*** André Catueira, da Agência Lusa ***
Chimoio, Moçambique, 03 mar (Lusa) - Sob um sol abrasador, Aurélio Filipe, nove anos, regressa da escola com uma sacola pendurada no ombro, pés empoeirados no chinelo e um sorriso disfarçado, ao aproximar-se de um bailado de "valimba", uma dança tradicional.
Nessa noite vai tomar banho "para chegar limpo à escola" no dia seguinte, mas a água que gastará não é fácil de obter.
Mais de 355 mil pessoas na zona rural na província de Manica não têm água potável, ou seja, são necessários cerca de 701 furos de água para as abastecer.
Enquanto não dispõem de furos, os residentes veem-se obrigados a ir longe, a rios e riachos, em busca do precioso líquido.
"Saímos de casa antes do sol raiar. Consegui cinco bidões e teremos que poupar para tudo: cozinhar, beber e tomar banho. A roupa, geralmente, vou lavar no riacho", disse à Lusa Cristina Paulo, enquanto puxa a capulana, amarrada no "tchova" (carro de mão), para afrouxar a marcha.
As famílias acordam cedo, os que não o têm alugam um "tchova", enchem-no com bidões de 20 litros, e "vão para a luta", que não demora menos que meio-dia.
A falta de água no Inchope, um posto administrativo com cerca de 30 mil residentes permanentes, e muitos outros de passagem, pois é o grande entroncamento do país, tem "martirizado" mulheres, crianças e jovens, que percorrem longos quilómetros para se socorrer de rios, poços tradicionais e ou fontanários, para dar de beber às suas famílias.
"Temos um sério problema de falta de água potável aqui no cruzamento de Inchope. A água virou ouro aqui", queixou-se Bento António, um residente local, altamente aplaudido, durante um comício popular com a governadora de Manica.
O problema já foi apresentado, em quase todas as "presidências abertas" do Presidente Armando Guebuza à província de Manica, como ao nível provincial, nas deslocações do executivo aos distritos, mas ainda sem solução.
Pelo facto de ser rara, a água virou um negócio para o sustento de várias famílias, que a vão buscar a dezenas de quilómetros de Inchope, para vender aos residentes e às centenas de camionistas que ali estacionam, nos quatro longos corredores que cortam Inchope, aguardando para cruzar a fronteira ou continuar a viagem até o porto da Beira.
Um bidão de 20 litros de água custa em média 27 a 30 meticais (0.7 a 0.8 euros), cinco meticais (0.1 euro) mais caro que um prato de arroz e feijão, nas barracas que servem os viajantes que cruzam o Inchope.
Em média, por dia, uma pessoa consegue vender sete bidões, o que no total equivale a cerca de 210 meticais (5,6 euros). Num mês, um vendedor consegue faturar até 170 euros - quase o triplo do salário mínimo na função pública.
As autoridades governamentais em Manica reconhecem o problema e garantem que o Governo tem vindo a procurar soluções para "libertar" as pessoas da crónica situação da falta de água no posto administrativo de Inchope.
"Temos consciência da situação da água em Inchope, já fizemos várias tentativas de abertura de furos, diferentes empresas foram contratadas, mas não encontram água, ou porque a água está longe ou porque encontram rocha", explicou Ana Comoana, governadora de Manica.
A governante disse que, perante a situação, foi contratada uma consultoria para encontrar a solução viável para a distribuição de água potável ao Inchope, tendo o resultado apontado para a montagem de um sistema de abastecimento, que ainda precisa de financiamento.
AYAC.
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