FÉ E RAZãO
No período medieval, além desse sutil desenvolvimento dos conceitos Bem e Mal, vimos também o desenvolvimento de uma luta paralela a esta, que conflitava para alcançar a supremacia à ascensão ao bem supremo. Esse período do pensamento ficou marcado pelo conflito estatutário entre Fé e Razão. Não houve consenso entre os sábios da época; ainda hoje não há entre o povo. Contudo, a razão se sobressai e a fé não merece nenhum tratamento significativo quando o assunto é o conhecimento. Eis o advento da era moderna, inaugurada por Descartes, que institui o estatuto do Sujeito. Nota-se, aqui, mais uma modificação do conceito Bem e Mal. Tanto a bondade quanto a maldade não mais são procuradas em Deus ou no Diabo. Mas Bem e Mal dependem da racionalização do homem. Um homem que usa a razão pratica o bem; o que não usa, pratica o mal. Kant é o grande nome dessa fase, quando, com sua filosofia, institui o imperativo categórico, um princípio retirado da razão em suas atividades práticas, um princípio extremamente normativo. Isso significa que a razão tem a condição de nos dirigir de um modo padronizado, seguindo uma máxima universal de comportamento, enquanto um "tu deves", diferente, mas não contrário de um "eu quero". Esse "eu quero" deve ganhar um estatuto universal de dever, de ser bom para todos a partir do que é bom pra mim. Assim, o dever é sentido como algo natural, bom, e o querer que não seja um imperativo da razão prática de modo universal, que possa não ser querido por alguém em particular, deve ser evitado, não querido, pois é mal. Uma característica importante da filosofia kantiana, e que não poderíamos deixar de dizer, é que esse Bem, ou seja, esse Ser, esse Deus, não são passíveis de conhecimento como coisas em si, mas ainda é possível decidir-se por eles. O que não mais acontece com o advento do positivismo alemão. O que começa com Kant é desenvolvido e continuado por Fichte, Schelling, Hegel e Schopenhauer, porém, com outra sutil modificação conceitual. O sistema kantiano enfatizou a impossibilidade de conhecimento do mundo verdadeiro, ou seja, do Bem; o idealismo alemão confiscou qualquer ímpeto que se decidisse por esse desconhecido. Assim, o positivismo nos leva a uma espécie de depressão existencial. Todo o mundo que tínhamos pra viver, o mundo de conflito entre Bem e Mal, que não pode ser conhecido, tampouco pode ser escolhido. É o enterro vivo de qualquer resquício de fé que a razão carregava ocultamente em si.