Templários: entre a cruz e a coroa
A popularidade do mito criado em torno da Ordem esconde o papel original que os cavaleiros desempenharam no embate entre o papado e as monarquias nacionais no século XIV
A Idade Média é um tema profundamente atual. O período é hoje tema de filmes, espetáculos, romances, festas medievais, lojas e restaurantes, sites da internet, jogos como RPG etc. Mesmo de um ponto de vista acadêmico, algumas obras recentes mostram uma verdadeira obsessão pelas origens medievais da Europa e da própria União Européia.
A Ordem dos Templários constitui um dos temas que melhor ilustram o fascínio exercido pela Idade
Media nos dias de hoje. Uma rápida consulta em qualquer sítio de busca na internet mostra a atualidade do interesse pela Ordem dos Templários. Muito se tem escrito sobre o caráter místico da Ordem, seu papel como guardiã de segredos e tesouros
da Igreja e até mesmo sobre seu caráter “demoníaco”. Por outro lado, a própria história da Ordem fornece elementos que ajudam a entender essa lenda contemporânea. O processo movido contra a Ordem pelo rei da França, Felipe IV, no início do século XIV, na medida em que incluía acusações de heresia e bruxaria, em muito contribui hoje para a associação entre os Templários e o ocultismo
O fato é que as apropriações contemporâneas obscureceram a originalidade e o significado da Ordem no período medieval. Em que pese sua fundação em um contexto cruzadístico (mais precisamente em 1120), a história dos Templários insere-se mais profundamente no projeto de Reforma da Igreja (também conhecido como Reforma Gregoriana), levado a cabo pelo papado a partir da metade do século XI. Este último buscou se servir da Ordem como um instrumento de transformação, de pacificação e de controle da sociedade.
Em 1139, através da bula Omne datum Optimum, os Templários foram colocados sob a proteção direta do papado, obtendo autonomia em relação às autoridades episcopais. Alain Demurger afirma que essa tendência à instrumentalização dos cavaleiros se acentuou durante as Cruzadas, já que essas peregrinações armadas rumo a Jerusalém combinavam o valor penitencial da peregrinação à ideologia dos “movimentos de paz”, intensificando o processo de sacralização da guerra empreendido pelos reformadores gregorianos.
Mas a conformação dos cavaleiros à ideologia eclesiástica não significava uma renúncia completa ao mundo, tal como acontecia entre os monges, e sim a submissão de suas atividades guerreiras aos desígnios do Cristo, como bem lembrou Jean Flori. Em outras palavras, eles se tornavam “cavaleiros de Cristo”, perfeitamente integrados à sociedade cristã e aos seus objetivos, e não mais cavaleiros em busca da simples glória terrena. É precisamente na conciliação de duas esferas até então incompatíveis – a vida militar e a vida religiosa – que reside a originalidade da Ordem dos Templários. A intervenção do rei da França, Felipe IV, que ordenou em 1307 a prisão de todos os Templários presentes no reino, o confisco de seus bens, bem como os processos políticos movidos contra eles, marcaram a crise do papado e o fortalecimento das monarquias nacionais.
Marcelo Cândido da Silva é professor de história medieval da Universidade de São Paulo (USP)
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