Povo
que lavas no rio
Que vais às feiras e à tenda
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Há-de haver quem te defenda,
Quem turve o
teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida não!
Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde
manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia...
Mas a tua vida,
não!
Fui ter à mesa redonda,
Beber em malga que esconda
Um
beijo, de mão em mão...
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me
deste,
Mas a tua vida não!
Procissões de praia e monte,
Areais,
píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cntaros da
fonte?
Guardo o jeito desses braços...
Mas a tua vida, não!
Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama...
Tive a mesma
condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las...
Mas
a tua vida, não!
Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.
Rasguei certo corpo ao meio...
Vi certa
curva em teu seios...
Mas a tua vida, não!
Só tu! Só tu és verdade!
Quando o remorso me invade
E me leva à confissão...
Povo! Povo! eu
te pertenço.
Deste-me alturas de incenso.
Mas a tua vida, não!
Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas
com teu machado,
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrada
Mas a tua
vida, não!
Pedro Homem de Melo
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