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General: [Minha Guerra]: Três irmãos juntos nos campos de batalha
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De: misabelantunes1  (Mensaje original) Enviado: 28/04/2008 00:30

http://www.correiomanha.pt/noticia.aspx?contentid=44C5FD0E-20FE-4304-BD7B-69BD8DCE1352&channelid=00000019-0000-0000-0000-000000000019

Minha Guerra
Tr챗s irm찾os juntos nos campos de batalha

Francisco foi mobilizado para Moçambique, Fernando partiu para a Guiné e, por fim, Alexandre embarcou para Angola. Os três irmãos chegaram a combater ao mesmo tempo em África. Regressaram são e salvos. Fernando, que escapou da guerra traiçoeira, morreu num desastre na estrada

ALEXANDRE RAPOSO, BATALHÃO DE CAÇADORES 2874, ANGOLA 1969-71

Poucas mães portuguesas devem ter sofrido como a minha. Era uma mulher de trabalho, como tantas outras. Trabalhava de sol a sol, domingos e dias feriados, à frente da mercearia e taberna que o nosso pai deixou,em Campo Redondo, na freguesia de Colos, entre Ourique e Cercal do Alentejo. Mas o que a terá distinguido das outras mulheres do seu tempo foi o sofrimento de ter visto três filhos, um atrás do outro, partirem para a guerra que se travava em África. Num período de nove meses, eu e os meus irmãos estivemos ao mesmo tempo nos campos de batalha – o Francisco em Moçambique, o Fernando na Guiné e eu em Angola. Regressámos todos, sãos e salvos. Mas o Fernando morreu, em 1976, num violento desastre de viação, no Alto Alentejo: perderam a vida mais quatro colegas da empresa onde trabalhava.


Fiz a recruta no Regimento de Infantaria de Beja. Tinha feito o
equivalente ao 2.º ano do Ciclo, à noite, a ver se chegava a furriel.
Mas para isso já era preciso mais estudos. N찾o passei de cabo. Depois
da recruta e da especialidade de atirador, fui formar batalh찾o em
Évora. Fui parar à Companhia 2511 do Batalhão de Caçadores 2874 – que ficou conhecido como 'Caçadores do Sul', porque éramos todos
alentejanos e algarvios. O meu comandante de companhia era o capit찾o Carlos Ferreira Manarte, um grande homem e um bom oficial.


O batalhão embarcou, na Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa, no
paquete Vera Cruz. Nunca tinha visto um navio t찾o grande. N찾o me
esqueço da data do embarque: foi no dia 14 de Maio de 1969, fazia um sol que torrava. O navio fez-se ao mar e, não sei porquê, foi direito à Ilha da Madeira – onde ficou um dia.


Chegámos a Luanda no dia 24 de Maio. Neste mesmo dia, o meu irmão Fernando partiu de Lisboa, a bordo de um avião, de regresso à Guiné: tinha passado um mês de férias na Metrópole e voltava para a guerra,na zona de Milene. Ele era de transmissões. O Francisco já combatia em Moçambique, na região do Planalto dos Macondes.


Quando chegámos a Angola, estivemos quase duas semanas em adapta챌찾o no campo militar de Grafanil, nos arredores de Luanda.


Ao fim desse tempo de treino, o batalhão seguiu para Norte – a caminho da zona de Zemba. A Companhia 2512 ficou em Mucondo, a Companhia 2511 (a minha), a de Comando e Serviços foi para Zemba e a Companhia 2510 seguiu para Cambamba.


Decorriam os primeiros dias de Junho quando a minha companhia foi
chamada para a primeira operação – em Nambuangongo. Confesso que senti um bocadinho de receio.
A companhia p척s-se a caminho. Passámos por Santa Eulália, Tari,
Muxa-Luando, Onzo. Chegámos à célebre vila de Nambuangongo no dia 12 de Junho.


Logo na primeira noite, fomos atacados. Houve um guerrilheiro que
conseguiu iludir as sentinelas e por pouco n찾o entrou na caserna onde
dormíamos. Nós tínhamos montado uma armadilha – que era uns arames ligados a uma latas. Ele tropeçou naquilo e fugiu com o barulho das latas a caírem. Se ele tivesse entrado na caserna, certamente alguns de nós teriam morrido.


