A Sabedoria do Sofrimento
O
sofrimento não tem menos sabedoria do que o prazer: tal como este, faz
parte em elevado grau das forças que conservam a espécie. Porque se
fosse de outra maneira há muito que esta teria desaparecido; o facto de
ela fazer mal não é um argumento contra ela, é muito simplesmente a sua
essência. Ouço nela a ordem do capitão: «Amainem as velas». O intrépido
navegador homem deve treinar-se a dispor as suas de mil maneiras; de
outro modo, não tardaria a desaparecer, o oceano havia de o engolir
depressa. É preciso que saibamos viver também reduzindo a nossa
energia; logo que o sofrimento dá o seu sinal, é chegado o momento;
prepara-se um grande perigo, uma tempestade, e faremos bem em oferecer
a menor «superfície» possível.
Há homens, contudo, que, quando se aproxima o grande sofrimento,
ouvem a ordem contrária e nunca têm ar mais altivo, mais belicoso, mais
feliz do que quando a borrasca chega, que digo eu! E a própria
tempestade que lhes dá os seus mais altos momentos! São os homens
heróicos, os grandes «pescadores da dor», esses raros, esses
excepcionais de que é necessário fazer a mesma apologia que se faz para
a própria dor! Não lha podemos recusar! São conservadores da espécie,
estimulantes de primeira qualidade, quando mais não seja porque
resistem ao bem-estar e não escondem o seu desprezo por essa espécie de
felicidade.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
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