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FILOSOFIA: Filosofia Política
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De: Lúcia Dias (Mensaje original) |
Enviado: 23/10/2009 01:12 |
Introdução à Filosofia Política
"Claro que será possível ler este livro e ficar com tantas dúvidas como antes. Mas não devemos subestimar o progresso que representa avançar da ignorncia desnorteada para a perplexidade informada."
As duas questões
Alguns autores afirmam que em Filosofia Política há apenas duas questões:
"Quem fica com o quê?" - diz respeito à distribuição dos bens materiais e com os direitos e as liberdades. Qual a justificação para a posse de riqueza? Que direitos e liberdades devem ser atribuídos às pessoas. Haverá alguma boa razão para uma pessoa possuir mais riqueza do que outra?
"Quem disse?" - diz respeito à distribuição do poder político: o direito de dar ordens aos outros e de os submeter a um castigo. Quem deverá deter este poder? Existirão limites justificados à minha liberdade?
As respostas
O anarquista exige a autonomia do indivíduo enquanto o autoritarista defende o poder do estado.
O filósofo político pode determinar o equilíbrio entre a autonomia e a autoridade.
Disciplina Normativa
A filosofia política é uma disciplina normativa, isto é, tenta estabelecer normas (regras ou padrões). Normativa em oposição a descritiva. Um estudo descritivo tenta descrever como são as coisas. Um estudo normativo tenta descrever como deviam ser as coisas. Um filósofo político não se preocupa com "qual é a distribuição da riqueza no mundo" mas "qual deveria ser a distribuição da riqueza no mundo".
Evidentemente os estudos descritivos influenciam os estudos normativos da filosofia de política.
A impossibilidade do agnosticismo em filosofia política
Ao contrário do que acontece noutras área da filosofia em que o agnosticismo é uma posição respeitável, em filosofia política, não há refúgios. Na FP o agnosticismo anula-se a si próprio.
Em todas as sociedades existe uma distribuição do poder e da riqueza, nada dizer ou fazer é, na prática dar aval à situação actual, por insatisfatória que seja.
O estado de natureza
A distribuição do poder político é feita através de um estado que reparte esse poder pelos seus diversos órgãos. Um ponto de partida para pensar sobre o estado é pensar em como seriam as coisas sem ele. Vários filósofo políticos analisaram esta questão.
Thomas Hobbes (1588-1679)
Na sua maior obra, Leviatã, de 1651, Hobbes afirma que nada pode ser pior do que a vida sem a protecção do estado e portanto, o governo forte é essencial para assegurar que não caímos na guerra de todos contra todos.
Hobbes chama Estado de Natureza a um mundo sem governo. Nesse estado "não há lugar para a indústria porque o seu produto é incerto e, consequentemente, não há cultivo da terra, navegação, nem utilização dos bens que têm de ser importados por via marítima, não há construção espaçosa, não há meios para deslocar e retirar coisas que requeiram muita força, não há conhecimento à face da terra, nenhum registo do tempo, não há artes nem letras, não há sociedade e, pior que tudo o resto, há um medo contínuo e o risco de morte violenta. E a vida do homem é solitária, pobre, desagradável, brutal e breve", Hobbes, Leviatã, 186.
Hobbes pensava que o estado de natureza seria tão desesperado essencialmente porque, na ausência de governo, a natureza humana conduzir-nos-ia, inevitavelmente, ao conflito grave. Assim, para Hobbes, a FP começa pelo estudo da natureza humana.
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John Locke

Locke e o pensamento político.
Quando Locke escreveu os Dois Tratados sobre o Governo, a sua principal obra de filosofia política, tinha dois objectivos: refutar a doutrina do direito divino dos reis e do absolutismo régio, como tinha sido apresentada no livro de Robert Filmer, Patriarcha, assim como criar uma teoria que conciliasse a liberdade dos cidadãos com a manutenção da ordem política. A refutação da teoria de Filmer no primeiro Tratado é completa. A teoria de Filmer sobre a soberania absoluta de Adão, e dos reis enquanto descendentes do primeiro homem, perdeu qualquer interesse, e o argumento de Locke tornou-se o padrão. Mesmo não havendo referências directas a Hobbes, Locke parece tê-lo tido em mente quando defendeu que o poder absoluto dos reis mantêm o estado natural entre o soberano e os súbditos, no seu relacionamento mútuo. As doutrinas apresentadas no segundo tratado tornaram-se a base de filosofia política e social, durante gerações. Para Locke o Trabalho é a origem e a justificação da propriedade. O contrato, ou o consentimento, é a base do governo e da fixação dos seus limites. Sendo que as duas doutrinas se baseiam na independência da pessoa enquanto indivíduo. O estado natural não conhece o governo, mas nele, assim como na sociedade política, os homens estão sujeitos às regras da moral, que não é mais do que a Lei de Deus. Os homens nascem livres e com os mesmos direitos, e o que quer que o homem «misture com o seu trabalho» é para sua utilização. Ou, em princípio, era assim que era na sociedade primitiva, em que havia o suficiente para todos «e a terra inteira era a América.» Locke defende que, quando a humanidade se multiplicou e a terra se tornou insuficiente para todos, foram necessárias regras para além das criadas pela lei moral ou natural. Mas a origem do governo não se baseia nesta necessidade económica, mas noutra causa. A Lei Moral é sempre válida, mas não é necessariamente mantida sempre. Na sociedade natural todos os homens têm o mesmo direito de punir um transgressor. De facto, a sociedade civil nasce quando, para uma melhor administração da justiça, os habitantes acordam entre si delegar esta função a determinados funcionários. Assim o governo é instituído por meio de um «contrato social», sendo os seus poderes limitados, envolvendo obrigações recíprocas, sendo que estas obrigações podem ser modificadas os revogadas pela autoridade que as conferiu. É por isso que a teoria de Locke é tão pouco histórica como a de Hobbes. É tão só uma explicação intelectual da origem do governo constitucional, tendo como propósito a justificação das conquistas da Revolução de 1688, de acordo com as ideias do tempo. Uma explicação que introduza uma visão histórica só será realizada por Montesquieu. | |
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Maquiavel |
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Mais de quatro séculos nos separam da época em que viveu Maquiavel. Muitos leram e comentaram sua obra, mas um número consideravelmente maior de pessoas evoca seu nome ou pelo menos os termos que aí tem sua origem. "Maquiavélico e maquiavelismo" são adjetivo e substantivo que estão tanto no discurso erudito, no debate político, quanto na fala do dia-a-dia. Seu uso extrapola o mundo da política e habita sem nenhuma cerimônia o universo das relações privadas. Em qualquer de suas acepções , porém , o maquiavelismo está associado a idéia de perfídia , a um procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro. Estas expressões pejorativas sobreviveram de certa forma incólumes no tempo e no espaço, apenas alastrando-se da luta política para as desavenças do cotidiano."
