África foi empurrada para trás e para o fundo, até atingir as profundezas da
pobreza e da fome. Nesse movimento vertiginoso, Angola esteve sempre no centro
do furacão, como reconheceu, com grande perspicácia, Basil Davidson. Se hoje
lançarmos um breve olhar para o passado, ficamos com dúvidas para definir o que
foi pior: se o esclavagismo, os malefícios da Conferência de Berlim ou o
movimento neo-colonialista que se instalou no continente a partir dos anos 50.
O que sabemos é que os africanos vivem mergulhados no mais atroz sofrimento, há
muitos séculos.
Os que empurraram África para o fundo e para trás hoje dizem, com suprema arrogncia,
que nada têm a ver com as tragédias que sempre vivemos. Pelo contrário, acusam
as elites africanas de todos os males, dos quais destacam, com especial ênfase,
a corrupção.
Países que nasceram do latrocínio e da corrupção apresentam-se hoje como paladinos
da moral e cavaleiros sempre prontos a defender a democracia. Mas os impérios
ocidentais foram construídos com base na pirataria, na ocupação pela força e no
genocídio. Bartolomeu de Las Casas sabia do que falava. Mas se quiserem um
exemplo em língua portuguesa, leiam os sermões e cartas do Padre António Vieira
e ficam a saber o que aconteceu aos seus bem amados índios do Brasil e qual era
a vida dos escravos africanos.
As capitais imperiais, mesmo que decrépitas e transformadas em grandes
metrópoles do crime, ostentam ainda hoje as marcas do latrocínio e da suprema
corrupção. As grandes potências coloniais jamais conseguirão pagar uma ínfima
parte do que devem aos povos africanos, americanos e asiáticos. Como estão
praticamente todas na bancarrota, o mínimo que se exige é que tenham decoro. As
potências coloniais não podem falar em cooperação ou ajuda aos povos que
outrora espoliaram ou simplesmente eliminaram, porque ao não pagarem o que
devem, são verdadeiramente ajudadas pela magnanimidade e superioridade moral
das suas vítimas.
África está a sangrar. Sempre esteve. África tem fome. Sempre teve. África
sofre horrores, porque não tem infra-estruturas, não tem educação de qualidade,
não tem saúde para todos. Sempre foi assim. Mas no horizonte está a nascer um
novo sol, que ilumina um caminho diferente para os povos africanos. A reunião
em Luanda do Comité Regional da OMS é a revelação desse novo mundo que nasce no
continente.
Os governos africanos começam a apostar decisivamente nos cuidados primários de
saúde. Milhões de crianças são vacinadas contra doenças terríveis e ficam
imunizadas. Os cuidados às mães e aos recém nascidos começam a fazer caminho
nas comunidades rurais e ganham expressão muito visível nos centros urbanos.
As autoridades sanitárias do continente deram as mãos para erradicarem doenças
mortíferas como a malária, a meningite ou a poliomielite. Ainda não é tudo o
que merecem as nossas crianças, mas já é muito mais do que tínhamos há apenas
dez anos.
Os governos africanos comprometeram-se em Luanda a apostar forte na formação de
recursos humanos para a saúde. Precisamos de médicos, enfermeiros, técnicos de
laboratórios e de imagem. Precisamos de explorar ao máximo as novas
tecnologias. Hoje, a comunidade de uma aldeia longínqua pode ter à sua
disposição médicos de Luanda. Basta usar uma aplicação informática e ter na
aldeia um enfermeiro. São avanços maravilhosos que permitem salvar vidas.
A formação dos recursos humanos na área da saúde e dentro do sector, nos
cuidados primários, marca a diferença entre a vida e a morte que pode ser
evitada com facilidade. Sem uma aposta forte na Educação não há
desenvolvimento. E sem saúde, a economia fica tanto ou mais doente que a
sociedade.
A reunião de Luanda do Comité Regional da OMS concluiu isso mesmo. Os governos
dos países que participaram nos trabalhos assumiram corajosamente que vão
destinar mais fundos à Saúde e à Educação, um binómio indispensável ao
desenvolvimento e ao bem-estar dos povos.
Os delegados dos países que vieram à reunião de Luanda da OMS reconheceram, unanimemente
que o Ministério da Saúde e os seus parceiros fizeram um excelente trabalho. O
ministro José Van-Dúnem e a sua equipa estão de parabéns, pelo êxito da reunião
regional da OMS, mas sobretudo porque foram reconhecidos publicamente os
avanços extraordinários feitos nos últimos dez anos, na saúde materna e
infantil, nas campanhas de vacinação, no combate à malária e ao vector da
doença.
Luís Gomes Sambo, o responsável regional da OMS, no final recebeu uma mensagem
de gratidão por parte de todos os países presentes. Uma homenagem merecida a um
homem que fez da saúde em África um sacerdócio e contribui, diariamente, para
salvar milhões de vidas humanas.
As antigas potências coloniais, sobre a reunião do Comité Regional de África da
OMS em Luanda, nada disseram. Nem uma simples imagem da abertura ou do
encerramento passou nas televisões ocidentais. É a inveja na sua mais sórdida
dimensão! Mas ao mesmo tempo os africanos revelam uma dimensão humana grandiosa
e não lhes batem com a porta na cara. São indulgentes e mais do que isso: estão
sempre de braços abertos para um amigo, mesmo que seja falso ou de
conveniência.