“Era tanta saudade, é pra matar
Eu fiquei até doente, eu fiquei até doente menina
Se eu não mato a saudade, é “deixa estar”
Saudade mata a gente, saudade mata a gente menina”

Ela olhou para a lua e abriu um sorriso discreto, doce. Será que a lua seria a mesma de qualquer ngulo pelo qual se olhasse? Ela olhava a lua e imaginava se ele também estaria olhando. Pensava se seus olhos ainda se desviavam quando ele tentava mentir, pensava se ele continuava a ter pesadelos e a acordar assustado no meio da noite indo encontrar no copo de leite a solução para os seus medos. Preocupava-se se ele estaria estudando, se estaria feliz, se ainda lembrava de suas brincadeiras e segredos compartilhados. Já fazia mais de cinco anos. Será que seu irmão ainda pensava nela com o mesmo carinho infantil que a distncia imposta pelas grades tentou afastar?

Ele olhou para o relógio. Olhou em volta. Os ponteiros eram insistentes, demoravam para se mexer. Ao redor, pessoas sorrindo, pessoas chorando. Chegadas e partidas, como diria a música. Cheiro de pastel. Cheiro de ansiedade. Ficava ensaiando quais seriam as primeiras palavras que diria quando visse seus cachinhos loiros (será que ainda seriam loiros?), tantas perguntas, ele nem sabia se a reconheceria. Não sabia sua música preferida, não sabia os nomes das suas amigas, não sabia se ela ainda lembrava de seu rosto. Não sabia quem iria sair daquele ônibus que acabava de estacionar no box, mas sabia que era sua filha e que ele queria vê-la acima de qualquer coisa. Abriu os braços e esperou ver aquele sorriso ingênuo e brilhante, com seus dentinhos de leite faltando…

Ela espanou o pó daquelas velhas fotos. Contemplou com carinho a face juvenil, cheia de sonhos e de indecisões. Naquele dia seria o baile de primavera, a escolha da rainha e a coroação de um ano de festas e namoros. Procurou um porta-retrato para encaixar aquela lembrança. Olhando para cima, encontrou seu próprio rosto, o passado refletido implacavelmente em cada marca, cada ruga. Tudo o que passou, tudo o que a vida lhe fez, tudo isso estava escrito e pontuado naquele semblante cansado. Olhou de novo para o retrato, a coroação da festa foi o início de seu namoro,que seria lembrado pelos encontros furtivos no carro, as fugas no meio da noite, as flores e o pedido de casamento.
Um atropelo de passos interrompeu suas lembranças, a criança de cabelinhos castanhos quase havia caído nos degraus da escada, seu neto. Fitou o menino, voltou-se ao espelho, no fundo de seus olhos azuis aquela coroa de rainha ainda cintilava. Guardou as fotos antigas.

O presente ainda era mais bonito.