A CONJUNTURA nacional e regional prevalecente permite acalentar esperanças de que o retorno à guerra em Moçambique é uma hipótese pouco provável – considera o relatório de auto-avaliação do país recentemente divulgado pelo Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP).
Muito recentemente o país recebeu uma visita da Missão de Revisão de Pares, visita essa liderada por um painel de personalidades eminentes que durante algumas semanas avaliou a integridade do processo nacional, realizou entrevistas adicionais sobre questões fundamentais da governação, entre outras realizações.
Apesar da avaliação que faz sobre a hipótese pouco provável de retorno à guerra em Moçambique, o relatório considera que existem em Moçambique factores de natureza político-militar e socio-económica que devem ser tomados em linha de conta na governação política do país para assegurar que a paz, estabilidade e segurança se consolidem. São exemplos desses factores a pobreza que afecta a maioria da população moçambicana, o elevado custo de vida, o desemprego, a exclusão social e a presença de homens armados, entre outros casos.
De acordo com o relatório, existe uma íntima ligação entre armas, drogas, crime e insegurança do Estado e das pessoas. Refere ainda que o negócio de armas e de drogas cria insegurança no Estado e no cidadão e avança que a gravidade deste fenómeno exige esforços redobrados e conjugados nos contextos interno, regional e internacional.
Segundo o relatório, a presença de imigrantes ilegais em Moçambique, com maior incidência nas províncias de Maputo, a sul, e Nampula norte, constitui, na percepção generalizada dos moçambicanos, uma ameaça à paz, à estabilidade e à segurança do país.
Diz o documento que a região da África Austral desfruta de uma estabilidade política aceitável e de um clima de segurança que inspiram uma cooperação frutífera no âmbito da União Africana. Porém, torna-se importante não perder de vista a possibilidade de a gestão de recursos humanos como a água e energia eléctrica poder vir a constitui fonte de conflitos num futuro próximo.
O MARP cita um estudo segundo o qual em Moçambique funcionam dois tipos de mecanismos de prevenção, gestão e resolução de conflitos internos, nomeadamente formais e informais, complementados por mecanismos estabelecidos no âmbito da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). Neste contexto, de acordo com o relatório, o diálogo é visto como uma estratégia apropriada para os cidadãos e as organizações políticas e socio-económicas se expressarem sobre assuntos de interesse nacional, processo que tem estado a contribuir para a consolidação da paz e da democracia no país.
O relatório do MARP salienta que para Moçambique e para os países da região um dos maiores desafios reside na luta pela eliminação de ameaças potenciais que podem perigar o desenvolvimento harmonioso do país e da região. O combate à pobreza absoluta é apenas um dos aspectos desses desafios.
GOVERNAÇÃO DEMOCRÁTICA
O país está a consolidar as práticas de governação democrática – considera o relatório do MARP. De acordo com o documento, a condição necessária deste processo democrático é a paz, depois de três décadas de conflito armado. A paz, acrescenta o relatório, deve ser nas acções de governação; através do diálogo e tolerância, da inclusão social e da justiça económica e social e da redução das assimetrias regionais.
O relatório anual de auto-avaliação do país anota que a Constituição da República garante aos cidadãos direitos civis e políticos bem como o direito à segurança e ao desenvolvimento socio-económico e cultural. Há entretanto fragilidades respeitantes à capacidade do Estado de garantir a segurança individual e colectiva e a ordem pública.
Num outro desenvolvimento, o MARP debruça-se sobre o sistema eleitoral, regulado por leis ordinárias. Refere que os processos eleitorais facilitam a participação do cidadão na função governativa do Estado e o sistema eleitoral tem validado a democracia formal.
Contudo, a sua implementação não tem sido eficaz em virtude de certos conflitos, principalmente, por imperativo legal, os processos eleitorais são conduzidos por instituições criadas na base de linhas partidárias. Este modelo político também se aplica ao Conselho Constitucional, o órgão que entre outras competências decisões sobre a homologação dos resultados eleitorais e que funciona como última instância para julgar os recursos eleitorais, lê-se no referido documento.
No que diz respeito à promoção e defesa dos direitos dos cidadãos, verifica-se em termos legais a existência de legislação adequada para esse efeito, como é o caso da Constituição da República.
O sector da Justiça registou uma grande concentração de esforços no sentido de uma melhoria da provisão de serviços judiciais, mercê do desenvolvimento dos recursos humanos nos últimos anos, se bem que o acesso à Justiça por parte da população esteja ainda aquém do suficiente e a celeridade no tratamento dos processos em tribunais continue lento.
Em Moçambique, segundo o relatório de auto-avaliação, as confissões religiosas gozam de liberdade de organização de culto, considerando-se a importância social do papel destas organizações.
A promoção dos direitos sócio-económicos e culturais mostra-se necessária em termos de se fazer cumprir com o estabelecido na legislação do país. Uma das dificuldades e lacunas constatadas pelo relatório diz respeito à insuficiente presença nas zonas rurais de instituições bancárias e de micro-financas, o que não permite que a população possa desenvolver actividades geradoras de rendimento e criar auto-emprego. Mas pela positiva nota-se o desenvolvimento e a existência de campanhas de promoção de valores culturais da população em geral, respeitando a especificidade de cada grupo populacional.