Assim , hoje em dia , na maioria das vezes, Maquiavel é mal interpretado. Maquiavel, ao escrever sua principal obra, O PRÍNCIPE, criou um "manual da política", que pode ser interpretado de muitas maneiras diferentes. Talvez por isso sua frase mais famosa: -"Os fins justificam os meios"- seja tão mal interpretada. Mas para entender Maquiavel em seu real contexto, é necessário conhecer o período histórico em que viveu. É exatamente isso que vamos fazer.
Painel histórico :
Maquiavel viveu durante a Renascença Italiana , o que explica boa parte das suas idéias.
Na Itália do Renascimento reina grande confusão. A tirania impera em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica ou de direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder gera situações de crise instabilidade permanente, onde somente o cálculo político, a astúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários são capazes de manter o príncipe. Esmagar ou reduzir à impotência a oposição interna, atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outros principados constituem o eixo da administração. Como o poder se funda exclusivamente em atos de força, é previsível e natural que pela força seja deslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião nem a tradição, nem a vontade popular legitimaram e ele tem de contar exclusivamente com sua energia criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criam um vazio, que as mais fortes individualidades têm capacidade para ocupar.
Até 1494, graças aos esforços de Lourenço, o Magnífico, a península experimentou uma certa tranqüilidade.
Entretanto, desse ano em diante, as coisas mudaram muito. A desordem e a instabilidade ficaram incontroláveis. Para piorar a situação, que já estava grave devido aos conflitos internos entre os principados, somaram-se as constantes e desestruturadoras invasões dos países próximos como a França e a Espanha. E foi nesse cenário conturbado, onde nenhum governante conseguia se manter no poder por um período superior a dois meses, que Maquiavel passou a sua infncia e adolescência.
Biobibliografia:
Maquiavel nasceu em Florença em 3 de maio de 1469, numa Itália "esplendorosa mas infeliz", segundo o historiador Garin. Sua família não mera aristocrática nem rica. Seu pai , advogado como um típico renascentista, era um estudioso das humanidades, tendo se empenhado em transmitir uma aprimorada educação clássica para seu filho. Maquiavel com 12 anos, já escrevia no melhor estilo e, em latim.
Mas apesar do brilhantismo precoce, só em 1498, com 29 anos Maquiavel exerce seu primeiro cargo na vida pública. Foi nesse ano que Nicolau passou a ocupar a segunda chancelaria. Isso se deu após a deposição de Savonarola, acompanhado de todos os detentores de cargos importantes da república florentina. Nessa atividade, cumpriu uma série de missões, tanto fora da Itália como internamente, destacando-se sua diligência em instituir uma milícia nacional.
Com a queda de soverine, em 1512, a dinastia Médici volta ao poder, desesperando Maquiavel, que é envolvido em uma conspiração, torturado e deportado. É permitido que se mude para São Cassiano, cidade pequena próxima de Florença, onde escreve sobre a Primeira década de Tito Lívio , mas interrompe esse trabalho para escrever sua obra prima: O Príncipe , segundo alguns , destinado a que se reabilitasse com os aristocratas, já que a obra era nada mais que um manual da política.
Maquiavel viveu uma vida tranqüila em S. Cassiano. Pela manhã, ocupava-se com a administração da pequena propriedade onde está confinado. à tarde, jogava cartas numa hospedaria com pessoas simples do povoado. E à noite vestia roupas de cerimônia para conviver, através da leitura com pessoas ilustres do passado, fato que levou algumas pessoas a considerá-lo louco.
A obra de Maquiavel é toda fundamentada em sua própria experiência, seja ela com os livros dos grandes escritores que o antecederam, ou sejam os anos como segundo chanceler, ou até mesmo a sua capacidade de olhar de fora e analisar o complicado governo do qual terminou fazendo parte.
Enfim, em 1527, com a queda dos Médici e a restauração da república, Maquiavel que achava estarem findos os seus problemas, viu-se identificado por jovens republicanos como alguém que tinha ligações com os tiranos depostos. Então viu-se vencido. Esgotaram-se suas forças. Foi a gota d’água que estava faltando. A república considerou-o seu inimigo. Desgostoso, adoece e morre em junho.
Mas nem depois de morto, Maquiavel terá descanso. Foi posto no Index pelo concílio de Trento, o que levou-o, desde então a ser objeto de excreção dos moralistas.
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Thomas Hobbes

Hobbes e o pensamento político.
Hobbes quis fundar a sua filosofia política sobre uma construção racional da sociedade, que permitisse explicar o poder absoluto dos soberanos. Mas as suas teses, publicadas ao longo dos anos, e apresentadas na sua forma definitiva no Leviatã, de 1651, não foram bem aceites, nem por aqueles que, com Jaime I, o primeiro rei Stuart de Inglaterra, defendiam que «o que diz respeito ao mistério do poder real não devia ser debatido», nem pelo clero anglicano, que já em 1606 tinha condenado aqueles que defendiam «que os homens erravam pelas florestas e nos campos até que a experiência lhes ensinou a necessidade do governo.»
A justificação de Hobbes para o poder absoluto é estritamente racional e friamente utilitária, completamente livre de qualquer tipo de religiosidade e sentimentalismo, negando implicitamente a origem divina do poder.
O que Hobbes admite é a existência do pacto social. Esta é a sua originalidade e novidade.
Hobbes não se contentou em rejeitar o direito divino do soberanos, fez tábua rasa de todo o edifício moral e político da Idade Média. A soberania era em Hobbes a projecção no plano político de um individualismo filosófico ligado ao nominalismo, que conferia um valor absoluto à vontade individual. A conclusão das deduções rigorosas do pensador inglês era o gigante Leviatã, dominando sem concorrência a infinidade de indivíduos, de que tinha feito parte inicialmente, e que tinham substituído as suas vontades individuais à dele, para que, pagando o preço da sua dominação, obtivessem uma protecção eficaz. Indivíduos que estavam completamente entregues a si mesmos nas suas actividades normais do dia-a-dia.
Infinidade de indivíduos, porque não se encontra em Hobbes qualquer referência nem à célula famíliar, nem à família alargada, nem tão-pouco aos corpos intermédios existentes entre o estado e o indivíduo, velhos resquícios da Idade Média. Hobbes refere-se a estas corporações no Leviatã, mas para as criticar considerando-as «pequenas repúblicas nos intestinos de uma maior, como vermes nas entranhas de um homem natural». Os conceitos de «densidade social» e de «interioridade» da vida religiosa ou espiritual, as noções de sociabilidade natural do homem, do seu instinto comunitário e solidário, da sua necessidade de participação, são completamente estranhos a Hobbes.
