RESUMO
Todas as ciências resultam do conhecimento humano.
Procuramos as respostas a simples questões, como: “será a psicologia uma ciência?”. São inúmeras respostas; que não sabemos se num futuro próximo serão as mais correctas. Se por um lado a psicologia obedece a algumas regras que lhe conferem cientificidade, por outro deixam-nos muitas reservas quanto à sua aplicabilidade.
Ao longo do trabalho iremos enfatizar o que ocorreu durante a evolução da psicologia enquanto ciência, da sua origem e teorias e sobre algumas das experiências que traçaram o seu caminho. Como se encararam os doentes mentais na sociedade durante séculos, na pré-história, na antiguidade, na idade média, na idade moderna e, por fim, idade contempornea, como foram criadas condições de vida e se mudaram mentalidades, para que estes “loucos” fossem aceites perante a sociedade, e, como esta longa jornada permitiu um vasto conhecimento nesta área (ainda) tão desconhecida e complexa.
Da divindade à causa demoníaca, do horror à compaixão, foram-se delineando os traços para a psicologia actual e moderna.
Palavras – chave: Distúrbios Psicológicos, Psicologia, Ciência, Conhecimento, Verdade
INTRODUçãO
Embora seja evidente que todas as ciências são humanas, já que resultam da actividade humana do conhecimento, a expressão “ciências humanas” refere-se às ciências que têm o próprio ser humano como objecto.
A situação de tais ciências é muito especial. Em primeiro lugar, porque o seu objecto é bastante recente: o homem, como objecto científico é uma ideia surgida apenas no século XIX. Até então, tudo quanto se referia ao ser humano era estudado pela Filosofia.
Depois das ciências matemáticas e naturais já estarem constituídas e definidas como ideia de cientificidade, método e conhecimento científico, as ciências humanas necessitavam também de criar essas mesmas leis universais, imitando e copiando o que estas ciências haviam estabelecido, tratando o homem como uma coisa “matematizável” e “experimentável”.
Por terem surgido num período em que prevalecia a concepção empirista e determinista da ciência, também procuraram tratar o “objecto” humano usando os modelos hipotético - indutivos e experimentais de estilo empirista, procurando também leis causais necessárias e universais para os fenómenos humanos. No entanto, como não era possível uma transposição integral e perfeita dos métodos, técnicas e teorias naturais para o estudo dos factos humanos, as ciências humanas acabaram por utilizar a “analogia” com as ciências naturais, o que levou a resultados contestáveis e pouco científicos.
Esta situação levou muitos cientistas e filósofos a duvidar da possibilidade de existência duma ciência que tivesse o homem como “objecto”.
Que objecções poderiam surgir à possibilidade de existência das ciências humanas? Dado que a ciência funciona com factos observáveis, que são objecto de experimentação, como é que se poderia “observar” e “experimentar”? Pois a ciência procura as leis objectivas gerais, universais e necessárias dos factos.
A psicologia: Arte e Ciência
“O interesse pelo comportamento humano é tão antigo como a história do Homem”. Autor Anónimo.
Há 3000 anos os grandes temas da psicologia moderna despertavam já o interesse e a curiosidade de hoje, no sentido de desmistificar o comportamento humano.
Homero atribuía aos deuses a responsabilidade pela diversidade de personalidades, a uns, os Deuses muniam de dons de guerra, outros da dança, outros da sabedoria, etc.
Segundo Aristóteles o efeito de catarse permitia expulsar os espíritos, as emoções negativas. Este dizia que ao assistirem a dramas teatrais, os espectadores sentiam terror e piedade, libertando assim as emoções negativas que povoavam o seu espírito. Ainda que baseados nas crenças religiosas a psicoterapia começa a praticar-se.
Muitas descobertas sobre o cérebro e o comportamento confirmam o que Aristóteles defendia, de que a mente humana é parte integra do corpo e que a capacidade de raciocínio e opções morais se desenvolvem à medida que se processam as informações recebidas pelos sentidos.
Dois mil anos depois, Sigmund Freud recorreu também ao teatro Grego para ilustrar as suas teorias sobre o inconsciente e utilizou a terapia pelo diálogo.
Já Hipócrates, considerado o pai da medicina, dizia que o cérebro era a sede de emoções e do pensamento.
A psicologia é na verdade uma ciência?
