Um dos fenômenos sociológicos mais interessantes da História do Império
Romano foi o gradativo desinteresse das elites que compunham o
patriciado em quererem conduzir os assuntos do estado. Ditadores e
imperadores autocratas, ao longo do tempo, escorraçaram as pessoas
melhores qualificadas para a gestão pública, substituindo-os por
lacaios e libertos. Assim, enfraqueciam o núcleo dirigente sem que esse
fosse o objetivo deles, preparando a decadência.
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Legionários na Britnia
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"mas nós, que agora ficamos sentados, inativos, em nossas terras, perdermos a pátria." Virgílio - Eneida, Livro XII, 30-19 a .C.
Para o seu tio-avô, ninguém menos do que o imperador Otávio Augusto,
Tibério Cláudio Druso, ou simplesmente Cláudio, era um pateta. Para
nada servia. Sua infncia fora assolada por doenças de toda ordem,
coisa que enfraqueceu-lhe o corpo e mais ainda a mente. Ainda assim, o
soberano recomendava que lhe prestassem as homenagens devidas por ele
pertencer a família Julia, por cujas veias circulava o precioso sangue
de César, e também para que não rissem dele, apesar de “retardado e
enfermiço” . Cláudio chegou ao poder aos cinqüenta anos graças a um
golpe palaciano, quando a guarda pretoriana rebelada, no ano de 41,
matou seu antecessor Caio César Calígula, um incestuoso degenerado que,
excitado pela loucura e o capricho, quis ser deus.
Na falta de
um outro, os soldados escolheram o palerma. Cláudio, porém, surpreendeu
a todos(*). Não se saiu de todo mal como imperador, visto que justo
pelas leituras intensas que fizera, sabia Homero de ponta a ponta,
acumulara uma sabedoria suficiente e um conhecimento histórico o
suficiente para manter-se no leme do estado. Tão simples mostrou-se que
rejeitou festas de coroamento como também o titulo de “imperador”. Além
de ter reformado o importante porto de Óstia, ocupado as ilhas
Britnicas, organizou jogos e divertimentos para o povo, restaurando
antigos teatros, enquanto com buzinas de um Tritão fantástico,
reproduziu uma batalha entre as esquadras da Sicília e de Rodes, com 12
naus cada uma. Um delírio.
(*) Cláudio confessou certa vez que
fingiu-se passar por retardado para não chamar a atenção de Calígula,
sobrevivendo assim a ele.
A celebração do bucolismo
Curiosamente, entronado com a tiara de César no alto da
cabeça, sua saúde melhorou. Suetônio o descreve dotado de uma bela
cabeleira branca, corpo ágil, “delgado e bem feito”, que lhe dava um “
ar de grandeza e dignidade”, Censuraram-no por deixar-se dominar pelos
libertos e pelas mulheres (Cláudio, depois de dois casamentos
anteriores, esposou Valéria Messalina, e, em seguida, Júlia Agripina, a
mãe de Nero, que o envenenou com um prato de cogumelos). Ocorre que
parte disso, da influência de subalternos ignorantes, decorreu por
culpa do seu famoso antepassado, o imperador Otávio Augusto. Temeroso
em ter que conviver no Ara Pacis, o templo em que erguera pela paz, com
potentados por perto, alguns deles com exércitos privados, Otávio achou
por bem, para livrar-se deles, fazer uma campanha publicitária a favor
da vida rural.
Para tanto, estimulou o poeta Virgílio para que
compusesse umas écoglas (As bucólicas, de 42-37 a.C.) celebrando a bela
paisagem do campo. Coisa boa era ser pastor ou vaqueiro, caminhar em
meio as ovelhas, aspirando ar puro, e não aquela fetidez que exalava
das cloacas de Roma. Que o patriciado romano, abandonando a grande
cidade, voltasse a habitar nos seus domus , maravilhosas propriedades
campestres, bebendo um bom vinho, passando o tempo em brincadeiras
sapecas com as “pastorinhas”, as criadinhas e moças do campo. Era um
aberto menosprezo à corte e o elogio a aldeia. Que os grandes se
convertessem à sobriedade do estoicismo ou aos exageros do epicurismo
desde que deixassem o imperador com as mãos livres para governar sem a
presença sufocante e constrangedora deles. O resultado desta política
de esvaziar Roma dos seus homens qualificados é que, com o tempo, o
império viu-se despido dos seus melhores quadros.
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