.
Precisava então destruí-la, pois estava em descompasso com o mundo que conhecia até então. Mas só poderia destruí-la se elaborasse em sua mente que Madalena não prestava, daí a pecha de comunista , mais uma crítica de Graciliano aos preconceitos da época, e de adúltera.
Quando Madalena se suicida, um gesto autônomo de vontade que não esperava, dá-se conta do que havia feito e, no fim do romance, solitário, conclui: Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.
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