No dia seguinte, o susto foi maior. Era dia de Santo António e seriam
umas tr챗s da tarde. Alguns militares jogavam futebol. O quartel estava
tranquilo. Nem parecia que estávamos em guerra. De repente, fomos
atacados – com rajadas e granadas. Eu e mais alguns refugiámo-nos no cemitério do quartel, junto à igreja, donde ripostámos ao fogo
inimigo. Algumas das campas pertenciam a soldados mortos em 1961, no início da guerra. O soldado de sentinela escapou ileso por milagre. O posto de vigia onde ele estava foi duramente metralhado. Mas nem uma bala lhe acertou – mesmo as que faziam ricochete nas paredes de pedra.


Depois do ataque, saímos do quartel para fazer o reconhecimento da
zona. Encontrámos uma quantidade imensa de cápsulas das muni챌천es
disparadas pelo inimigo. A unidade que atacou era numerosa e estava
bem armada.


Dias depois regressámos a Zemba. Por alturas da localidade de Onzo,
deu--se um episódio. O motor de uma viatura de transporte de pessoal
fez um 'ratere'. Os soldados, ainda inexperientes, confundiram o
barulho com uma explosão – e fizeram o que deviam fazer em caso de ataque: atiraram-se para o chão, ainda com a viatura em andamento. A atrapalhação foi grande: uns não sabiam da arma, outros esconderam-se na valeta. Alguns ficaram feridos sem gravidade nos braços e nas pernas.


Em Dezembro de 1969, pedi férias para ir a Luanda ver o meu irm찾o
Francisco. Ele tinha terminado a comissão em Moçambique e regressava à Metrópole. O navio dele fazia escala de um dia em Luanda.
Concederam-me as férias. Fui num avião Noratlas para Luanda – onde me instalei, durante um mês, na pensão Arcádia. Foi uma grande emoção quando abracei o meu irmão. Passámos uma tarde na cervejaria Versalhes.


Passado o m챗s de férias, apresentei--me no quartel de Adidos, em
Luanda, para me juntar novamente à minha companhia. Estive 13 dias à espera de transporte para o Norte de Angola.
Num desses dias que passei em Adidos, coube-me na escala de servi챌os fazer de cabo da guarda. Depois de hastear a bandeira, foi-me ordenado que levasse, juntamente com um soldado negro, o pequeno-almo챌o aos
presos, que eram sete. Eu estava armado com uma pistola-metralhadora FBP com baioneta. O soldado levava uma Mauzer. Ao abrir a porta da pris찾o, coloquei o pequeno-almo챌o (café, p찾o e marmelada) em cima de uma mesa. Mas, ao recuar para a saída, um preso tentou fugir.
Colocou-se entre mim e a porta. Agarrei-o. O preso, muito mais alto do que eu, tentou dominar-me. Eu gritei-lhe que lhe espetava a baioneta na barriga. A frente da pris찾o estava virada para a avenida e dezenas de pessoas, que se deslocavam a pé para o emprego, observavam a cena.
Entretanto, o soldado negro, diz: ' Nosso cabo, se ele fugir, eu
mato-o'. O preso desistiu da fuga e eu fechei a porta.


Quando finalmente cheguei à minha companhia, em Zemba, já o meu
comandante estava informado sobre o que se passara em Luanda. O
capit찾o Manarte disse-me, ent찾o, que eu tive muita sorte em tudo ter
terminado bem.


Já em 1970, o Batalh찾o muda de Zemba para a zona de Ambrizete, no litoral. A minha Companhia (2511) instalou-se um pouco mais a Norte, em Tomboco, onde permanecemos durante dois meses. Fiquei responsável pelo depósito de géneros alimentícios em substitui챌찾o do sargento vago-mestre que foi de férias.


Depois, fomos para Benza, próximo do Rio Zaire e de Santo António do Zaire. Numa opera챌찾o de reconhecimento, detectámos um grupo de guerrilheiros e atacámos. Sofremos um morto. O soldado Ferreira morreu com um tiro na cabe챌a. Eu estava quase a terminar a comiss찾o.
Embarquei em Luanda no dia 16 de Julho de 1971. Cheguei a Lisboa nodia 27 do mesmo mês. Fiz o espólio no Regimento de Infantaria 16, em Évora, e fui para casa.

