Noventa por cento da população urbana em Moçambique utiliza o português como principal língua de comunicação, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) daquele país. Mas se nas zonas urbanas o português está a crescer, nas zonas rurais, diminui. Sem escolas e sem carteiras, as dificuldades são muitas vezes ultrapassadas com força de vontade: em barracas ou debaixo das árvores, as crianças não deixam de aprender a língua portuguesa
Com um pedaço de tijolo como banco e uma frondosa mangueira como tecto, Isabel Sendela, 13 anos, apoia o caderno nos joelhos para transcreve para o caderno o que a professora acaba de colocar no quadro encostado à árvore. É aluna da EPC de Trangapasso, uma escola pública do segundo grau, nos arredores da capital provincial de Manica, Chimoio, centro de Moçambique, onde frequenta a 5.ª classe do nível primário.
As condições de ensino a que a menina está exposta repetem-se por vários distritos do interior da província de Manica, como comprovou a Agência Lusa. Sem escolas e sem carteiras há alunos que têm aulas em barracas (salas feitos de paus e capim) ou simplesmente debaixo das árvores.
Apesar da extensa cobertura da rede educacional na província de Manica, muitas são as crianças que têm o primeiro contacto com a língua portuguesa à sombra de uma árvore, sentadas no chão, de cadernos nos joelhos, o que contribui para a baixa qualidade do ensino e da aprendizagem da língua.
“Quando chove e ou faz vento somos dispensados para casa, porque ficamos sem condições de estudar. Algumas vezes somos juntados a outras turmas”, disse à Agência Lusa Isabel Sendela, que sonha ser professora.
Um estudo de 2007 da Consórcio da África Austral para a Monitoria da Qualidade de Ensino (SACMEQ, na sigla inglesa) indica que 74,6 por cento dos alunos que concluem o primeiro ciclo do ensino primário apresentam grandes dificuldades na leitura, em português, de frases simples.
Entre as causas constam as condições degradantes de ensino (salas com mais de 70 alunos e aulas expostas ao público, distraindo os alunos) e as passagens semi-automáticas, introduzidas em 2004 no âmbito do novo curriculum escolar para reduzir as taxas de reprovação dos alunos.
Se nas zonas rurais se fala muito menos o português do que nas urbanas, esse défice atinge especialmente as crianças (5-9 anos). “Geralmente aprendo português na escola e falo com a minha família (em casa) a minha língua materna (Chiúte)”, disse à Lusa, Adelina Manuel, 14 anos, aluna da 6.ª classe na EPC de Trangapasso.
“Ainda estamos apostados na melhoria e edificação de mais salas de aulas na província para a maior cobertura do ensino e na introdução de ensino secundário e superior nos distritos que já necessitam deste tipo de ensino”, afirmou o diretor provincial de educação de Manica, Estêvão Rupia.
Neste ano lectivo, que começou em Janeiro, a província regista 510.323 alunos, contra os 424.560 do ano passado. Existem 9.911 professores e estava prevista a contratação de mais 892, mas não foi possível atingir esse número, pelo que o ano começou com falta de salas mas também de docentes. “Gostaria de ter boas salas de aulas para eu aprender de forma saudável e poder transmitir os meus conhecimentos quando crescer”. Sendela não desiste do sonho de ser professora, apesar do caderno nos joelhos, do tijolo onde se senta e da mangueira que lhe serve de sala de aulas.