Nelim Monti 

 

Há ocasiões que fico muito irritada...

Mau humorada

Aborrecida de viver num momento tão difícil.

Uma época sem horizonte, sem futuro

Tenho muito medo...

 

Deprimida chego à janela...

Olho o céu azul.

Aparentemente igual todas as manhãs.

Minha vizinha cantarola, lavando a calçada

Algumas vezes para de cantar

Fala com alguém que passa

Na mangueira a água a correr...

 

Parece inteiramente despreocupada

Com as campanhas feitas nas escolas,

na TV, para economizar a água.

Sua calma cegueira,

Sua incapacidade de pressentir o perigo

que nos cerca...

Irrita-me profundamente.

Tenho vontade de injuria-la

 

Uma vontade enorme de assusta-la

A gritar que vai haver uma explosão...

Que o mundo vai acabar

Que estamos na véspera do Juízo Final

Que corra para seu quarto

E peça perdão por tanto desperdício.

Que temos necessidade de economizar água.

 

Para escapar da tentação...

Saio da janela

O barulho do esquicho continua

Ela tenta abafar com seu canto

que aos poucos começa a me acalmar

 

Penso...

Oh!! a inocência dos simples...

Essa pobre mulher que lava a calçada

Não sabe nada, não vê nada, não adivinha nada.

É feliz!!!

Com uma calma dignidade, espera que as coisas

aconteçam, que o destino se cumpra.

Que a sucessão dos minutos desvende

o futuro da humanidade.

Ela não tem medo.

Canta e lava a calçada, tranqüila!!!