Em 23 de Janeiro de 1995 o jornal Público dirigido então por Vicente
Jorge Silva ( que hoje debita inanidades na tv) publicou uma extensa
reportagem sobre a década prodigiosa do cavaquismo, isso "no dia em que
Cavaco se define", ou seja quebrava o "tabu", ou seja desvendar o que
iria fazer da sua vida. Poderia ter dito: acabou, falhei, nunca mais
volto à política. Porém, como se sabe, a "História não acaba assim"...
Nos anos em que alcançou duas maiorias absolutas ( 87 e 91) Cavaco foi o
"chefe" e poderia ter feito o que muito bem entendia
macro-economicamente. Estávamos na CEE, em breve na UE e dali não
sairíamos porque recebíamos milhões e milhões de "fundos estruturais".
Mas...seriam os problemas de Portugal essencialmente económicos? E tinha
Cavaco as pessoas mais adequadas para pensar esses problemas, mesmo
económicos? E os outros problemas, de cultura, educação e
desenvolvimento real, como é que o Estado e os três governos de Cavaco
resolveram a equação, com as pessoas que tinha a governar em maioria
absoluta e o país rendido, numa expectativa que se frustrou, como agora
se deve reconhecer e em 1995 era já notória. Tão notória que apareceu
outro salvador, da área do socialismo democrático, de seu nome Guterres
que concitou outra maioria absoluta com promessas e bolos políticos e
durante meia dúzia de anos enganou novamente os portugueses ( de tal
modo que um dos seus ministros emblemáticos, Sousa Franco, pronunciou
publicamente num restaurante que o governo de então "era o pior desde D.
Maria"). Isso será outra História, a seguir,
Por enquanto fiquemos nesta, de Cavaco.
Em 22 de Abril de 1989, a Revista do Expresso publicou este artigo de
página, da autoria de um insuspeito António José Saraiva, um intelectual
como já não temos ( Eduardo Lourenço leva hoje no Público uma rabecada
em grande, de VPV), sobre uma figura que já então suscitava curiosidade
aos portugueses em geral: Salazar. É lero que Saraiva escreve: "Salazar
foi, sem dúvida, um dos homens mais notáveis da história de Portugal e
possuía uma qualidade que os homens notáveis sempre possuem- uma recta
intenção." Os comunistas não gostaram desta prosa de um antigo
camarada...que afinal não chamava fassista ao ditador.
Os governos de Cavaco suscitaram muita curiosidade e expectativa pelas
promessas de "pogresso" ( era mesmo assim que Cavaco falava na altura,
por isso...) e ideias de "homem novo" e outras expectativas que
colocaram muito alta a fasquia do futuro melhor para todos.
Em Abril de 1992 apareceu a revista Fortuna, dirigida por Álvaro de Mendonça. O tema de capa era já Belmiro de Azevedo.
No interior fazia-se um apanhado jornalístico sobre os ministros de
Cavaco, com apreciações do ponto de vista de um "sector de ponta" em
vias de aparição e que nunca mais nos largaria- o dos economistas
especialistas em gestão. Olhavam assim para os ministros de Cavaco:
Como se vê, o mais desgraçado de todos era...Braga de Macedo, visto como
académico, desligado das realidades económicas e "não daria um grande
gestor", segundo os gurus da revista.
Outra revista surgida uns meses antes, a Valor, no primeiro número de
8.11.1991 fazia uma apreciação da politica económica do governo de
Cavaco dirigida por aquele Braga de Macedo e também uma certa Manuela
Ferreira Leite, agora muito crítica do suposto neo-liberalismo deste
actual governo social-democrata.
Na senda da descoberta do caminho certo para a nossa economia aditivada
com as ajudas estruturais da CEE, havia como sempre os do "contra". Como
é costume aquele que teve sempre razão deu azo a uma crónica de VPV no
Público de 7 de Julho de 1990, em forma de "Carta ao patrão dos
patrões", na altura o já notório Pedro Ferraz da Costa que merecia ser
ouvido muito mais do que é- e seguido. Não foi por falta de aviso que os
governos de Cavaco falharam. For por soberba, pura e simples. E
devorismo de uns tantos cuja história virá a seguir.
Apesar da auto-suficiência e dos conselhos amigos de quem tinha
experiência e saber acumulados, num dos governos de Cavaco, um ministro
teve a ideia peregrina de convocar meia dúzia dos tais economistas
especializados em gestão, formados em ideias anglo-saxónicas (
percursores dos cursos da Católica, onde aliás se formou Vítor Gaspar) e
com grande pompa e gasto a condizer, convidou um dos então gurus da tal
gestão tipo Drucker. Michael Porter was his name e só falava inglês,
conhecendo coisas como "clusters", cuja tradução para português nem
sequer foi tentada porque o parolismo da época transplantou-se para o
presente e apesar de algumas firmas de advogados apostarem muito na
língua portuguesa, continuam a falar para inglês ver. O fenómeno
parolístico começou nessa altura. Será que os alemães também se exprimem
nesse inglês técnico de gestão corrente?
Então a revista Fortuna de Dezembro de 1993 publicou uma separata sobre o
famigerado "relatório Porter" e uma entrevista com o seu mentor Mira
Amaral, que apresentava o dito cujo não sem esclarecer que "o que eu não tenho é o impacto mediático que tem o professor Porter. As ideias já eu tinha."
Parolice maior será difícil encontrar: perante a incapacidade em
mostrar e convencer os portugueses das "ideias que tinha", o cavaquismo
convida um americano para estudar, conjuntamente com uma equipa ( os
nomes vêm na revista e são uma dúzia de jovens formados nas tais escolas
de "gestão") e elabora um relatório. Destino do relatório? Lixo. Nunca
foi aplicado devidamente. Portugal e as ideias que o cavaquismo tinha
foram assim mesmo: uma frustração em grande.
Quanto ao tal Mira Amaral que agora aparece bem posicionado na vida, na
mesma altura declarava a uma revista de automobilismo que a sua maior
ambição em carros era ter um Mercedes classe C. Outro que também
aparecia a mostrar o seu desejo automobilístico era um tal Fernando
Gomes, um dos tais economistas formados nas antigas escolas industriais e
que foi presidente da cmara do Porto. Agora administra uma empresa
pública com salário a condizer com o estatuto que então ambicionava: ter
um BMW série 5. Está tudo dito...
Não admira nada por isso que a prognose póstuma efectuada pelo Público
em 23 de Janeiro de 1995 fosse uma grande, enorme frustração e
desencanto. Apenas sobre a Economia ficam duas páginas que mostram que
afinal o cavaquismo foi mesmo a génese da nossa destraça colectiva.
Alguém duvida? Alguém contesta?
O nosso fado teria mesmo que ser este, com este Cavaco e estas
personagens de opereta como dantes se dizia? Não tínhamos melhor? Se
calhar não porque a seguir ainda veio pior...
Em 1995, o PS apresentava-nos 100 nomes 100 para nos governar. Deus meu,
como foi possível acreditar outra vez nessa desgraça? A História segue
dentre de dias.