A tragédia do Haiti não é o sismo e as suas réplicas. O verdadeiro acontecimento funesto começou para o Haiti em 1804, quando o general negro Toussaint L'Ouverture enfrentou e derrotou, juntamente com o escravo nativo Jean-Jacques Desalines, as tropas de Napoleão comandadas pelo seu cunhado.
Proclamada a República do Haiti, a França decidiu vingar-se da afronta. Exigiu 150 milhões de francos (ouro), a título de reparação aos proprietários de escravos. A fim de poderem resgatar a sua liberdade - para além do sangue que verteram no campo de batalha - os haitianos viram-se forçados a endividar-se junto à banca francesa.
Concomitantemente, seguiu-se uma vasta desflorestação do país para obterem madeira, a matéria-prima mais valiosa imediatamente disponível, o que lhes permitia honrar os encargos da dívida extorquida pelo capitalismo violento da França.
Em 2003, o ex-presidente Aristides decidiu reivindicar a devolução de cerca de 7 mil milhões de euros (os tais 150 milhões de francos). Resultado: foi derrubado por um golpe de estado e levado para os EUA.
Para completar a desgraça, parece que há petróleo no Haiti. Assim se compreende que os abutres de garras afiadas estejam a esvoaçar pressurosamente em redor deste país enterrado em dívidas até ao pescoço. A invasão americana do Haiti, sob a capa de ajuda humanitária, principia a ser caricata.
É óbvio que os navios militares americanos não se deslocaram para o Haiti só para assegurar a ordem num país em que o Estado foi decapitado pelo sismo. O porta-aviões USS Carl Vinson, por exemplo, dispõe de uma unidade médica de último grito e produz água potável dessalinizada a bordo, para ser distribuída aos sinistrados.
O que não faz sentido é ver a ONG 'Médicos Sem Fronteiras' vir, hoje, queixar-se de que os EUA não a deixam desembarcar o seu avião carregado de ajuda médica - enquanto a população morre por falta de assistência médica. Tal como é estranho, o aeroporto de Caracas continuar congestionado de aviões provenientes de todo o mundo, atestados de ajuda humanitária para o Haiti, obrigados a permanecer na capital venezuelana até ao próximo sábado.
Dir-se-ia que, ao pretenderem controlar todo o auxílio humanitário destinado ao Haiti, os EUA devem estar a ter sucessivos orgasmos de compaixão...