*** António Pina, da agência Lusa ***
Pretória, 29 abr (Lusa) - A presença de uma Winnie Madikizela-Mandela sorridente e descontraída na estreia de "Winnie a Ópera" no State Theatre, em Pretória, teve todos os sintomas de aprovação da versão dramatizada da sua vida, mas o público sul-africano não parece convencido.
Personagem de extremos, Winnie é o tipo de pessoa que apenas suscita ou ódio ou amor na opinião pública. Nunca indiferença. Ao esterilizar a personagem, numa tentativa de contar com a sua participação e empatia, os produtores Bongani Ndodana-Breen e Warren Willensky correram o risco de afastar o público típico da ópera na África do Sul e terão agora de viver com isso durante os curtíssimos seis dias em que a peça estará em cena na capital.
"Winnie a Ópera" narra os momentos dramáticos de uma vida dedicada em grande parte à luta contra a opressão do "apartheid". Como tal, retrata momentos pungentes, como aqueles em que Winnie é chicoteada, insultada e humilhada numa cela, às mãos da polícia do regime minoritário branco. Esse era um tempo em que os seus gritos de socorro se perdiam na imensidão do território antes de chegarem à pequena ilha-prisão onde o seu então companheiro, Nelson Mandela, viveu 18 dos 27 anos de cárcere.
Mas a vida de Winnie contém muito mais do que esses momentos. Tem uma condenação por sequestro de um ativista adolescente suspeito de colaboração com o anterior regime, e que viria a ser morto pelos guarda-costas de Winnie; condenações por fraude e burla; múltiplos incidentes de desrespeito às autoridades já depois de instituída a ordem democrática; uma colagem constante às franjas políticas mais radicais; e, acima de tudo, um divórcio litigioso do maior ícone da luta política durante o qual foi desvendado que ela foi infiel a Mandela durante e depois da luta.
Todos esses episódios fizeram de Winnie Madikizela-Mandela uma espécie de "bête noire" da política pós-1994. Ao ignorá-los, os autores da primeira ópera escrita, dirigida, produzida e cantada por sul-africanos sabiam bem os riscos que corriam, mas é cedo para apurar se valeu a pena por de pé uma tão louvável produção, sob pena de os seus custos serem integralmente cobertos pelo Estado, que a subsidiou na totalidade.
A ópera abre com uma audiência da Comissão da Verdade e Reconciliação, em 1997, durante a qual Winnie é acusada de cumplicidade direta no sequestro e assassínio do adolescente Stompie Seipei. A cena de abertura constituiu também uma forma, mais ou menos habilidosa, de lidar com a controvérsia. Uma espécie de varrer para baixo do tapete a sujidade, dando depois à peça todo o lastro possível na construção da heroína que ainda hoje, apesar de rejeitada pelo ex-marido por traição, gosta de ser vista e descrita como "a mãe da nação".
A cantora Maswangani, que dá corpo e voz a Winnie Madikizela-Mandela, revela solidez e confirma um talento que já lhe havia granjeado sucessos anteriores (como Museta em "La Bohème" de Puccini e Vallencienne na opereta "A Viúva Alegre" de Lehár) num estilo ainda pouco popular entre a maioria negra da África do Sul.
"Se alguma pressão senti foi pelo facto de trabalhar numa ópera em grande escala, não pela personagem que encarno. Para mim é apenas mais um trabalho, e contar uma história", desdramatizou Maswangani em entrevista recente.
AP
Lusa/fim
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