OLHA O OLHO DA MENINA.
Ziraldo
Menina crescia escutando que não adiantava mentir porque Mãe sempre sabia. Mãe dizia que lia na testa da Menina, e que só Mãe sabia ler testa. Menina tentava tapar a testa com a mão na hora de mentir. Mãe achava graça. Muita graça. E continuava lendo assim mesmo. Menina precisava entender como essa coisa misteriosa acontecia. No espelho do banheiro, mentia muito em silêncio. E na testa, nada escrito! ... Aí, Menina descobriu que Mãe também mentia. E que então não era testa, era o olho com um brilho diferente – que entregava a mentira. Menina então tentava fechar o olho com força, para esconder a mentira. Mas nem isso resolvia, pois Mãe sempre adivinhava. Menina tinha era que aprender a fingir de olho aberto, que mentira era verdade. Menina tentou, tentou... e aprendeu. Era essa a solução. Mas de noite, Menina ficava apertada por dentro. Assim meio sufocada, não podia nem piscar. Com o olho muito aberto, não conseguia dormir. Faltava ar pra Menina. Igual quando a gente fica quase sem respirar rindo de uma cosquinha. Só que não tinha graça. Menina - sem querer - tinha descoberto a Consciência, uma coisa que toma conta da gente mesmo quando Mãe não está lendo testa, nem adivinhando olho. Menina tinha aprendido que ter que fingir doía. E que desse jeito ia ficar muito sem graça ser gente grande. Menina desistiu de crescer. Mas não adiantava. Menina via que agora já estava quase da altura do móvel da sala da vovó. E ficava muito triste, o aperto apertando mais. E de tanto que o aperto apertava, Menina achou que fingir só podia doer tanto porque era dor sozinha. Menina teve uma idéia. E ainda não sabia se era idéia brilhante. Mas sabia - isso sim - que precisava testar, pra conseguir descobrir. A idéia da Menina foi dizer para Mãe que era difícil fingir. Menina achava ruim aprender montes de coisas sem dividir com ninguém. Menina falou pra Mãe que era muito complicado e que não era nada bom ter que crescer sozinha. Mãe abraçou muito apertado a Menina. E no colo tão esperado, Menina estava sendo mãe da Mãe. Menina sentiu que Mãe estava chorando. E que Mãe ainda não tinha aprendido tudo. Mãe não falava nada. Mas uma e outra sabiam naquele abraço apertado que em Mãe também doía ser gente grande sozinha. Nessa hora Menina entendeu tudinho. Descobriu que só carinho é que espanta a solidão. E que a dor, se dividida, fica dor menos doída. E que aí, dá até vontade de continuar a crescer pra descobrir o resto das coisas.
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