[editar] A ideologia cristã
É neste palco que surge o cristianismo, pregando, a partir da periferia do mundo de então, uma nova ideologia, uma "Boa Nova", que tinha muita atração sobre as massas, sobretudo as mais pobres. Pregando em língua grega em todos os grandes centros, o Apóstolo Paulo consolida um novo modelo de cristianismo que difere do cristianismo Ortodoxo original, circunscrito em Jerusalém e aos judeus. A grande aceitação do cristianismo será entre os gregos e romanos, os gentios, e não os "depositários e filhos da Promessa".
Opondo-se ao pensamento grego racionalista e teórico, o pensamento semita afirmará a historicidade e dramaticidade da vida humana, o sujeito, a pessoa, a consciência, o sentimento, a irreversibilidade do tempo, a Providência de Deus Pai e a salvação para todos por um gesto misteriosamente eficaz de um "Deus-Homem", Cristo. Esta era a "Boa Nova" (em grego Evangélion) anunciada de cidade em cidade e que atraía milhares de adeptos bem como incomodava os círculos do poder.
Em Roma, o cristianismo emancipa-se depois de três séculos de contradições e perseguições. Qual seria o perigo que ele representava? Outra vez deixaremos as causas mais históricas e específicas para determos-nos em dois pontos: a pregação cristã e o culto a Christós. A pregação cristã era dirigida sobretudo a periferia de Roma. A estes povos dominados, massacrados, tidos como "não-gente" pela ideologia da superioridade romana; explorados, escravizados e constantemente ameaçados, o cristianismo prega: a igualdade de todos os homens, a filiação divina de todos, a criação e a paterna providência de Deus, a salvação de todos e a ressurreição, uma outra vida para os sofridos e pobres, a caridade para com o próximo e, sobretudo a repartição das riquezas, "conditio sine qua non", para a conversão à comunidade "dos eleitos". Afora toda a mística dos grupos perseguidos.
Esta plataforma pregada com a tenacidade e o testemunho da morte (Pedro e Paulo morrem em Roma crucificados e decapitados) tem arrasador e explosivo efeito. As perseguições aos cristão são, sobretudo, pelo perigo que a sua pregação acarretava na decadente Roma dos séculos I e II d.C.. E o outro ponto importante é a pertença a uma comunidade, uma identidade religiosa onde todos "tinham tudo em comum e dividiam seus bens com alegria de modo que não havia necessitados entre eles".
O segundo ponto é o culto ao Christós, que já é um título divino que os cristão tinham dado a Jesus de Nazaré, o Jesus histórico. Afirmar que o Jesus de Nazaré, histórico, é o "Cristós" do universo e da sua vida é o primeiro ato da fé cristã, libertando-se do Judaísmo. Mas o importante é que o culto a Cristo é a negação do culto ao Augusto, título igualmente divino e prerrogativa de todos os Césares a partir de Otávio, que instituiu este culto, para todo o império, como suporte ideológico-político de sua dominação, paralelo ao culto dos demais deuses do panteão romano copiado dos gregos, Detenhamos-nos no seu aspecto político-religioso. Afirmar que o sol não era deus significava deixar inúmeros templos vazios e sacerdotes sem função, e mesmo deixar o Exército sem proteção. Afirmar que o imperador não é Deus é subversão política que as leis classificavam como crime de morte. Dizer que o imperador não é Deus é negar a sua efígie na moeda que corre, é negar os valores desta sociedade da qual ele é o símbolo e a sanção sagrada. Tudo isso é ser subversivo e as camadas dominantes rapidamente perceberam isto. Mas as perseguições, aliadas a outras causas internas e externas, vão acelerar o processo de decadência, ou melhor, superação do império romano. Do ano 50, quando chegou a Roma, o cristianismo sofrerá catorze grandes perseguições, até que em 313 é proclamada "religião oficial do Estado" pelo imperador Constantino. Começa então uma nova época para o cristianismo, a simbiose entre o poder político e religioso que vai gerar a cristandade medieval. Era a superação da cultura romana singrada em sua interioridade e o surgimento de nova síntese cultural: a "cristianitas", que se opunha à superada "romanitas".
Nos dois séculos seguintes, IV e V, um outro fenômeno acontece ao nível da religião (comunidade) e do império. Na comunidade surge uma crescente categoria que usurpa cada vez mais os poderes religiosos comunitários e que concentra os ministérios e funções em suas mãos: o clero. Desenvolvem uma ideologia (teologia) de justificação da função (O Cristo cabeça e a figura do Pastor) e aliam-se cada vez mais aos grupos dominantes. Santo Agostinho é um dos teóricos deste movimento, propondo a divisão do poder em seu livro "Cidade de Deus e Cidade dos Homens", duas figuras básicas para explicar o poder da igreja e do Imperador. O papa (bispo de Roma) com a justificação ideológica do primado de Pedro, toma o poder sobre os demais bispos e se configura em um novo "imperador" com vestes, corte, título, tiara e cetro (báculo