Como uma ciência humana, a Psicologia foi também um ramo da filosofia até finais do séc. XVIII, tendo depois sido revista e alterada pelos trabalhos dos cientistas pioneiros. (Ver anexo 3)
Alguns desses pioneiros desenvolveram as suas teses recorrendo à religião e mitologia, como é o caso de Carl Jung, que mostrou sempre grande interesse nestas matérias.
Tal como em muitas áreas da ciência foram muitas as lacunas e rupturas em relação ao conhecimento que se pretendia como sério, universal, absoluto, ele próprio dotado de método rigoroso. Para isso os cientistas psicólogos necessitavam de usar os métodos da ciência para validar o conhecimento. Por sua vez, a aplicação dos métodos científicos representou sempre uma enorme controvérsia, pois se por um lado já era difícil distanciar o sujeito do seu objecto de estudo (o Homem), por ser ele dotado de conhecimentos, sentimentos, opiniões (etc.) pré-formados que implicariam, condicionariam um resultado desse conhecimento, por outro, também o seu carácter abstracto e metafísico se tornavam e constituem ainda hoje barreiras intransponíveis. Para além disso advém também a questão da moralidade. A psicologia enquanto ciência é alvo de inúmeras criticas. Será ético submeter animais a experiências em laboratório? Será viável? E submeter Humanos a experiências científicas?
Até que ponto se pode validar e aplicar os resultados das experiências com animais em laboratório ao comportamento Humano?
O psicólogo Hans Eysenck cita uma célebre anedota: “ Tenho o meu humano muito bem condicionado – sempre que carrego nesta alavanca, ele deixa-me cair um pedaço de comida”.
Um dos pioneiros da psicologia enquanto ciência, John B. Watson, “behaviorista”, acreditava que todas as fobias eram aprendidas e para comprovar a sua teoria condicionou um bebe de onze meses, o Albert, a sentir medo dos ratos brancos de laboratório. Durante a sua experiência, Watson (Figura 3) apercebeu-se que tal como a maioria das crianças, este não sentia medos mas sim curiosidade sobre o mundo. Então percebendo que ruídos intensos assustavam o bebe, este e um seu colega utilizaram o som do bater de um martelo numa barra de aço (Figura 1), associado ao rato branco (Figura 2). O bebe ficou tão atemorizado pela experiência que posteriormente só o facto de ver o rato o assustava e provocava choro. Também os objectos com particularidades, características próximas das do rato branco lhe provocavam a mesma reacção.
Esta experiência foi considerada abaixo de toda a ética, como esta muitas outras foram levadas a cabo sem que os indivíduos submetidos estivessem em condição de participar voluntária e conscientemente nas experiências de que foram alvo.
Todas estas experiências permitiram um avanço significativo para a psicologia enquanto ciência, e por sua vez o avanço em todas as outras áreas da ciência e do conhecimento que, num todo nos levam em direcção a uma possível verdade, porém, são muitas as questões para as quais não se encontram respostas. Muitas são as matérias revistas nesta área, à medida que as necessidades Humanas aumentam, aumentam também as incógnitas relacionadas com a sua existência, o que leva a que a Psicologia não tenha um paradigma constante.
Patrícia Churchland, filósofa da Universidade da Califórnia, nota: “ O nosso eu consciente, pensante e introspectivo, constitui apenas uma pequena bolha na espuma”, debaixo da qual a enorme preponderncia da actividade cerebral prossegue por sua própria conta. No seguimento, o psicólogo Howard Gardner, da Universidade de Harvard diz, “a dimensão introspectiva clássica da psicologia que trata de assuntos como o carácter e a motivação, está na realidade mais próxima dos estudos culturais e sociológicos que da ciência experimental”.
“Será a Psicologia uma ciência”???
Como eram vistos e tratados os distúrbios mentais?
Pré – história
Para a população primitiva, os indivíduos que sofriam de distúrbios mentais eram vistos como um indivíduos diferentes, com dons sagrados e atitudes divinas, criaturas dignas de todo o respeito e credibilidade. A loucura era atribuída à acção de forças externas ao corpo humano, como interferência temporária dos deuses sobre o pensamento e acção dos homens. Não sofriam qualquer tipo de exclusão, participando normalmente no convívio social.
A origem da loucura é, portanto, teológica. Os responsáveis pelos actos que praticassem não eram atribuídos aos homens, mas sim a forças exteriores ao corpo físico. Ideia esta que perdurou durante muitos séculos. A cura também seria divina, obtida em templos com cerimónias religiosas. Algumas tribos indígenas americanas chegavam a fazer rituais em adoração a estes indivíduos, demonstrando respeito e veneração.
