Canal de Opinião: por Xavier de Figueiredo, editor do «África Monitor Intelligence»
1 . A intensidade que as relações entre Angola e Portugal adquiriram é especialmente favorecida pelo clima de bom entendimento e confiança que definem o relacionamento entre governantes e responsáveis de ambos os país – uma realidade inédita e contrária a outras, do antecedente, em que o PS tinha responsabilidades de governo.
O bom nível das relações entre Angola e Portugal não se limita ao plano oficial ou entre Estados; alargou-se, no aspecto institucional, aos partidos com responsabilidades governativas, MPLA e PS e derivou mesmo para o domínio pessoal ou particular – apresentando sempre a característica de “privilegiar” círculos de poder.
O momento particularmente bom das relações entre Portugal e Angola não é alheio a uma conjuntura que acrescentou factores novos ao carácter mutuamente vantajoso identificado nas relações bilaterais:
- Angola tem excedentes de liquidez e carece de melhorar a sua imagem internacional – em especial nos aspectos da transparência e direitos humanos; na visão preponderante das autoridades angolanas, Portugal e a sociedade portuguesa revelam excepcional apetência ao estabelecimento de laços económicos (cruzamento de investimentos) capazes de resolver o problema dos excedentes, que a economia interna não consegue absorver; os novos interesses económicos dão solidez à parceria; geram identificações e influências que podem ser projectadas internacionalmente (AM 319), com benefícios políticos.
- Para Portugal, Angola apresenta a vantagem de ser uma economia em acelerada expansão; apresenta oportunidades para atrair e fixar empresas portuguesas e respectiva mão-de-obra; é um promissor mercado de destino das suas exportações; tem capacidade de investimento, público e privado, capaz de compensar a quebra do investimento externo em Portugal.
2 . O PS (Partido Socialista) é hoje em dia o partido português com o qual o MPLA tem relações mais estreitas – uma realidade que, tendo em conta as responsabilidades de Governo cometidas a cada um dos partidos nos seus países e o fenómeno novo da partidarização dos Estados, conferiu às relações bilaterais uma dimensão partidária.
A importância que o MPLA atribui agora ao PS rompeu com um passado de longa duração em que o relacionamento era nulo e/ou atribulado. Os dirigentes angolanos nunca apreciaram Mário Soares e também desgostaram de outro socialista que foi chefe do Governo, António Guterres, que trataram com frieza numa visita a Luanda.
A evidência alterou-se substancialmente com José Sócrates. Os dirigentes angolanos não só nutrem consideração pelo mesmo, como vêm em si um interlocutor no qual confiam. A apreciação “muito positiva” que fazem de J Sócrates é manifestada (AM 315) em reuniões internas, mas também em conversas com personalidades de outros países.
A confiança que as autoridades angolanas têm em J Sócrates ficou especialmente patente no facto de, na sua última viagem a Angola, anterior às eleições, o terem posto inteiramente ao corrente do que eram as suas “previsões” quanto ao resultado das eleições – as quais se vieram a confirmar.
Nos seus quatro anos de mandato J Sócrates foi duas vezes a Angola deixando de lado todos os outros países africanos lusófonos (prepara agora uma visita a Cabo Verde). Ambas as viagens foram efectuadas em circunstâncias consideradas reveladoras de “apertos” da economia portuguesa face aos quais o comércio e os investimentos angolanos constituíam um alívio.
J Sócrates denota um espírito de conservação de poder visto como favorável a boas relações com Angola. Dá preferência ou atenção especial a países (Venezuela incluída) que considera em vantajosas condições comerciais ou de investimento, susceptíveis de minorar dificuldades decorrentes dos problemas estruturais e conjunturais do seu país.
O PM passa por prestar pouca atenção a temas das relações com Angola que não sejam os económicos e/ou os assuntos políticos com implicações económicas ou comerciais. Os dirigentes angolanos, que também revelam propensão equivalente, apreciam J Sócrates igualmente por este aspecto da sua conduta.
3 . A consideração em que as autoridades angolanas têm o PM português, o Governo e o PS, também é “retribuição” de uma conduta político-diplomática considerada muito complacente. No PS actual (Relações Internacionais) parece prevalecer o entendimento de que tal complacência é um imperativo do tipo de relações existente.
Episódios como as encomiásticas declarações acerca do desenvolvimento de Angola feitas em Luanda por J Sócrates ou a celeridade de um comunicado oficial do MNE com
que o Governo considerou válidas as recentes eleições de Set.2008, muito controversas, deram azo a reacções negativas (AM 312) na sociedade angolana.
Está disseminada em meios da sociedade angolana uma ideia que associa as condutas consideradas “subservientes” de Portugal em relação ao regime do MPLA, a políticas destinadas a promover interesses económicos e empresariais portugueses – o que pode vir a revelar-se embaraçoso em termos de futuro.
As empresas portuguesas, em geral, apresentam vantagens naturais em Angola – afinidade linguística, tecnologia, processos de organização e funcionamento – mas a ideia de que a sua implantação e os seus negócios também se devem a favores do regime e estes às políticas complacentes de Portugal, pode vir a afectá-la por efeito de ónus como os seguintes:
- Tende a dar azo a “más vontades” locais alimentadas pela convicção de que a sua prosperidade é devida a “favores indevidos” (fenómeno de possível manifestação em sectores da população e entre o empresariado nacional).
- A impressão negativa causada pela ideia de que são “favorecidas”, empolada pela ideia também corrente de que muitas denotam propensão para se envolverem em negócios menos claros com a elite local, muito impopular, ofusca atributos como a sua competência e honestidade.
4 . As relações privilegiadas que o MPLA tem actualmente com o PS foram-no nos anos pós-independência com o PCP e depois com o PSD. Com nenhum destes, porém, as relações tiveram a intensidade que têm hoje com o PS – incluindo meios com o mesmo conotados – nos planos político e dos negócios.
Em meios do PSD têm sido referenciados comentários depreciativos e/ou amargos à primazia absoluta que as autoridades angolanas conferem actualmente ao PS e a individualidades a ele ligadas. Ironiza-se mesmo que o MPLA vê o PS à sua própria imagem e semelhança – como um partido que se perpetuará no poder.
(Xavier de Figueiredo)
CANAL DE MOÇAMBIQUE - 11.03.2009