Sentado nos degraus do meu jardim, oiço o marlá em baixo, aqui bem perto, revolto, enrolando o calhau, num vai e vem que se deve ouvir a quilómetros de distncia. Dou por mim, pensativo, contemplando o infinito, o nada, embalado por esta sinfonia, que é bem conhecida por aqueles que vivem junto ao mar. Por momentos – mesmo que breves – procuro apenas esvaziar a consciência de um qualquer pensamento, procuro pensar no vazio. Mas, tal como o movimento das pedras do calhau, arrastadas pelo mar, as ideias e os sentimentos arrastam-me de um lado para outro. É um turbilhão de sentimentos, de ideias, por vezes confusos, arrastados pela correnteza. Só param quando o mar sossegar, quando ele adormecer, tranquilo. Tal como numa praia, as conchas ficam depositadas na areia, logo que a maré fica vazia, o mesmo acontece com os sentimentos, com as ideias. Porém, tal como as pequenas conchas, que parecem soldadas definitivamente ao chão de areia, logo que a maré volta a encher, “soltam amarras” pelo mar adentro, arrastadas para um novo turbilhão. É surpreendente esta dinmica das nossas vidas. Nada é imutável, duradouro. Mesmo aquelas coisas que pensávamos ser para sempre estão sujeitas a este turbilhão. E lá vamos nós arrastados, embalados pelas ondas, apesar de tantas vezes tentarmos agarrarmo-nos à areia com toda a força que temos. Mas, a areia esvai-se entre os dedos. E nós, impotentes perante a correnteza, somos obrigados, tal como as conchas, a iniciar uma nova viagem, até que a maré volte a baixar, e o mar volte a adormecer…