Posteriormente surgem crises de agitação em que estes distúrbios começam a ser interpretadas com outros olhos, ainda ligadas ao sobrenatural, mas decorrentes de possessões demoníacas, causando medo nos homens e o ódio aos mentalmente doentes. Começava a nova visão da sociedade para estes indivíduos.
Não existiam procedimentos ou espaços sociais especificamente para os loucos. Aqueles que tinham a sorte de ter uma família com recursos ficavam isolados nas suas próprias casas, com um acompanhante, longe dos olhares curiosos. Os pobres eram abandonados e ficavam nas ruas, onde circulavam livremente e sobreviviam da caridade da população, ou fazendo pequenos serviços a particulares, onde por vezes eram alvo de troça e de violência da população.
O louco já passa a ser considerado um problema.
Há mais de 10 mil anos, curandeiros na Idade da Pedra já operavam a cabeça de indivíduos que tinha estes problemas. O mais curioso é que a maior parte destes indivíduos primitivos sobrevivia, como mostram crnios descobertos em escavações arqueológicas.
Até ao século XIX, grande parte das intervenções do tipo levava o doente à morte.
Considerado um dos mais antigos procedimentos médicos dos quais se tem evidência, a chamada “trepanação” é uma técnica em que um orifício é aberto no crnio, possibilitando operações no cérebro.
Na pré-história, é possível que a trepanação não tivesse uma função terapêutica prática, servindo em muitos casos, segundo especialistas, para eliminar os maus espíritos e demónios do paciente. A sobrevivência ao procedimento, realizado na Antiguidade, era de aproximadamente 70%.
Na Europa, puderam ser comprovados mais de 450 casos de trepanação durante o Neolítico. Entretanto, durante a Idade Média o conhecimento da cirurgia perdeu-se e a cota de sucesso nesse tipo de intervenção caiu a praticamente zero por cento.
As descobertas incluíram cerca de duas dúzias de crnios com buracos de trepanação (Figura 4), entre os quais os mais antigos encontrados no continente europeu, ao lado dos instrumentos primitivos usados nas operações (Figura 5).
Hoje em dia, a prática é usada, por exemplo, para extirpar tumores ou coágulos cerebrais.
Exames, feitos por pesquisadores, indicaram que dois buracos, de um certo crnio, foram abertos por instrumentos cortantes de pedra. Os sinais de cicatrização indicam que o paciente, um homem de cerca de 50 anos, sobreviveu à operação.
Mais tarde, ainda neste período, alguns dos grandes filósofos de toda a humanidade fizeram referências nas suas obras sobre os loucos: Empédocles (490–430 a.C.) tratou da importncia das emoções e assinalou que o amor e o ódio eram fundamentais na determinação de alterações do comportamento humano; Platão (429–347 a.C.) propôs que a biografia psicológica do indivíduo fosse escrita a partir dos seus primeiros anos de vida, com base no seu relacionamento com os membros da família e com os educadores, para explicar o seu comportamento, mais tarde como adulto. Descreveu também dois tipos de demência: uma causada por deterioração progressiva e irreversível das funções mentais intelectuais, em que os instintos perdem o domínio da alma racional; a outra provocada ou inspirada pelos deuses. Aristóteles (384–322 a.C.) descreveu os afectos: desejo, raiva, medo, coragem, inveja, alegria, ódio e pena.
Davam-se grandes passos para a evolução da ciência Humanas, nas suas diversas áreas.
Bastante evoluída para a época, também foi à ideia dos romanos de que a punição dos loucos não seria necessária, pois a sua doença já seria a própria pena.
Foi, contudo, na Grécia Antiga, que teve início às observações terapêuticas. Hipócrates (460–380 a.C.), médico e professor, considerado por muitos como o pai da medicina, de forma muito rudimentar apresentou uma interpretação de cunho científico para a origem das alienações mentais, resultando na elaboração de uma classificação destes, onde descrevia algumas espécies de forma singular, como a epilepsia, considerada o mal do sagrado.
Com a chegada do Cristianismo, no final da Antiguidade, criou-se um maior grau de respeito ao louco, passando a ser visto como uma figura "pobre de espírito".