É aqui que Hobbes se aproxima de Maquiavel e do seu empirismo radical, ao partir de um método de pensar rigorosamente dedutivo. A humanidade no estado puro ou natural era uma selva. A humanidade no estado social, constituído por sociedades civis ou políticas distintas, por estados soberanos, não tinha que recear um regresso à selva no relacionamento entre indivíduos, a partir do momento em que os benefícios consentidos do poder absoluto, em princípio ilimitado, permitiam ao homem deixar de ser um lobo para os outros homens. Aperfeiçoando a tese de Maquiavel, Hobbes defende que o poder não é um simples fenómeno de força, mas uma força institucionalizada canalizada para o direito (positivo), - «a razão em acto» de R. Polin - construindo assim a primeira teoria moderna do Estado.
Deste Estado, sua criação, os indivíduos não esperam a felicidade mas a Paz, condição necessária à prossecução da felicidade. Paz que está subordinada a um aumento considerável da autoridade - a do Soberano, a da lei que emana dele.
Mas, mesmo parecendo insaciável, esta invenção humana com o nome de um monstro bíblico, não reclama o homem todo. De facto, em vários aspectos o absolutismo político de Hobbes aparece como uma espécie de liberalismo moral. Hobbes mostra-se favorável ao desenvolvimento, sob a autoridade ameaçadora da lei positiva, das iniciativas individuais guiadas unicamente por um interesse individual bem calculado, e por um instinto racional aquisitivo.
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Jean-Jacques Rousseau
Jean-Jacques Rousseau foi um dos mais considerados pensadores europeus no século XVIII. Sua obra inspirou reformas políticas e educacionais, e tornou-se, mais tarde, a base do chamado Romantismo. Formou, com Montesquieu e os liberais ingleses, o grupo de brilhantes pensadores pais da ciência política moderna. Em filosofia da educação, enalteceu a "educação natural" conforme um acordo livre entre o mestre e o aluno, levando assim o pensamento de Montaigne a uma reformulação que se tornou a diretriz das correntes pedagógicas nos séculos seguintes. Foi um dos filósofos da doutrina que ele mesmo chamou "materialismo dos sensatos", ou "teísmo", ou "religião civil". Lançou sua filosofia não somente através de escritos filosóficos formais, mas também em romances, cartas e na sua autobiografia. Vejamos, em resumo, o que nos contam as suas Confissões e algumas outras fontes, sobre sua vida e sua obra.

Rousseau: o Bom Selvagem
VIDA:
Infncia. Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, na Suiça, em 28 de junho de 1712, e faleceu em Ermenonville, nordeste de Paris, França, em 2 de julho de 1778. Foi filho de Isaac Rousseau, relojoeiro de profissão. A herança deixada pelo avô paterno de Rousseau foi de pouca valia para seu pai, porque teve que ser dividida entre 15 irmãos. O pai sempre dependeu do que ganhava com o próprio trabalho para o sustento da família. Sua mãe foi Suzanne Bernard, filha de um pastor de Genebra; faleceu poucos dias depois de seu nascimento. Rousseau tinha um irmão, François, mais velho que ele sete anos, o qual, ainda jovem, abandonou a família.
Considera-se que o fato de sua mãe ter morrido poucos dias depois de seu nascimento, em conseqüência do parto, tenha marcado Rousseau desde criança. É pelo menos curioso que chamasse "mamãe" sua primeira amante e "tia" à segunda. Foi criado, na infncia, por uma irmã de seu pai e por uma ama.
Num certo sentido perdeu também o pai porque este, no ano de 1722, desentendendo-se com um ci dadão de certa influência, feriu-o no rosto em um encontro de rua. Este incidente o obrigou a deixar Genebra para não ser injustamente preso. Rousseau e o irmão ficaram sob a tutela do tio Gabriel Bernard, engenheiro militar, que era irmão de sua mãe e casado com uma irmã de seu pai.
Rousseau não teve educação regular senão por curtos períodos e não freqüentou nenhuma universidade. Ainda na casa paterna, leu muito: lia para o pai, enquanto este trabalhava em casa nos misteres de relojoeiro, os livros deixados por sua mãe e pelo pastor seu avô materno.
Seu tio logo o enviou, junto com seu próprio filho, para serem educados no campo, na residência de um pastor protestante em Bossey, lugarejo próximo a Genebra onde ambos estudam latim e outras disciplinas.
Aos 12 anos volta com o primo a Genebra para começar a trabalhar. O primo irá se preparar para engenheiro, como o pai, e Rousseau passa algum tempo na ociosidade, até que o encaminham para um emprego no cartório, onde inicia aprendizado de questões legais com vistas a profissão de advogado. Rousseau não gostou do emprego, e decepcionou o tabelião, que terminou por despedi-lo.
A partir de abril de 1725 trabalha em uma oficina de gravação onde a rudeza do patrão termina por desinteressá-lo do serviço. Acostumou-se aos maus tratos e a vingar-se deles por vários expedientes. É apanhado praticando pequenos furtos e cunhando medalhas com que presenteava os amigos. O que ganha então emprega em alugar livros a uma senhora que mantinha esse negócio.
Juventude. Aos dezesseis anos, habituado a perambular com amigos pelos arredores de Genebra, por uma terceira vez perdeu o toque de recolher e passou a noite do lado de fora das portas trancadas da cidade. Não quis submeter-se aos castigos que o esperavam e fugiu. Em Contignon, na Saboia (França) a duas léguas de Genebra, solicitou ajuda ao pároco católico que o encaminha a uma jovem senhora comprometida a ajudar peregrinos com a pensão que recebia do rei.
Tratava-se de Louise-Éléonore de la Tour du Pil, pelo casamento Madame de Warens. Protestante pietista, separada do marido por motivo de sedução, sem filhos, Louise, havia solicitado ajuda ao rei católico Victor-Amadeus II, duque de Saboia, Rei da Sardenha e Piemonte. Dele recebeu uma pensão com a condição de converter-se ao catolicismo e praticar beneficência. O rei enviou-a escoltada por um destacamento de guardas a Annecy (hoje capital da Alta-Saboia), no lago de Annecy, ao pé dos Alpes e ao sul de Genebra, onde, sob a direção do arcebispo Michel-Gabriel de Bernex ela fez a abjuração no convento da Visitação (fundado por São Francisco de Sales e Santa Joana-Francisca de Chantal) tornando-se católica.
A vida de Rousseau com Louise, cerca de dez anos mais velha, na plenitude dos vinte, bela de corpo, alegre, dona de belos cabelos louros, para ele mãe e amante (Rousseau se refere a ela sempre como a Sra. Warens ou "mamãe"), divide-se em vários períodos. O primeiro é curto. Porque lhe pareceu que em Turim o jovem haveria de dar-se bem, ela o encaminha para lá com dinheiro para a viagem fornecido pelo Arcebispo e cartas de recomendação, uma delas para um asilo de catecúmenos (Asilo do Espírito Santo) onde Rousseau deveria estudar o catecismo e abjurar o protestantismo.
