Os melhores tremoços
Já gostávamos dele quando era o ‘marisco do povo’, mas agora a ciência apoia a sua elevação ao estatuto de alimento saudável dando-nos boas razões para
exigir a sua inclusão na nova roda dos alimentos.
Bárbara Bettencourt
O seu nome vem do árabe “at-turmus”, e é da família das favas e ervilhas. Fiel companheiro da cerveja, o tremoço é um verdadeiro petisco tradicional injustamente
votado a alguma indiferença perante o carisma de uns pistácios ou até de uns amendoins.
Servido gratuitamente nas tascas e cervejarias - um pires por cada cerveja -, não é fácil encontrar nos cafés e esplanadas mais recentes, mas começa a ser
reabilitado nalguns restaurantes que recuperam acepipes tradicionais e onde é possível degustá-lo condimentado das mais variadas várias formas: com salsa,
vinagre e alho (na Taberna Ideal), marinados à moda da Madeira com pimentos, coentros e alho (o Madeirense no Parque das Nações) ou conjugados com azeitonas
pretas e pickles (no Noobai).
A verdade é que o debicámos durante anos de forma displicente, pouco sabendo da sua história. Suspeitássemos nós que as propriedades nutricionais desta
leguminosa (por que é de uma leguminosa que se trata) justificavam a sua inclusão na classe dos alimentos salvíficos e teríamos dado ao acto maior solenidade.
Assim, permaneceu com o encanto das coisas simples.
É que nutricionalmente este modesto bago amarelo está quase ao nível de um bife. Tem três vezes mais proteínas e duas vezes mais fósforo do que o leite
de vaca. E mais: é rico em fibras, vitaminas do complexo B, cálcio, potássio, ferro, vitamina E e ómega 3. E ainda mais: o seu reduzido teor em amido converte-o
num aliado nada desprezível no controlo dos níveis de açúcar no sangue e um óptimo companheiro das dietas. As suas propriedades cicatrizantes estimulam
a renovação das células da pele...
Um verdadeiro elixir, em suma. Os egípcios deviam sabê-lo, consumiam a semente do tremoceiro há pelo menos três mil anos. Actualmente a Austrália é o maior
produtor mundial. Além de Portugal, são também são apreciados na América latina e nalguns países da bacia do Mediterrâneo.
Em busca dos tremoços perdidos
Já se sabe que descobrir esse lugar mítico com a melhor cerveja e os melhores tremoços é tarefa de uma vida. Há quem nunca o encontre mas a busca em si
já vale a pena. Além dos novos locais trendy que recuperam este acepipe, só mesmo as tascas e cervejarias mais underground é que mantêm a tradição. Nas
petisqueiras da Morais Soares ou nas tascas do Cais do Sodré, em Lisboa, é certo que não lhe negarão um pires.
A Portugália e a Trindade são clássicos quase infalíveis, assim como o Eduardo das Conquilhas, na Parede, o Pinóquio, nos Restauradores, ou o Sem Palavras,
na zona de Alvalade. Não descure a pesquisa em locais mais anónimos. Se nem tudo o que luz é tremoço, às vezes os mais frescos e estaladiços podem ser
os que se ocultam em pires mais modestos.
De aperitivo a fertilizante
Para ser comestível, o tremoço tem de ser cozido e demolhado em água salgada já que o grão seco é tóxico e contém vários alcalóides que lhe conferem um
sabor amargo, como a lupanina, a anagirina ou a espartaína.
Menos conhecidas são suas propriedades como fertilizante. Recentemente uma equipa de investigadores do Instituto Superior de Agronomia desenvolveu um fungicida
natural a partir de uma proteína da flor do tremoço que pode ser usado em vinhas, por exemplo. Um autêntico adubo verde.
A maldição do tremoço
Da próxima vez que der por si a comer compulsivamente tremoços não culpe o seu temperamento aditivo. Há aqui mão da Nossa Senhora. Reza a lenda que o tremoço
é culpado de boicotar a fuga da Sagrada Família, que não conseguiu disfarçar a sua passagem por um campo de tremoceiros maduros devido ao barulho que os
ramos faziam ao serem pisados.
Que nunca matassem a fome a quem os comesse terá decretado a santa irritada. E talvez tenha resultado a maldição, para gáudio dos proprietários das tascas
que os distribuem à meia dúzia em pires minúsculos, mas tal só contribui para elevar o mito.
De resto, em 2009 já teve honras de estrela na VI Feira do Tremoço, em Cantanhede. No Peru existe até uma associação internacional que se dedica, desde 1980,a representar os interesses do tremoço.