09/09/2010
Depois de tentar reajustar os preços das tarifas públicas por duas vezes em dois anos e ter que voltar atrás após as manifestações populares da semana passada, o governo de Moçambique está a ser encorajado pela comunidade internacional a tentar um novo caminho: implementar as chamadas "medidas de protecção social" em grande escala. Os doadores estrangeiros - que respondem por quase metade do Orçamento do país - defendem que criar ou manter subsídios para não aumentar preços pode sair "caro demais no futuro".
Um dos projectos que já foi estudado é o Bolsa Família, do Brasil. "Vamos aproveitar as experiências que deram certo. Não é preciso inventar nada", disse o ministro moçambicano das Pescas, Victor Manuel Borges. "Já seguimos neste caminho como parte da nossa luta contra a pobreza, ao implementar o Papa (Plano de Acção para Produção de Alimentos). Mas é preciso ir adiante", afirmou nesta quarta-feira (8/9), durante o coquetel em comemoração do dia da independência do Brasil, sete de setembro.
A ideia de implementar o Bolsa Família em Moçambique é recorrente. Nos últimos anos os diplomatas brasileiros vem sendo consultados sobre o projecto. As maiores dificuldades, apontam os especialistas, são a logística e a fiscalização, consideradas complexas e caras.
Instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial são a favor do fortalecimento dos programas sociais em Moçambique. A primeira vez que o tema surgiu foi num relatório do FMI de 2008, logo depois de o governo recuar no reajuste dos preços do transporte colectivo. Há dois anos e meio, o anúncio do aumento da tarifa do transporte semi-colectivo de passageiros, conhecidos como "chapa 100", provocou uma greve de motoristas e protestos nas ruas - nos mesmos moldes das manifestações da semana passada. Na época, a revolta conseguiu evitar que a tarifa fosse aumentada.
Para o FMI, manter tarifas públicas subsidiadas significa retirar dinheiro de outros sectores prioritários num país saído há apenas 16 anos de uma guerra civil, como obras públicas e educação.
Moçambique é muito dependente da ajuda externa. Cerca de 40% do Orçamento vem directamente do apoio internacional. “A dependência dos doadores vai continuar durante vários anos, porque o governo basicamente não tem recursos ou especialidades necessárias para investir”, afirmou Edward George, economista chefe do departamento de África da Economist Intelligence Unit, em entrevista à Agência Lusa, de Portugal. As doações são empregadas nos mais variados sectores, como educação, saúde e infraestrutura.
Socialista desde a independência em 1975 e arrasado por uma guerra civil que durou até 1992, Moçambique optou por abrir a economia na década de 1990. Para conseguir auxílio externo, seguiu o caminho percorrido por outros países, privatizando parte dos bens do estado e abrindo o mercado para investidores estrangeiros. Indústria, energia, hotelaria e turismo, agricultura e construção foram os sectores que mais receberam recursos no ano passado, bem como a exploração de produtos naturais, como o carvão, sector no qual actua a empresa brasileira Vale.
Internamente, o governo intensificou o combate à pobreza extrema e iniciou o processo que chamou de “revolução verde”, para fortalecer a produção de alimentos. Desde que foi reeleito, no ano passado, o presidente Armando Guebuza reforça a luta contra a pobreza com fundos de iniciativas locais e com a convocação de jovens para auxiliar na tarefa, chamados de “geração da viragem”.
Nos últimos cinco anos, o aumento médio do Produto Interno Bruto (PIB) de Moçambique foi de 7,8%. Mesmo com o crescimento expressivo da economia e a queda do número de habitantes na pobreza absoluta (de 69% em 1997 para 54% em 2003), Moçambique segue entre os países mais pobres do mundo. De um total de 133 nações, é o 129° no índice de competitividade do Fórum Econômico Mundial e o 172° lugar (entre 182) no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.
Sem petróleo ou grandes indústrias e com limitada capacidade de produção de alimentos, o país depende das importações. E fica exposto à variação dos preços internacionais. Mais de 70% das exportações moçambicanas são de alumínio produzidas pela Mozal, mas o país fica com apenas 5% da renda gerada pelo negócio anualmente. Por causa da crise mundial, as exportações moçambicanas caíram 10% em 2008.
Segundo o representante do FMI no país à época, Felix Fischer, “Moçambique está melhor posicionado que muitos países africanos para suportar os efeitos da crise" graças às reservas internacionais equivalentes a 8 meses de importações e à enxurrada de investimentos externos.
Mas, com a elevação dos preços dos combustíveis, a queda nas vendas externas de seus poucos recursos exportáveis e a diminuição da ajuda internacional, veio a pressão no câmbio, que levou a uma abrupta desvalorização do metical (moeda local) frente ao dólar e ao rand sul-africano no primeiro semestre deste ano. Mas os ganhos da população não acompanharam o salto dos preços.
No primeiro dia de setembro, programado para entrar em vigor o aumento das tarifas de água (11%) e energia eléctrica (13%), assim como do preço do pão (17%), manifestantes saíram às ruas para protestar, bloqueando vias e ateando fogo em pneus. Comércio, bancos e escolas fecharam. O governo reagiu chamando os manifestantes de vândalos. Os bloqueios foram dispersados com bombas de gás e tiros. Segundo a polícia local, só foram usadas balas de borracha. Em três dias de conflitos, 13 pessoas morreram. E os aumentos foram congelados.
Fonte: Agência Brasil (Adaptação RM) http://www.radiomocambique.com/rm/noticias/anmviewer.asp?a=5022&z=108 |