Idade Média
Durante algum tempo na Idade Média (476 a 1453), ainda sob a influência das palavras deixadas por Jesus, a loucura passou a ser tratada com mais tolerncia e aceite com maior naturalidade, "como um facto normal quotidiano”.
O louco participava dos acontecimentos sociais. Era o tempo da “loucura livre" afirma Maximiliano Führer.
Porém, a Igreja, baseada em interpretações erróneas das passagens do Novo Testamento, além de fazer com que houvesse um declínio desta mentalidade, retrocedendo para a antiga ideia do misticismo, onde tudo que não poderia ser explicado continha sementes diabólicas e malignas, ainda perseguia aqueles estudiosos que iam ao encontro de ideias divinas. A Igreja também proibiu a entrada de loucos nos seus templos, os que não obedeciam eram arrastados pelos padres e os seus assistentes para fora da casa do Senhor.
Os “delinquentes do demónio” eram submetidos a torturas horríveis. Alguns eram insultados, perseguidos, apedrejados e chicoteados publicamente, além de serem alvo de maus-tratos com varas de madeira, para outros a expulsão da sua cidades era o castigo, ou eram entregues a grupos de mercadores e peregrinos.
Os loucos foram inicialmente recebidos em hospitais, tendo-se posteriormente dado início à construção de casas especiais na maior parte das cidades da Europa.
Fruto da inquietude europeia surgiu também a "Nau dos Loucos", barcos construídos para armazenar e transportar todas as cargas insanas, sendo levados de uma cidade para a outra, uma forma simples e fácil de resolver os problemas com seus desequilibrados sociais. Tais viagens tinham um carácter simbólico, tornando-se umas das formas de exílio da época.
Com o desaparecimento da lepra do mundo ocidental nos fins da Idade Média e a não exclusão e o isolamento dos portadores de doenças venéreas, a loucura herdava além de toda uma estrutura física de 19.000 leprosos distribuídos por toda a Europa, tratamento dispensado para estes dois males que andavam em paralelo. Lugares estes antes obscuros e sem utilidade, passaram a abrigar loucos, pobres, vagabundos, presidiários e incuráveis de todas as espécies. A loucura seria uma espécie de novo espantalho da sociedade, em sucessão à lepra.
Em 1409, em Valência, o padre Juan Gilabert Jofré fundou o primeiro hospital psiquiátrico da história, com o fim de proteger os doentes mentais dos tratamentos discriminatórios que a sociedade lhes colocava diariamente.
Idade Moderna
Neste período (1453 a 1789) começam a ocorrer muitas modificações, uma nítida evolução sob a influência dos loucos na vida quotidiana. O "Elogio a Loucura" de Erasmo de Rotterdam escrito em 1509, foi uma crítica irónica ao seu tempo, onde a vida e loucura se misturam. Apresentando esta como uma deusa, com vida própria e merecedora de auto louvores, orientava todas as boas acções humanas, como o casamento, a infncia, a velhice, seriam responsáveis também pela formação das cidades, governos, religião e justiça.
A primeira das "Meditações" de René Descartes: "E como poderia eu negar que estas mãos e este corpo são meus, senão talvez me comparando a certos insanos cujo cérebro está de tal forma perturbado e ofuscado pelos negros vapores, que se convencem constantemente de que são reis quando, ao contrário, são muito pobres; de que estão vestidos de ouro e púrpura, quando estão nus, ou que imaginam serem jarras, ou terem um copo de vidro? Mas qual! Estes são loucos, e eu não seria menos extravagante se me orientasse pelos seus exemplos".
No século XVI ocorre o encontro da medicina com a loucura, e só no século seguinte é que começa o processo de exclusão do indivíduo louco das ruas e do contexto social. A partir deste momento o facto do indivíduo ser louco começa a ser visto como uma doença, passando a ser denominado de doente mental, porém, de forma muito superficial.
Surgem inúmeros estabelecimentos de correcção e de trabalho, que são criados para armazenar, não só os considerados doentes mentais, mas também abrigavam criminosos, mendigos, vagabundos, prostitutas e demais anti-sociais, com a função de punir a ociosidade e reeducá-los para a moralidade. No entanto a realidade era bem diferente, estes sofriam maus-tratos, torturas e violência como punição ao seu comportamento. A verdadeira função de hospital não existia, funcionavam apenas como verdadeiros depósitos de humanos, retirando da visão social aqueles indivíduos que não se adequassem às normas ditadas como normais para a época.