Rousseau viaja a pé. Seu pai, que havia se estabelecido em Nyon, avisado da sua fuga foi a Annecy esperando encontrá-lo, talvez com o intuito de mantê-lo consigo, mas lá chegando e sabendo que o filho seguira para uma instituição em Turim, deu-se por satisfeito.
Após a devida instrução, Rousseau abjurou na Igreja de São João, seguindo-se uma entrevista com o Inquisidor do Santo Ofício. Com um donativo de 20 francos, coletado na cerimônia da abjuração, Rousseau inicia a vida naquela cidade. Encontra trabalho melhor que de simples lacaio em uma casa nobre, porém vem a rever um amigo dos tempos de aprendiz em Genebra, e abandona o emprego para viajar em sua companhia e retornar a Annecy.
Volta à casa de Louise na primavera de 1729, ajuda nos trabalhos da sua farmácia natural, lê muito e estuda música. É enviado por ela a um seminário católico para continuar seus estudos, mas passa os fins de semana em sua casa. Depois de um ano como seu auxiliar - e ocultamente apaixonado por ela - acompanha, a pedido seu, o maestro da Catedral, velho e epiléptico, que viajava para Paris. Louise pediu-lhe que o acompanhasse pelo menos até Lyon. Neste trecho de suas Confissões Rousseau lamenta ter abandonado o maestro numa rua da cidade, enquanto aquele sofria um ataque de sua doença e era socorrido por populares. Deu ali por cumprida sua missão e volta a Annecy. Porém não encontra Louise em casa. Ela havia viajado a Paris, para tratar de uma pensão que substituísse a que lhe concedera Victor Amadeus II, que naquele ano de 1730 abdicou do trono.
Sem vínculo com ninguém, Rousseau perambula até Paris, ganhando a vida como professor de música. Nada resulta dessa viagem. Retornou a pé e vai, em 1732, para Chambéri, um pouco mais ao sul de Annecy, para onde Louise havia se mudado. É seu terceiro período com Louise. Ela lhe fala dos amantes que teve, revela que tem como amante o botanista seu empregado, e ao mesmo tempo o inicia na vida sexual. Vivem juntos como amantes até 1740, ela o emprega no escritório fiscal de Chambéri e depois na pequena fazenda próxima chamada Les Charmettes. Nesse período Rousseau lê muito e começa a escrever. Porém acha a situação financeira e emocionalmente desconfortável. Adoece e passa por uma crise da qual sua descrição sugere o mal hoje conhecido como "síndrome do pnico", cujo desfecho característico ele confessa: "Posso dizer perfeitamente que só comecei a viver quando me considerei um homem morto".
Acreditando sofrer de um "polipo no coração", decidiu ir a Montpelier onde soube que poderia ser curado de sua taquicardia. Não precisou chegar lá. Um romance havido com uma companheira de itinerário, à altura de Valence, deixou-o curado. Retornando para casa, Rousseau encontra um rival com quem teria que dividir os amores de Louise. Decepcionado, pensa sair de Chambéri. Em maio de 1740 ele foi para Lyon para tutorar, pelo período de um ano, as crianças de Jean-Bonnet de Mably, irmão mais velho de Étiene Bannot de Condillac e do Abade de Mably, este último um conhecido escritor político. Retorna ainda uma vez a Louise e então decide-se a abandona-la definitivamente. Em 1741 Rousseau seguiu novamente para Paris com um novo esquema de anotação musical e os rascunhos de uma comédia (Narcisse), desta vez para lá ficar.
Deteve-se uns dias em Lyon para ver os amigos que ali tinha, para arranjar algumas recomendações para Paris e para vender os livros de geometria que havia trazido consigo. Monsieur e Madame de Mably mostraram-se alegres em reve-lo e várias vezes o convidaram-no para jantar. Em casa deles travou relações com o abade Mably, como já fizera com o abade de Condillac, pois ambos tinham vindo visitar o irmão. O abade de Mably deu-lhe cartas de apresentação para Paris.
Chegou em Paris no outono europeu de 1741. Valendo-se das cartas de apresentação, encontra alunos de música, e consegue rendimentos para sobreviver.
De relacionamento em relacionamento, consegue chegar à Academia, onde expõe seu sistema de notações musicais. Os membros da Academia ouviram com grande atenção e cortesia sua Dissertation sur la musique moderne, mas não aprovaram o sistema. Apresentou o sistema também a Jean-Philippe Rameau (1683-1764), autor de óperas (entre elas "Pigmalião", 1748), então o maior músico-dramático da França. Rameau considera o seu sistema de anotação musical de leitura mais difícil que o comum, porém Rousseau estava convencido da sua vantagem principalmente em facilitar o aprendizado da música.
Ele também conheceu e tornou-se amigo de Denis Diderot, então ainda um jovem filósofo, e que haveria de ter sobre ele profunda influencia. Seu sistema de notação musical atraiu a atenção de Diderot. Obstinado com seu método, Rousseau melhorou e Diderot publicou o trabalho apresentado na Academia.
Valendo-se de recomendações porém sempre contrafeito por não conhecer ainda a etiqueta dos altos círculos de Paris, aproxima-se da nobreza, conquistando amizades através da música, declamação de poesias, etc. Em 1743, por indicação de um sacerdote amigo, procura duas senhoras da nobreza; a segunda delas, a que melhor o acolhe, a esposa de Claude Dupin, conselheiro do rei. Rousseau passa a freqüentar sua casa assiduamente, se apaixona e busca seduzi-la, sem êxito. Começa então a escrever uma ópera Les Muses Galantes. Por essa ocasião, outra senhora do seu crescente círculo de amizades o indicou ao recém nomeado embaixador em Veneza, para o cargo de secretário da embaixada francesa naquela república.
Lutou por manter o cargo por dezoito meses, entre 1744 a 1745. Empenhou-se em exercer bem suas funções, com esperanças de fazer carreira diplomática. Mas o embaixador não reconheceu seus esforços, além de o camareiro sabotá-lo, criando-lhe dificuldades. Afinal, após uma violenta discussão com o Embaixador, Rousseau deixou Veneza e voltou a Paris, onde pretendeu obter um julgamento justo do caso, e o pagamento de seus salários, o que conseguiu com dificuldade por não ser ele mesmo francês.
Após esse episódio, voltou-se para sua música; concluiu sua ópera e conseguiu que fosse cantada para Rameau que a condenou em parte, enquanto outros entendidos a aplaudiram.
