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Quando eram pequenas, as ratazanas eram magras e tinham fome. Mas as ratazanas nunca perguntam se isto ou aquilo é de alguém, de ninguém ou de todos. Limitam-se a devorar tudo o que lhes aparece à frente.
Assim, com o passar do tempo, engordaram.
Na cidade, à superfície, há edifícios bonitos. São fachadas ligadas por passagens debaixo da terra. É por aí que correm as ratazanas. As ratazanas constroem túneis na cidade.
Vivem em sítios murados ou condomínios fechados, de preferência com piscina ou spa. É uma coisa que lhes ficou do tempo dos esgotos. As ratazanas são predadores. As suas vítimas deixam-se enganar pelas cores e formas, vêem palácios cor-de-rosa, edifícios brancos com colunatas, portões imponentes, jardins e relvados. As vítimas não vêem a rede de canalização que liga os grandes edifícios da cidade. As fachadas têm rampas com entradas blindadas, para as ratazanas poderem entrar e sair, em coches, sem serem vistas quando se querem misturar entre as pessoas.
O resto do tempo as ratazanas movem-se debaixo da terra entre os palácios cor-de-rosa, os edifícios de colunas brancas e as dependências que têm por toda a cidade. São edifícios com nomes de santos, em latim ou noutra língua, para enganar. Ou só siglas, para esconder. As ratazanas usam muitas siglas. É o seu código.
A rede subterrânea é o habitat natural dos roedores. Ninguém, que não seja uma ratazana, pode entrar nos esgotos e nas galerias debaixo da terra. Se alguém, que não seja uma ratazana, tenta fazê-lo, acaba por ter que recuar para voltar à superfície para respirar. Ninguém aguenta o cheiro dos despojos a decomporem-se. Se aguenta, é porque está a transformar-se numa ratazana. As ratazanas da cidade alimentam-se de tudo o que não é delas, do que é humano. E engordam. Se uma ratazana é apanhada a roer a mão ou o pescoço de uma pessoa, as outras ratazanas protegem-na. As ratazanas têm mandíbulas muito fortes. Nuncam largam as suas presas.
A próxima vez que vir uma sigla, que ouvir alguém a falar, na televisão, ou mudo, a sorrir, do alto de um cartaz, tenha cuidado. O mais certo é dentro do fato com gravata, por cima das siglas e das palavras caras, estar uma ratazana.
Texto © Miguel Szymanski 2012

http://economistaacidental.blogspot.pt/2012/06/as-ratazanas-uma-fabula-urbana.html