FRANCISCO RAPOSO, BATALHÃO DE CAÇADORES 1937, MOÇAMBIQUE 1967-69

Fui o primeiro dos meus irmãos a ser mobilizado para a guerra. Não foi nenhuma surpresa ter sido chamado. Eu já estava à espera – e, por
isso, fui estudar à noite com a professora da escola primária de Colos
para me preparar para os exames que me davam equivalência ao 2.º ano do Ciclo Preparatório – o que me podia dar as divisas de furriel.


Apresentei-me para a recruta no dia 16 de Mar챌o de 1966, no quartel de Vendas Novas. Depois, mandaram-me para o Regimento de Infantaria de Tavira, no Algarve, a fim de tirar a especialidade de atirador.
Estive, ainda, em Santa Margarida. Fui ent찾o incorporado na Companhia 1803 do Batalh찾o de Ca챌adores 1937.


O comandante da minha companhia era o capitão Verdasca – mas, nas vésperas do embarque para Moçambique, desapareceu. Correu na altura que ele desertou para fugir à guerra. Nunca mais ouvimos falar dele.
Foi substituído pelo capit찾o Coelho, um oficial que já tinha estado em
Mo챌ambique e sabia com o que íamos contar.


Embarcámos para Mo챌ambique no dia 27 de Outubro de 1967. O batalh찾o foi mandado para o Norte, ficou com a sede em Nangololo, ainda no Planalto dos Macondes, na província de Cabo Delgado. Era a pior zona de guerra em Mo챌ambique.


Mais tarde, quando o infortúnio me juntou com os meus irm찾os na
guerra, a minha m찾e falou com um primo nosso, o juiz Costa Raposo,
para ver se ele podia fazer alguma coisa por nós. Ele estava nessa
altura no Tribunal de Portim찾o. O juiz n찾o conseguiu evitar que os
meus dois irmãos mais novos fossem mobilizados para África.


Eu era furriel, comandava uma secção – eu e mais oito homens. Um dia, foi lançada uma grande operação em que participaram três companhias do batalhão. A minha companhia, a 1803, esteve lá. A acção decorreu na zona de Muidumbo. Foi uma coisa um bocado arriscada. Andámos durante
dois dias. Caminhámos com todas as cautelas, com receio das minas e
atentos para respondermos ao fogo em caso de emboscada. Localizámos uma aldeia de palhotas onde se abrigavam guerrilheiros e fizemos o assalto. O alferes Carvalho, um excelente homem, transmontano, foi atingido por uma seta mesmo no pescoço. Disseram depois que a seta estava envenenada. Ninguém sabe se estava ou não. O que eu sei é que o alferes teve morte quase imediata: foi atingido, caiu e morreu em segundos. No seguimento do assalto às palhotas, batemos a zona de Muidumbo. Encontrámos grande quantidade de armamento – metralhadoras, espingardas, munições, minas. Levámos tudo para Nangololo.


Recordo-me de outra opera챌찾o, também de alguma envergadura, que
levámos a cabo na zona de Miteda. Eu seguia com a minha secção à
frente da coluna. Íamos a abrir caminho.


Lá na frente havia mais medo. As sec챌천es de atiradores revezavam-se na cabe챌a da coluna. A sec챌찾o de morteiros, que era comandada pelo
furriel Aires, é que seguia sempre atrás.


Às tantas, durante a caminhada, ouvi um rebentamento atrás de mim. A malta toda, como nos ensinaram na instrução, atirou-se para o chão. O furriel Rodrigues, natural da Madeira, teve um azar dos diabos.


Quando ele se atirou ao ch찾o, caiu em mesmo em cima de uma armadilha que lá tinha sido montada pelos guerrilheiros. Era uma armadilha feita de granadas ligadas por um arame. Bastava tocar no arame para aquilo explodir. O Rodrigues caiu mesmo em cima daquilo. Ouvi a explos찾o e vi a poeira no ar. O corpo do meu camarada ficou desfeito.