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PENSAMENTO:
Linhas mestras. Rousseau é o filósofo iluminista precursor do romantismo do século XIX.
Foi característico do Iluminismo, o pensamento de que a sociedade havia pervertido o homem natural, o "selvagem nobre" que havia vivido harmoniosamente com a natureza, livre de egoísmo, cobiça, possessividade e ciúme. Este pensamento já está em Montaigne.
Em seu Discours sur l'origine et les fondements de l'inégalité parmi les hommes (1755), ele dá uma descrição hipotética do estado natural do homem, propondo que, apesar de desigualmente dotado pela natureza, os homens em uma dada época eram de fato iguais: eles viviam isolados um do outros e não estavam subordinados a ninguém; eles evitavam uns aos outros como fazem os animais selvagens. De acordo com Rousseau, cataclismas geológicos reuniram os homens para a "idade de ouro" descrita em vários mitos, uma idade de vida comunal primitiva na qual o homem aprendia o bem junto com o mal nos prazeres do amor, amizade, canções, e danças e no sofrimento da inveja, ódio e guerra. A descoberta do ferro e do trigo iniciou o terceiro estágio da evolução humana por criar a necessidade da propriedade privada.
Rousseau recebe críticas principalmente de Voltaire, que diz: "ninguém jamais pôs tanto engenho em querer nos converter em animais" e que ler Rousseau faz nascer "desejos de caminhar em quatro patas" mas o propósito de Rousseau é de combater os abusos e não repudiar os mais altos valores humanos.
Sua teoria política é sob vários aspectos uma síntese de Hobbes e Locke. Foi o ferro e o trigo que civilizaram os homens e arruinaram a raça humana....Do cultivo da terra, sua divisão seguiu-se necessariamente....Quando as heranças cresceram em número e extensão ao ponto de cobrir toda a terra e de confrontarem umas com as outras, algumas delas tinham que crescer as custas de outras... A sociedade nascente deu lugar ao mais horrível estado de guerra. Posteriormente Rousseau propôs que esse estado de guerra forçou os proprietários de terra ricos a recorrer a um sistema de leis que eles impuseram para proteger sua propriedade.
Rousseau não pretendia que o homem retornasse à primitiva igualdade, ao estado natural, mas, em um artigo encomendado por Diderot para a "Enciclopédia" e publicado separadamente em 1755 como Le Citoyen: Ou Discours sur l'economie politique, ele busca meios de minimizar as injustiças que resultam da desigualdade social. Ele recomendou três caminhos: primeiro, igualdade de direitos e deveres políticos, ou o respeito por uma "vontade geral" de acordo com o qual a vontade particular dos ricos não desrespeita a liberdade ou a vida de ninguém; segundo, educação pública para todas as crianças baseada na devoção pela pátria e em austeridade moral de acordo com o modelo da antiga Sparta; terceiro, um sistema econômico e financeiro combinando os recursos da propriedade pública com taxas sobre as heranças e o fausto.
Estão no pensamento de Rousseau aquelas linhas que serão logo a seguir características do movimento romntico que caracterizou a primeira metade do século XIX: A valorização dos sentimentos em detrimento da razão intelectual, e da natureza mais autêntica do homem, em contraposição ao artificialismo da vida civilizada. Sua influencia no movimento romntico foi enorme.
Pedagogia.
Pressupostos básicos: Os pressupostos básicos de Rousseau com respeito à educação eram a crença na bondade natural do homem, e a atribuição à civilização da responsabilidade pela origem do mal. Se o desenvolvimento adequado é estimulado, a bondade natural do indivíduo pode ser protegida da influência corruptora da sociedade.
Conseqüentemente, os objetivos da educação, para Rousseau, comportam dois aspectos: o desenvolvimento das potencialidades naturais da criança e seu afastamento dos males sociais. O mestre deve educar o aluno baseado nas suas motivações naturais. "Logo que nos tornamos conscientes de nossas sensações, estamos inclinados a procurar ou evitar os objetos que as produzem", diz ele.
Método: Essencialmente o mestre deve educar o aluno para ser um homem, usando a estrutura provida pelo desenvolvimento natural do aluno, enquanto ao mesmo tempo mantendo em mente o contexto social no qual o aluno eventualmente será um membro. Isto somente pode ser conseguido em um ambiente muito bem controlado.
As mães deveriam amamentar e fortificar o corpo de suas crianças por meio de testes severos de força física e resistência.
Seu método de educação era o de retardar o crescimento intelectual: ele demandava a criança demonstrar seus próprio interesse em um assunto e fazer suas próprias perguntas; no estágio da puberdade, no entanto, a sensibilidade do jovem deveria ser educada. O adolescente aceitaria com confiança um contrato livre e recíproco de amizade com seu mestre, que poderia então ajuda-lo a descobrir as alegrias da religião e as dificuldade de lidar com a sociedade.
O ambiente em que o aluno vive deve ser tal que não haja nenhuma restrição física que não venha do próprio aluno, e depois que desenvolve cognitivamente, até os 15 anos não deveria haver qualquer restrição moral em seu ambiente. O objetivo é que o aluno desenvolva plenamente seu Eu natural. Obviamente, uma tal educação só seria possível se o aluno fosse totalmente isolado da sociedade e não tivesse contacto social, senão com seu mestre.
O aluno somente entraria na sociedade quando a tendência para a socialização surgisse como uma de suas necessidades naturais. Isto aconteceria na adolescência, após o desenvolvimento da razão. Diz Rousseau "Ele antes tinha apenas sensações, agora ele julga." Então o aluno experimenta um desejo de companhia e lhe será permitido desenvolver relacionamento pessoal. Então ele vai estudar história e religião.
Finalmente ele vai entrar "na sociedade educada de uma grande cidade". Ele agora poderá entender o que significa ser um cidadão.
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O Sonho de Platão
No século IV a.C., em data imprecisa, surgiu em Atenas a primeira concepção de sociedade perfeita que se conhece. Tratou-se do diálogo "A República" (Politéia), escrito por Platão, o mais brilhante e conhecido discípulo de Sócrates. As idéias expostas por ele - o sonho de uma vida harmônica, fraterna, que dominasse para sempre o caos da realidade - servirão, ao longo dos tempos, como a matriz inspiradora de todas utopias aparecidas e da maioria dos movimentos de reforma social que desde então a humanidade conheceu.
Platão e a democracia
"Ora, estabelecemos, e repetimos muitas vezes, se bem te recordas, que cada um deve ocupar-se na cidade de uma única tarefa, aquela para a qual é melhor dotado por natureza"
Platão, "A República". Livro IV, 432 d - 433 b.
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O filósofo Platão (428-347 a.C.) foi um dos maiores críticos da democracia. do seu tempo. Pelo menos daquela que era praticada em Atenas e que ele conheceu de perto. Nascido em uma família ilustre que se orgulhava de descender do grande reformador Sólon, Platão, como ele mesmo explicou na conhecida VII Carta, terminou desviando-se da carreira política devido ao regime dos "Trinta Tiranos", derrocado em 403 a.C. Um dos seus parentes próximos havia exercido elevadas funções durante aquela tirania, que, apesar da sua curta duração, foi extremamente violenta, perseguindo os adversários de maneira incomum para os costumes gregos. Fato que lançou suspeitas sobre toda a sua família, inclusive atingindo o jovem Platão, quando a democracia foi restaurada. Mas o fator decisivo da aversão dele à democracia deveu-se ao julgamento e condenação a que foi submetido no areópago o seu velho mestre, o sábio Sócrates. Que , como é sabido, foi injustamente acusado de impiedade e de ter corrompido a juventude ateniense, educando-a na suspeição dos deuses da cidade. Caso célebre acontecido no ano de 399 a.C. e que culminou com Sócrates sendo obrigado a beber a cicuta (veneno oficial com que se executavam os condenados em Atenas). Esse crime jurídico que vitimou o amável ancião fez com que ele passasse a se dedicar, entre outras coisas, à busca de um regime político ideal, que evitasse para sempre a possibilidade de reproduzir-se uma injustiça como a que vitimou o velho sábio.
Os diálogos, obra dramática
Platão, como grande estilista da língua grega que era, dotado de extraordinário censo dramático, apresentou um método original de expor suas reflexões: o do diálogo. O que levou a que alguns estudiosos afirmar que tal método de exposição era literariamente tão grandioso como as tragédias de Ésquilo ou de Sófocles. Neles, nos diálogos platônicos, o personagem central é Sócrates, com quem Platão privou até o seu momento final. A principal obra política dele foi "A República" (Politéia), que compôs provavelmente entre 380 e 370 a.C., quando tinha mais de 50 anos de idade, portanto, obra da sua maturidade. Um pouco antes do seu falecimento Platão voltou novamente a especular sobre a sociedade ideal por meio de outro grande diálogo: As Leis.
O cenário onde o reunião acontece, tal como ocorre em tantos outros diálogos de Platão, é a casa de um homem rico, o velho Céfalo, que põe o seu salão à disposição dos intelectuais, políticos e artistas para discutirem filosofia e assuntos gerais. Estão presentes Sócrates, os filhos do dono da casa, Polemarco, Lísias e Eutiderno, além de Timeu, Crítias e Trasímaco. Tais tertúlias eram muito comuns, fazendo o gosto das classes cultas de Atenas, sendo uma espécie de antecipação dos salões que fizeram a fama da sociedade aristocrática francesa do século XVIII e XIX.
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A escola de Platão, paradigma da sociedade perfeita (tela de J.Delville) |

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Uma leitura da concepção de filosofia política em Karl Marx
José Antonio da Costa Fernandes
Analisar o pensamento de Marx não é tarefa fácil, sua concepção de filosofia política muito menos, no entanto a argumentação marxiana se envolve pela compreensão da história e de suas interligações com a atividade humana vislumbrada na busca da liberdade. Esta perspectiva possibilitaria realizar um apanhado geral sobre sua obra e seu pensamento acerca da compreensão da política e de estado, mas não foi esta a intenção. Até porque ele não escreveu um tratado sistemático em que apresentasse sua visão de forma linear e inequívoca, sobre estes conceitos. Entretanto, algumas obras sinalizam idéias, apontamentos e reflexões que nos permitem identificar sua concepção.
A reflexão desenvolvida recuperou certas obras definidas por marxistas como a fase do “jovem Marx”: “A questão Judaica”, “Ideologia Alemã” e o “Manifesto do Partido Comunista”, mas também obras que analisavam as contradições históricas da luta pelo poder na França.
A consideração acerca da concepção de política em Marx baseou-se fundamentalmente nas análises desenvolvidas sobre um momento privilegiado na França, um período longo e com intensas lutas sociais, que estão retratadas na “trilogia francesa”: “As lutas de classe em França (1848-1850)”, “O dezoito brumário de Luís Bonaparte” e “Guerra civil em França”. A compreensão da política em Marx, desvenda o caráter classista, mas ao mesmo tempo de frações de classe ou grupos presentes na interpretação marxiana da “verdadeira” atribuição do estado francês, desnudando a burguesia não mais como a classe revolucionária de 1.789, mas contra-revolucionária, que procura manter de qualquer forma a sua dominação.
Nesta perspectiva, ressalvadas limitações, recupero o pensamento marxiano acerca da política e compreendo que suas formulações sugerem a existência de um estado de classe funcionando como aparelho de sustentação e reprodução da dominação. Porém, podemos constatar que ele ressalta a importncia do estado para as sociedades nacionais ao resgatar o significado da liberdade de que ele seja leigo em contraposição a um religioso. Esta perspectiva apresentada na obra “A questão judaica” (estado laico e estado religioso) terá sua argumentação estendida até a compreensão deste como ditadura do proletariado, presente no “Manifesto do Partido comunista”.
Nota-se, portanto que a perspectiva de texto traçado, recupera períodos diversos do pensamento do nosso autor e estabelece análises comparativas sobre a “trilogia francesa”. Tenho como objetivo esclarecer sua noção de estado, desde o “jovem Marx”, até suas análises como “observador participante” dos acontecimentos na França priorizando uma sistematização do pensamento marxiano. Pensamento que teve intensa colaboração de F. Engels, principalmente através das obras: “Origem da família, da propriedade privada e do estado” e “Antidühring”.
É importante ressaltar que a construção do seu pensamento tem como fundamento a idéia de superação das correntes de pensamento da sua época: o idealismo hegeliano; a filosofia materialista-vulgar de Feuerbach e outros socialistas utópicos e a economia liberal clássica de Adam Smith e David Ricardo.
O pensamento marxiano atrela-se a uma continuidade de formulações anteriores, com rupturas de conteúdo e método através da crítica sistemática da teoria e da realidade. Assim, a teoria marxiana se apresenta como superação, a partir da proposição de uma nova filosofia política baseada na combinação entre teoria e prática: a “filosofia da práxis”:
Uma crítica, portanto que deixaria de mover-se exclusivamente ao nível do discurso, para visar ao concreto, transformando-se numa política, procurando penetrar nas massas e converter-se na força social capaz de mudar a sociedade (Giannotti, 1999, p. 10).
Em uma das suas primeiras formulações acerca do estado baseia suas análises e críticas as formulações político-filosóficas desenvolvidas na época. A partir da obra, “A questão judaica”, Karl Marx tem como objetivo avaliar o papel deste na dinmica real da sociedade, anotando suas diferenças através da religião e identificando as diferenciações entre emancipação política e emancipação humana, discutindo também a noção de propriedade privada, fundamentada no direito e no estado.