Conheci pessoalmente o general Francisco da Costa Gomes. Ele era nessa altura o comandante das forças do Exército em Moçambique. Estava no quartel-general, em Nampula, e um dia foi visitar o meu batalhão, que tinha a sede em Nangololo. As companhias estavam formadas – e ele, durante a revista, passou mesmo à minha frente. Guardo dele uma boa imagem. O que a gente ouvia dizer era que ele, com a sua estratégia, estava a conseguir controlar a progressão da guerrilha. Mas o certo é que onde nós estávamos, na região do Planalto dos Macondes, a guerra ia dura. Esta zona, como a gente dizia, era o santuário da guerrilha.


Uma das companhias do batalh찾o, a certa altura, foi para um
aquartelamento em Nacatar, a sul de Mueda, que era uma zona terrível.
Nessa companhia estava um rapaz que eu conhecia aqui do concelho de Odemira – era o Simões de Oliveira. A companhia foi atacada por duas vezes mesmo sem sair do quartel. Os guerrilheiros aqui tinham muita força e atacavam a sério. O Simões veio muito abalado de Moçambique.

Eu também nunca mais fui o mesmo. Vim doente dos intestinos. E a minha cabeça só pensava na guerra: só falava da guerra – ao ponto de os meus amigos me chamarem a atenção. Durante algum tempo, até sonhava acordado: estava muito bem – e de repente ouvia alguém a gritar: 'Vêm aí eles'.

FRANCISCO VEIO DOENTE DE MOÇAMBIQUE E PRETENDE UMA PENSÃO DO EXÉRCITO

Desde que regressou de Mo챌ambique, Francisco Raposo, de 64 anos, nunca mais teve saúde: sofre do aparelho digestivo. "Foi das águas",
recorda. As queixas agravaram-se com a idade. Submeteu-se há tempos a tratamentos no Hospital Militar e melhorou. Mas a doen챌a voltou a incomodá-lo. Hoje, Francisco luta para que o Exército lhe reconhe챌a o direito a uma pens찾o. Quando terminou a comiss찾o, foi trabalhar para Lisboa, juntamente com o irm찾o Fernando, regressado da Guiné, numa empresa de elevadores. N찾o se demorou muito tempo na capital.
Regressou ao Alentejo natal. Casou-se com uma professora do ensino
básico, estabeleceu-se em S찾o Teotónio e empregou-se na C창mara
Municipal de Odemira como operador de máquinas de bombagem em estações elevatórias. Sonhava ir para a Universidade. Agradava-lhe tirar um curso de engenharia. Meteu-se a estudar, à noite, e terminou o 12.º ano com notas que fariam corar de vergonha muito estudante. Mas um desastre de motorizada, que lhe provocou um grave traumatismo craniano, deixou-o sem forças e vontade para continuar os estudos. Já está reformado.

O irm찾o Alexandre, terminada a comiss찾o em Angola, ficou a ajudar a
m찾e na taberna e na mercearia que o pai deixou, em Campo Redondo,
Colos, no concelho de Odemira. Ainda hoje mantém a mercearia. Acabou com a taberna depois da morte da mãe. É casado. Tem um filho, que já lhe deu dois netos, e uma filha, professora.

Francisco e Alexandre, além de Fernando, tiveram mais um irm찾o na
guerra: Sérgio, mais novo, esteve em Angola. Partiu quando os outros
já tinham regressado a casa.


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De: espadinha1940 Enviado: 28/04/2008 04:14
Grandes alentejanos que são capazes de enfrentar as adversidades! Curiosamente conheci o capitão Verdasca em anterior comissão em Moçambique. (Penso que será o mesmo...)
Espadinha

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De: espadinha1940 Enviado: 28/04/2008 04:14
Grandes alentejanos que são capazes de enfrentar as adversidades! Curiosamente conheci o capitão Verdasca em anterior comissão em Moçambique. (Penso que será o mesmo...)
Espadinha

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De: misabelantunes1 Enviado: 28/04/2008 04:46
Espadinha,
Grandes alentejanos que, tiveram coragem de contar a sua história, foi o que eu pensei.
Um beijinho.
Isabel


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