Desde o início das suas proposições filosóficas, o “jovem Marx”, aponta que o caminho para a liberdade, não se apresentava em um estado livre de religião oficial, mesmo não negando o aspecto progressista de um deste estatuto político não religioso. O pensamento dele não compreende a liberdade do ser humano no estado laico, ou seja, mesmo que seja um avanço, ele considera que a humanidade deve buscar a emancipação total. Poderíamos resumir da seguinte forma, o homem religioso pode tornar-se cidadão em um estado não religioso, porém é uma “meia solução”, até “... porque a emancipação política não implica em emancipação humana” (Marx, 1991, p. 27).
Ele resgata, quer na Revolução Francesa ou na Independência dos EUA o momento de ascensão da noção de direitos humanos que garante o exercício da cidadania, portanto da religiosidade livre. Nosso autor esclarece ser uma liberdade burguesa, que privilegia a possibilidade de deter uma religião, de apropriar-se de uma determinada religião, no entanto está não garante a plenitude das liberdades políticas:
Por conseguinte, o homem não se libertou da religião; obteve, isto sim, liberdade religiosa. Não se libertou da propriedade, obteve liberdade de propriedade. Não se libertou do egoísmo da Indústria, obteve a liberdade industrial (Marx, 1991, p. 50).
Identificamos, portanto uma diferenciação de conceitos ao avaliar a liberdade respectivamente: “emancipação política” e “emancipação humana”. No transcorrer da obra, “A questão Judaica”, nosso autor vai constantemente diferenciando, o homem livre deste pretenso “estado livre” e estabelecendo a idéia da emancipação humana enquanto uma gênese da liberdade de forma plena configurado na ampliação e na ausência deste.
A emancipação humana, para nosso autor, não é particularizada no estado, pois ela deve ser total. A liberdade plena dos homens sua emancipação é a emancipação da religião e da propriedade privada. O estado apresentado como livre, nada mais é do que a representação do mundo real, da burguesia e da propriedade.
Neste período seu pensamento encontra-se em uma constante crítica ao pensamento hegeliano, considerando o fosso existente entre o indivíduo, como pessoa privada e o cidadão. Nesta perspectiva, ele rejeita a tese do estado como formulador e patrocinador das liberdades, e, compreende que a vocação deste é para uma forma burguesa de política, ou seja, ser defensor dos interesses da burguesia e não dos interesses gerais. A libertação do homem, portanto deve combinar a apropriação da “filosofia da práxis”, pelos trabalhadores e o consequente desmantelamento da propriedade privada e da dominação de classe, ou seja, significa garantir a posse do poder político.
Poder político que compreende avaliar suas diversas categorias e precisamente sua força repressiva, pois é a garantia da utilização da força repressiva de um grupo sobre o outro que mantém o estado enquanto mecanismo de dominação de classe.
A partir da obra a “Ideologia Alemã”, o idealismo de Hegel já havia sofrido intensa crítica e o pensamento marxiano trilhava um novo caminho, no qual o materialismo de Feuerbach seria dissecado, e, uma nova proposição, com relação ao materialismo fincava-se: o materialismo histórico e dialético. Os autores da “Ideologia alemã” vão compreender este homem, não em sua essência genérica e sem relações sociais, mas parte de um todo social e histórico. Já para Feuerbach ele desconhecia a possibilidade de interação ativa com o mundo exterior e desta forma ele apresentava-se como um desconhecido no mundo físico que o rodeava. No entanto Marx e Engels propõem uma análise que compreenda o sujeito como ser ativo e central na mediação entre o mundo físico e a humanidade.
Um todo que envolve o sujeito social enquanto produtor e produto deste mundo. Diferenciado-se de Feuerbach, que o avaliava em dimensão especulativa e naturalista, assim, os autores propõem a análise deste à partir da sua existência.
O Estado de Classe
Com o advento do “Manifesto do Partido Comunista”, Karl Marx e Friedrich Engels inauguram uma nova fase no pensamento marxista e socialista da época. No manifesto, eles apresentam efetivamente a substituição do poder político burguês pelo por um dos trabalhadores guiados pela revolução.
O “Manifesto” apresenta-se na perspectiva de avaliar que é o estado, instrumento de dominação de uma classe sobre outra: “O poder político é a expressão oficial dos antagonismos das classes na sociedade burguesa”(Marx, 1988, p. 12). Inaugura, portanto uma nova fase nas avaliações do movimento socialista e no pensamento marxiano: a necessidade de superação da velha sociedade por uma nova. Os trabalhadores precisam assumir o poder político, arrancando progressivamente da burguesia o capital, centralizando em suas mãos este poder, ou seja, o estado do proletariado reunindo todas as forças de produção e aniquilando os resquícios do modo de produção anterior.
Na “trilogia francesa”: “Lutas de classe em França (1848-1850)”, “O dezoito brumário de Luís Bonaparte” e “Guerra civil em França”, ele busca compreender de maneira concreta, quais eram as tarefas dos trabalhadores em virtude da disputa que se travava com a burguesia. O autor da trilogia realiza um diagnóstico avaliando quais eram as conformações deste poder político francês e dos embates entre as frações dominantes que ele serve. Esclarece ainda, que todo o aparelho burocrático do estado está a serviço da contra revolução, ou seja, contrários aos interesses dos trabalhadores, com o argumento de manter a “ordem estabelecida.”
Nosso autor demonstra as diversas alterações que ocorrem nas formas de poder na França do século XIX, Monarquia Constitucional, República Parlamentar e Bonapartismo, formas que combinam, o avanço econômico da sociedade francesa e a manutenção da supremacia política sobre o proletariado.
Nas palavras do próprio, quando este escrevia sobre os acontecimentos políticos e de disputa de poder na França e presencia a queda da coroa francesa, ou seja, a derrubada de Luís Felipe da Monarquia, representante da fração financeira no poder político, são esclarecedoras: “Enfim, a República de fevereiro ao derrubar a coroa, atrás da qual se escondia o capital, fez com que se manifestasse nitidamente a dominação da burguesia” (Marx, 1977, p. 58).
Esta forma explicitava que a emancipação do proletariado não se baseava mais em alianças, como a de 1789 que levou a burguesia ao poder, e, nem tampouco realizar uma revolução apenas nas fronteiras francesas. A emancipação do proletariado era mundial, não se definia em fronteiras, mas em todo o mundo, como ele já havia descrito no Manifesto: “Proletários de todo o mundo: uni-vos.”
A República implantada em 1848, através da revolução de fevereiro, foi aceita por que significava a participação política de todas as esferas da classe proprietária e ampliava a participação burguesa no poder de estado. Assim, a implantação da República significava a divisão do poder, não mais em uma única fração das classes possuidoras, mas de toda ela. Portanto, não havia espaço para o proletariado, que ao ameaçar a ordem implantada seria reprimido de forma exemplar:
A revolução de fevereiro foi à bela revolução, a revolução das simpatias gerais, porque os antagonismos que nela rebentaram contra a monarquia ainda dormiam incipientes, em boa paz uns com os outros, porque a luta social que era o seu fundo só havia tido existência vaporosa, a existência da frase, da palavra. A revolução de junho é a revolução horrenda, a revolução repelente, porque o fato substitui a frase, porque a república pôs a nu a cabeça do monstro, ao lançar por terra a coroa que a cobria e lhe servia de espantalho: Ordem! Era o grito de guerra de Guizot. (Marx, 1977, p. 73-74).
Ordem que se impunha sobre o proletariado e sua revolução de Junho, pois ameaçavam o republicano burguês. Ao induzir os trabalhadores a realizar a Revolução de Junho e no processo para esmagá-lo, a burguesia forneceu conhecimentos básicos para a luta revolucionária dos trabalhadores pela causa socialista. Inicialmente ele demonstra que as alianças nem sempre significam melhorias para os trabalhadores como foi o caso deste processo revolucionário. Até porque:
.... a menor melhoria da sua situação é, dentro da república burguesa, uma utopia: e uma utopia que se transforma em crime logo que se queira transformá-la em realidade. E a suas reivindicações, que eles queiram arrancar a Republica de fevereiro, desmesurada quanto à forma, pueris quanto ao conteúdo, e, por isso ainda burguesa, cederam lugar à palavra de ordem audaz e revolucionária: Derrubada da Burguesia! Ditadura da classe operária! (Marx, 1977, p. 74).
Desta forma, apresentei como a partir de meados do século passado a burguesia, abandonando suas “ilusões heróicas”, promove o poder monopolista e por meio do estado mantém sua eternização e conseqüentemente a hegemonia do capital na esfera do estado, da sociedade e da cultura.
O Estado transitório
A análise anterior demonstra que parte das obras do autor, estão baseadas na necessidade de supressão do estado. A burguesia, classe dominante do processo atual, deste modo de produção, foi produto forjado num longo período de construção e de uma série de revoluções nos modos de produção. Os momentos diferenciados verificados no seio deste encontram seu correspondente na forma de dominação política. Esta mutação, onde a terra dá lugar a troca, e, este último ao capital, encontrou no estado os elementos de manutenção política e de dominação de classe.
Marx em suas análises superou as idéias de emancipação política de Bauer, e, do estado como vontade geral, a partir da apreensão de um materialismo histórico e não mais hegeliano. Ele formula a necessidade da conquista deste, entretanto tem como objetivo a supressão do mesmo. Nesta perspectiva desenvolve a concepção do estado dos trabalhadores enquanto mecanismo de transição para a nova sociedade verdadeiramente livre. Ele assume um novo papel, transitório, mesmo que mantenha seu conteúdo de dominação ele agora se encontra nas mãos dos trabalhadores e neste momento apresenta-se na perspectiva de se diluir, de se autodestruir (Marx, 1977b, p. 35).
A tarefa, portanto dos trabalhadores não é lutar pela ilusão deste poder político que apresenta-se como livre, mas efetivar a conquista deste, com o objetivo de realizar o processo de transição do capitalismo para o comunismo. Nesta perspectiva a ditadura do proletariado se apresenta não como o estado de terror, dos países do “socialismo real”, mas um organismo de poder político transitório que iria operar os mecanismos necessários para a superação das classes sociais e do próprio inaugurando um novo modo de produção: o modo de produção comunista.
Ontologia do sujeito social
A necessidade de pensar o ser humano, enquanto membro de um corpo mais amplo, significa refletir sobre o papel do estado na política. Esta preocupação, o estudo da política e do estado, envolve avaliar sua natureza histórico-social, explicitando uma constelação de categorias que possam avaliar este processo social. Entretanto, como a possibilidade deste texto é parcial e é um recorte das obras de Karl Marx, priorizamos pensar a política no interior da práxis objetivamente do ser social.
Nesta perspectiva, a compreensão deste homem, deste sujeito social é recuperá-lo em sua unidade e diversidade, avaliando que o “... concreto é concreto porque é, síntese de muitas determinações, isto é, unidade no diverso...”(Marx, 1980, p. 28). Desta forma, sabemos que o social tem na práxis seu meio estruturante.
Na primeira tese sobre Feurbach, ele afirmava, a “... carência capital de todo o materialismo até aqui (incluído o de Feuerbach) consiste em que o concreto, a realidade, a efetividade, só é captado sob a forma de objeto ou de intuição, mas não como atividade prática humana, como práxis, não subjetivamente” (Marx, 1980, p 12).
A práxis cria uma nova realidade, pois ela fundamenta-se como um produto que mescla a subjetividade e a objetividade num processo de objetivação. Neste sentido, a transformação deste real é parte de um processo em que a subjetividade humana é exteriorização das capacidades genéricas do homem, e recria uma outra forma objetiva, que é a explanação da humanidade na própria realidade concreta.
Como pensar a política no interior da práxis objetivamente do ser social? A política enquanto esfera específica do ser social não é uma determinação natural do homem, tampouco é puramente social, ao contrário, ela é produto histórico, ou seja, o homem é parte e todo do processo de modificação dos modos de produção, intrínsecos à história.
A política é portanto parte da esfera das relações sociais e da história e desta forma, pensar em política é pensar no estado. As transformações que ocorrem, principalmente no século XVIII, na Europa, marcam a passagem do poder político exercido por uma nobreza débil (na sua organização) e que foram superadas pelas modificações ocorridas nas esferas: econômica, social e política, implantada pela burguesia no processo de conquista deste poder. Ela, que já detinha o poder econômico, passa agora a utilizar-se deste poder, garantindo desta forma a acumulação de capital, que será importante para a Revolução Industrial na Inglaterra e também para a Revolução Francesa; mesmo que de forma diversa, até porque o caráter da Revolução na França é muito mais social e político. Neste momento a burguesia altera as estruturas da sociedade européia: “tudo que é sólido se desmancha no ar”, um novo paradigma se apresenta para a história da humanidade:
A reformulação do estado pela burguesia criou as condições para garantir o domínio da sociedade, através da centralização e da dinmica da representação política.
A análise desenvolvida por Marx permitiu conferir uma análise classista e de frações de classe, principalmente na hegemonia proporcionada pela fração financeira. Circunstncia histórica que permite aproximar, considerando o longo tempo histórico, e afirmar a manutenção do fenômeno classista da dominação por meio da hegemonia político-financeira das transnacionais, principalmente em tempos de globalização neoliberal.
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